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'Indústria chega sem fôlego ao ajuste'

Para economista, período de ajuste da economia não pode ser longo, sob o risco de pôr as empresas em situação ainda mais difícil

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO - A indústria brasileira chega ao contexto de mudança de rumo na economia "bastante mal posicionada" e "sem fôlego". Por isso, o período de ajustes não pode se estender mais do que um ano ou um ano e meio, segundo o economista David Kupfer, que, após três anos e meio como assessor da Presidência do BNDES, está de volta ao Grupo de Indústria e Competitividade (GIC) da UFRJ, para se dedicar à pesquisa acadêmica. Para ele, o que falta é a sinalização dos caminhos após o ajuste. Sem isso, o risco é o investimento seguir retraído e, quando a economia se recuperar, a volta da demanda ser atendida com capacidade produtiva antiga, improdutiva e de alto custo. O resultado é inflação pressionada e o tradicional comportamento "pare e siga" ("stop and go") do crescimento econômico, sempre dependente da atividade global. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O economista David Kupfer: "A percepção é de um ajuste como uma etapa necessária para alguma coisa que não sabemos o que é". Foto: Rafael Arbex/Estadão

Como a indústria enfrentará a crise atual?

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Há um compromisso com um ajuste, eminentemente fiscal, que tem como elementos a retomada de um superávit primário, a manutenção da taxa de juros elevada por um período de tempo em torno de dois anos e a transição para uma taxa de câmbio mais desvalorizada. É uma mudança importante no mix macroeconômico. Tudo está um pouco apoiado em como esse momento vai ser digerido pelo sistema econômico. Se a economia conseguir fazer essa transição em tempo não tão longo e se rearrumar em torno desse novo mix, então, vamos ter um quadro que vai trazer alguma mudança nos setores (industriais) que vão estar em expansão, realizando investimentos mais intensivos em modernização, ou mesmo em substituição de equipamentos.

O ajuste e o novo mix são positivos para a indústria?

Ainda estamos numa fase em que o ajuste está sendo colocado como um fim em si mesmo. A percepção é de um ajuste como uma etapa necessária para alguma coisa que não sabemos o que é. Não há uma visão de política econômica mais longa que permita extrair implicações para a atividade produtiva em geral. Há uma necessidade de completar uma transição em direção a uma taxa de câmbio mais desvalorizada, que traz implicações relativamente profundas sobre a organização do tecido industrial.

A indústria passou muito tempo com câmbio apreciado?

Sim, o que significa que está há muito tempo trabalhando com uma baixa competitividade de exportação, trabalhando com uma rentabilidade nas operações internas comprimida pelo preço de importação, particularmente em manufaturados, que tem levado, na medida do possível, àquele processo de substituição de insumos locais por insumos importados, numa tentativa de reduzir os custos de produção. Com a mudança do dólar, essa estratégia, que é uma estratégia de flexibilidade de "sourcing" (fornecedores), entra em xeque.

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Como a indústria está posicionada perante o ajuste?

A indústria chega bastante mal posicionada porque ela já vem sem gordura para poder acomodar esse período de retração. A indústria já vem sem fôlego e isso sugere que o período de ajustamento não pode se estender demais, porque se isso não se resolver num tempo satisfatório, essas empresas já sem fôlego talvez enfrentem dificuldades maiores.

O que seria tempo satisfatório?

É um ano, um ano e pouco, daqui para 2016, para meados de 2016. A gente não pode, e isso é parte de uma agenda de política econômica, deixar o sistema industrial hibernando, esperando a bonança, para voltar a se colocar em movimento. De algum modo, há que se criar as condições para que, rapidamente, o investimento retome, para que, quando a economia melhorar e voltar a crescer, você já esteja construindo capacidade nova.

O que pode ocorrer se a indústria ficar hibernando?

Suponha que tudo funcione macroeconomicamente, daqui a um ano e meio a economia começa a crescer, e a gente não terá capacidade de atender esse crescimento e vai atender com a capacidade prévia existente, com um estoque de capital de relativamente baixa produtividade, defasado tecnologicamente. Aí, a oferta vai encontrar uma demanda mais animada, mas ela vai fazer isso com custos crescentes e vamos ter pressões inflacionárias. Vai parecer que há uma inflação de demanda, mas não pode existir inflação de demanda se a gente está num processo de estagnação há quatro anos.

O que ocorre se esse quadro se repetir com o câmbio elevado?

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Vai acontecer o que é o padrão histórico recente, dos últimos 30 anos, que é o "stop and go". A economia começa a crescer, rapidamente encontra restrições, a inflação começa a reagir e a aumentar, a política (monetária) é obrigada a atuar, para fazer a economia caber na capacidade de produção. A gente vai saber claramente que a economia brasileira só poderá ter um surto de crescimento se as condições externas forem muito favoráveis. Como isso não é esperado, o nosso "stop and go" será mais "stop" do que "go".

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