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Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião|Indústria e protecionismo

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Atualização:

Entre 2007 e 2020 a produção industrial do mundo cresceu 30%, enquanto a do Brasil caiu 10%, permanecendo estagnada desde 2015. É uma diferença chocante, mas para a decepção de alguns não pode ser atribuída nem ao câmbio, que desde 2015 tem sido extremamente competitivo, nem à taxa real de juros, que nunca foi tão baixa. 

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Por que a indústria brasileira não cresce? Seu desempenho pífio não é consequência da conjuntura desfavorável de 2008/09 e dos meses iniciais da pandemia. Tem origem em uma doença bem mais grave e duradoura, que é o protecionismo. Inicialmente ele foi benéfico, favorecendo a “indústria nascente” e gerando taxas elevadas de crescimento.

Foi uma consequência dos leilões de vendas de promessas de câmbio, após o término da 2.ª Guerra Mundial, com maior oferta de divisas para as importações de bens de capital, e o estímulo se manteve com a unificação cambial e a criação de uma escala tarifária, em 1953. 

Assim nasceu a indústria de bens de consumo, mas era preciso fazê-la crescer e competir com os concorrentes ao redor do mundo. Antes de ser um empecilho, a competição contribui para o aumento da produtividade, e um primeiro movimento na direção correta foi a redução de tarifas, no Paeg, mas tudo voltou atrás com o II PND.

Brasil tem exportação recorde de commodities, mas muito pouco em manufaturados Foto: J.F.Diorio/Estadão

No governo Collor foi feita mais uma tentativa de abertura, mas a mobilização das forças em favor do protecionismo prevaleceu, ampliando o uso de instrumentos como os altos índices de conteúdo nacional combinados com estímulos fiscais a setores específicos.

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Qual foi o resultado? Decorridos mais de 70 anos do final da 2.ª Guerra Mundial, ainda temos indústrias que para produzir precisam de proteções efetivas de 70%, como nos casos de caminhões, ônibus, automóveis e carrocerias, e de aproximadamente 40% para os setores têxtil e de vestuário, que foram os primeiros a nascer e estão chegando à velhice sem terem se tornado competitivos. 

Em 1990, antes da tentativa de abertura comercial do governo Collor, a tarifa nominal média no Brasil era de 45%, e a tarifa efetiva era de 32%. Atualmente, nossa tarifa média está em torno de 26%, com uma tarifa efetiva de 12,2%, sendo que 18 setores industriais têm tarifa efetiva igual ou maior do que a média. 

No último ano festejamos o sucesso das exportações de commodities, mas amargamos o péssimo resultado das exportações de manufaturas. Tal fracasso não pode ser atribuído ao câmbio, e sim à ineficiência industrial gerada pelo protecionismo. A ela temos de somar as distorções da tributação de bens e serviços.

Para ser neutro sobre as exportações (e a alocação de recursos), tal imposto deveria ser arrecadado na sistemática de um IVA perfeito, através de débitos e créditos tributários financeiros, com alíquotas uniformes. Há plena consciência de todos os defeitos da atual forma de tributação, mas até aqui tem sido impossível superar os interesses dos governadores e dos empresários beneficiados. 

No livro The Power of Creative Destruction, Aghion e coautores analisam esses problemas sob a ótica da “destruição criadora”. Para crescer é preciso inovar, e as inovações são geradas por empresas com visão moderna, que com isso obtém rents (excessos de lucros) temporários que estimulam os investimentos em novas técnicas, aumentando a produtividade.

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Mas tal movimento colide com os interesses das empresas com visão antiga, cujos rents caem. Para defender seus interesses, estas últimas estreitam os laços com políticos – com legisladores e com o próprio governo –, criando barreiras que impedem a entrada dos inovadores e que mantém seu poder de mercado. 

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Visões distorcidas como estas prevalecem por algum tempo, mas mudam diante dos fatos. Três líderes industriais modernos, Pedro Passos, Horácio Lafer Piva e Pedro Wongtschowski utilizam argumentos consistentes com o paradigma da “destruição criadora” quando afirmam que há “um desperdício de talentos e oportunidades, fruto de políticas erradas e da falta de coragem na adoção de uma agenda de integração global, que nos colocou distantes da busca prioritária da produtividade”.

Na sua visão, tanto quanto na minha, o problema é que, independentemente da idade cronológica dos industriais, a nossa indústria envelheceu. 

Avaliado pela capacidade de garantir os rents das empresas com visão antiga, o protecionismo tem sido um sucesso. Mas, avaliado pela capacidade de elevar o crescimento em benefício da sociedade como um todo, o resultado é péssimo. 

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

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Opinião por Affonso Celso Pastore
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