Um das fintechs brasileiras que mais têm demonstrado apetite para chegar aos desbancarizados, o Nubank quer atrair esse público sem se limitar a oferecer uma conta digital. É o que garante o CEO e um dos fundadores da instituição, o colombiano David Vélez.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele afirmou que vê de forma positiva a inclusão de milhões de brasileiros ao sistema financeiro por meio do auxílio emergencial pago pela Caixa Econômica Federal, mas criticou o modelo de negócios dos grandes bancos, que na sua visão repelem as pessoas que estão fora. Para Vélez, só será possível atingir os desbancarizados com pesados investimentos em tecnologia e uma compreensão clara das necessidades dos clientes. Abaixo, trechos da entrevista:
Depois de um primeiro momento no qual as fintechs cresceram atraindo pessoas insatisfeitas com os bancos, agora o desafio é chegar aos desbancarizados?
Os cinco grandes bancos tradicionais ainda concentram aproximadamente 85% do mercado. Cada dia fica mais claro que as soluções oferecidas por eles são mais caras e menos focadas nos clientes. Então, ainda existe uma grande oportunidade de crescimento no mundo bancarizado. Mas, de fato, uma das principais oportunidades em que estamos focados é com os desbancarizados. Criamos o Nubank com a missão de democratizar o acesso a serviços financeiros e já temos contribuído para isso. Um quinto dos nossos clientes nunca tinha tido acesso a um cartão de crédito antes de ter o roxinho (cartão do banco). Entre nossos clientes com mais de 55 anos, 15% tiveram o roxinho como o primeiro cartão de crédito. Eram pessoas que passaram praticamente a vida toda sem acesso a uma ferramenta básica de crédito e que agora podem usar o seu cartão Nubank de uma maneira descomplicada e acessível.
Quais são os principais desafios para atingir os desbancarizados, considerando que eles ainda são milhões e os bancos tradicionais ainda não chegaram até eles?
A última análise do Banco Mundial sobre o tema revela que o principal obstáculo à bancarização é a maneira como os bancos tradicionais se relacionam com os clientes. Segundo o relatório, os altos custos, a falta de acesso e a elevada burocracia repelem o grupo de brasileiros que ainda estão desbancarizados. Eu mesmo levei seis meses para conseguir abrir a minha primeira conta bancária quando me mudei para o Brasil. Se para mim que estava na maior cidade do País foi trabalhoso, imagine qual é a situação dos brasileiros que vivem fora dos grandes centros urbanos ou aqueles que moram em locais que não têm uma agência bancária. Estima-se que 17 milhões de brasileiros vivem em municípios que não têm uma agência bancária. Isso significa que, antes da facilidade dos bancos digitais, para resolver questões básicas - como abrir uma conta - essas pessoas precisavam andar quilômetros e quilômetros de distância. Some-se a isso os altos custos para manter uma conta bancária ou ter um cartão no Brasil. Para serem capazes de realmente contribuir para a bancarização, as empresas precisam ser extremamente eficientes e isso apenas acontece por meio de canais digitais e tecnologia proprietária. Não são todos os players que conseguem oferecer cartões de crédito de R$ 50 de uma maneira sustentável. Isso requer um nível elevado de investimento em tecnologia. Além disso, as empresas precisam entender muito bem as necessidades desses clientes.
Como superar a questão do custo de transação? Se cada transação financeira tem um custo para as instituições financeiras e os desbancarizados costumam ser pessoas de baixa renda, que transacionam valores pequenos, é um negócio que faz sentido para as fintechs?
O Nubank tem um modelo disruptivo de negócios que se contrapõe à política de preços do mercado com uma estrutura de custos muito mais eficiente justamente para que os serviços sejam acessíveis a todos. Uma boa parcela de nossos clientes têm vencimentos de até um salário mínimo e temos orgulho de saber que estamos contribuindo com a inclusão financeira. Com a implementação do Pix, a questão do custo da transação se torna ainda menos importante, já que os custos das transferências serão zerados para pessoa física. Estima-se que os desbancarizados movimentem cerca de R$ 817 bilhões por ano sem que um centavo passe pelo sistema financeiro. É um mercado praticamente inexplorado pelos bancos tradicionais porque eles seguem um modelo de negócios que tende a repelir esse grupo.
A Caixa Econômica Federal trouxe para o sistema milhões de pessoas por meio do auxílio emergencial. Isso é visto como um problema para o Nubank, pois reduz o potencial de mercado, ou uma oportunidade de atrair clientes que já foram iniciados?
A inclusão de pessoas no sistema financeiro tem efeitos positivos para a economia como um todo e apoiamos medidas que contribuam para isso. Há dados que mostram que mais de 20 milhões de pessoas que receberam o auxílio emergencial não tinham uma conta bancária antes. Eram pessoas que estavam excluídas do sistema e que agora estão acessando serviços financeiros pela primeira vez e já através de meios digitais. Mas é importante dar liberdade para os clientes escolherem em qual instituição eles querem receber o seu dinheiro. Acreditamos que a inclusão financeira vai além de oferecer uma conta. A experiência do cliente conta, e muito.
O Nubank comprou a Easynvest também com a intenção de levar o mundo dos investimentos aos desbancarizados. Que perfil de desbancarizado poderia ter dinheiro suficiente para economizar e investir?
Como já mencionei, a inclusão financeira vai além de oferecer apenas uma conta e um cartão para as pessoas. Acreditamos que para que elas estejam realmente incluídas é preciso empoderá-las com produtos diversificados e, quando se trata de investimentos, é necessário oferecer opções práticas e rentáveis, que sejam mais atrativas do que deixar o dinheiro embaixo do colchão. As plataformas de investimento que existem hoje resolveram o problema das pessoas de alta renda, apenas 1% ou 5% das população. Existem mais de 100 milhões de brasileiros que ainda investem quase R$ 1 trilhão na poupança. Ninguém está olhando para esse cliente e para os desbancarizados nesse setor. Será necessária uma eficiência operacional enorme e é isso que vamos trazer para o mercado de investimentos. Vamos levar o modelo Nubank de simplicidade e eficiência também para esse mercado. Ter uma relação saudável com o próprio dinheiro e ter a possibilidade de vê-lo render deve ser acessível para todos os brasileiros, independentemente do total investido.