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'Inflação alta deve durar pelo menos um par de anos a mais', diz ex-diretor do BC

Para Mário Torós, não existe mais o cenário que vinha desde 2016, com a política fiscal andando ao lado da política de juros

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Mário Torós diz que a inflação alta pode continuar surpreendendo e que o processo de desinflação será mais difícil e longo do que se imaginava. “Podemos falar em pelo menos um par de anos a mais”, prevê.Torós avalia que mudou o cenário que existia desde 2016, com a política fiscal andando junto com a política de juros. Enquanto a primeira pisa no acelerador, a outra tem de pisar no freio. Sócio da Ibiuna Investimentos, com R$ 27 bilhões de recursos sob sua gestão, Torós diz que a mensagem dos investidores hoje é de grande incerteza e de vontade de ter o dinheiro mais protegido.

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A economia vive um momento difícil de inflação alta e persistente que vem surpreendendo, como aconteceu em março com o IPCA de 1,62%. O que esperar daqui para frente?

Não dá para pensar no Brasil sem ver o que está acontecendo no resto do mundo. O mundo está assim: crescendo muito e com inflação. Os bancos centrais, tanto do Brasil quanto dos mercados lá fora, falavam que era meio transitório. Mas estamos vendo que a inflação tem um caráter mais persistente no mundo todo e vai ficar por mais tempo. O processo de desinflação, que todo mundo achava que ia ser muito rápido, será mais lento.

Mário Torós é ex-diretor de Política Monetária do Banco Central Foto: Alex Silva/Estadão

No seu horizonte, quanto é esse tempo a mais para o processo de desinflação?

Numa hipótese relativamente boa, podemos falar em pelo menos um par de anos a mais. O ano de 2022 e 2023. Os próprios BCs já estão convencidos de que é um processo longo. A inflação cheia dos Estados Unidos saiu a 8,5%. A despeito disso, as reações dos BCs de modo geral têm sido muito mais paulatinas.

Como fica o Brasil nesse cenário internacional?

O BC iniciou esse ciclo mais rápido, botando a política monetária num nível bastante restritivo. Com o nível de juros que temos, os efeitos da política vão fazer com que o crescimento desacelere no segundo semestre, além das incertezas eleitorais. O que difere mais o Brasil dos outros não é nem a questão da inflação, mas o crescimento, que de fato é muito mais baixo tanto em relação aos países emergentes quanto aos desenvolvidos. Essa é uma questão que tem de ser discutida mais profundamente.

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Quais as razões para o baixo crescimento brasileiro?

Não há um único fator, mas uma combinação. Temos uma produtividade bastante baixa. O Brasil tem problemas estruturais que não conseguem fazê-lo crescer de forma sustentável. Os primeiros passos são persistir nas reformas. Não é uma panaceia. Cada reforma é um tijolo numa construção.

Não se está depositando muita fé nas reformas para o Brasil crescer mais?

Repito que não há atalho para o crescimento sustentado. Não é que haja muita fé nas reformas. Elas são condições necessárias, mas não necessariamente suficientes para garantir o crescimento. Tem de persistir nesse negócio.Eu vejo falarem ‘se fez a reforma trabalhista e a taxa do desemprego não mudou ou mudou pouco’. Mas ela é um fator, e sozinha não consegue resolver os problemas da economia. As mais importantes são de fato aquelas que mudam o perfil do gasto fiscal. E isso precisa estar claro. A reforma tributária em si também não resolve. O problema é que temos um gasto fiscal de mais de 30% do PIB.

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O presidente do BC, Roberto Campos Neto, se disse surpreso com a inflação. Há poucas semanas, ele dizia que o pico da inflação seria em abril e depois cairia.

Ele fala do pico da inflação ‘logo na frente’ desde o início de 2021, e de fato não tem sido isso. Não é só com o Brasil. Os BCs têm sido surpreendidos pelo processo inflacionário. O Brasil tem um processo inflacionário forte e tem um processo de desinflação a fazer longo e difícil. Grosso modo pode-se dizer que a inflação no Brasil está 10%, 11% e tem talvez um processo para fazer para ela ir a 6%, 7%. Depois, o mais difícil é trazê-la para 3%, que é o patamar que os países emergentes em geral almejam.

Quando a inflação cair no Brasil vai ficar com inflação nesse nível de 6% e 7% por muito tempo?

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Sim, é possível. É possível que tenhamos um processo lento de desinflação. Vai acontecer não só no Brasil como nos emergentes.

Como o sr. avalia a comunicação dos BCs?

O Roberto Campos falou que está pensando em parar (a alta de juros), que o nível já estava bom, e agora já disse que não é bem assim. É um momento de muita incerteza. A comunicação dos BCs é um elemento hoje que já sabemos ser chave. Tanto quanto ou até mais do que a definição da taxa básica de juros. Vários países díspares, como o Chile e a República Checa, já deram mensagens de que já subiram os juros e está na hora de parar. Essa não é uma mensagem que só o Brasil deu. Como o ambiente é de muita incerteza, por exemplo, a República Checa deu essa mensagem e já mudou. O Chile está mais ou menos igual ao Brasil, que está próximo de parar, mas aí os dados de inflação saíram muito mais altos do que se imaginava.

Há críticas reservadas de integrantes da equipe econômica à comunicação do BC e uma avaliação de que a alta dos juros deveria ter sido mais agressiva, além do incômodo da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, com alertas do Copom para os riscos fiscais. Como o sr. avalia esse ponto?

Esse integrante quer que o Paul Volker (ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos que ficou conhecido por elevar drasticamente os juros) volte. Há momentos e momentos na economia. No passado era assim. Ao longo do tempo fomos aprendendo que, na gestão de política monetária, existem outros mecanismos de transmissão que são menos nocivos à atividade econômica do que simplesmente dar uma ‘porrada’ na taxa de juros. O BC fez uma escolha e a tem seguido. Você poderia dizer que ele poderia deixar um pouco mais em aberto as decisões ou não. Alguns BCs têm feito de um jeito e outros de outro. No frigir dos ovos, lá no final, não fará grande diferença, embora eventualmente possa ter um pouco mais de volatilidade no mercado quando se dá uma comunicação sobre os próximos passos de forma mais clara como está dando o BC.

O presidente do BC se disse surpreendido com a aceleração da inflação de março. O BC e o mercado podem se surpreender de novo nos próximos meses?

Quem não disse isso de fato não é um observador da cena econômica. É possível. Minha visão é que existe uma incerteza com a política fiscal, independente de qual será o candidato que vai ganhar. O mercado está dizendo para a gente (nos preços) que a política econômica que está vendo daqui para frente é de volta um pouco da política do passado, em que a política fiscal pisa no acelerador e a monetária tem de pisar no freio. Essa é a política que eu vivi no BC. Desde 2016, as políticas monetária e fiscal passaram a andar juntas. Isso permitiu que a taxa de juros real de longo prazo começasse a cair, com a perspectiva de que o País estava começando a endereçar a questão fiscal de forma mais estrutural, e não conjuntural.

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Esse cenário mudou?

Hoje, mudou. Se olharmos a taxa de juros real de longo prazo do Brasil, ela voltou para um patamar acima de 5% e rondando em 6% há algum tempo. É muito alta e difícil de sustentar tendo uma dívida em relação ao PIB na ordem de 80%. Essa questão está associada a uma inferência de qual seria a política econômica que poderia vigorar no próximo governo, independentemente de qual seria o eleito.

Esse pé no acelerador atrapalha a política do BC restritiva?

O problema não é exatamente a política atual. É a perspectiva e incerteza da política fiscal futura. Isso sim está criando uma restrição de crescimento, à medida que passamos a ter uma taxa de juros real muito acima do que seria sustentável para a economia.

Qual a mensagem que os investidores estão passando para vocês nesse momento?

É uma mensagem de grande incerteza, de vontade de ter o dinheiro mais protegido. O que vemos quando olhamos a indústria dos fundos é que temos um fluxo de investidores domésticos muito grande de novo voltando para a renda fixa.

O que fica do imbróglio em torno da troca de comando da Petrobras, depois que o presidente Bolsonaro cobrou a queda dos preços dos combustíveis?

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A primeira constatação é que a Petrobras é muito provavelmente um dos ativos mais baratos do mundo. É uma pena, porque a sociedade brasileira é dona de um terço da Petrobras em ações totais e tem o controle. Esse valor está desvalorizado por questões políticas. Fazem essa confusão toda, mas não conseguem, até porque institucionalmente se criaram mecanismos de mercado que impedem esse tipo de intervenção. Só fica com a confusão que desvaloriza o que, em essência, é da sociedade brasileira.

Por outro lado, há um movimento capitaneado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para mudar a lei das estatais e permitir mudanças no estatuto da empresa?

Assim é o Brasil. No final das contas, tudo isso se resume numa coisa: crescimento mais baixo no futuro.

Como o País chegará em 2023?

Primeiro, tem a questão de quem vai ser o presidente do Brasil, entre os vários candidatos. Em segundo, qual a política econômica que vamos ter. Isso tudo eu acho que ainda está em aberto. Seria bom que a gente tivesse uma maior compreensão sobre isso hoje, porque certamente impacta o crescimento do futuro.

O mercado escolheu um candidato?

Eu não sei se o mercado escolheu. Eu não tenho essa percepção. O que eu posso dizer é a minha visão. A gente, como gestor não tem de ter um candidato. Temos de olhar as propostas, olhar os candidatos, analisar as probabilidades que estão implícitas na vitória de um ou de outro candidato. A partir daí, ver qual é a gestão de política econômica que esses candidatos podem fazer, e isso dá como resultante o preço para determinar o ativo. Essa é a função que eu vejo dos gestores de recursos. Eu tenho essa postura. Não tenho preferência por nenhum candidato como gestor. Eu não escolho a pauta. A pauta é dada pelos candidatos que estão aí. Essa pauta é que determina como será o comportamento do preço dos ativos.

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