Não é só temperatura alta; é sensação térmica ainda mais alta.
Já se esperava que outubro trouxesse um custo de vida elevado. Mas o número final surpreendeu porque ficou mais elevado do que a expectativa: foi de aceleração de 1,25% na variação mensal. A inflação medida em 12 meses saltou para 10,67%.
Mais do que isso, espalha-se a percepção de que o Banco Central, que existe para derrubar a inflação, está enxugando gelo.
Em parte, isso acontece porque o grosso dessa alta de preços é efeito de aumento de custos e não de aumento da demanda. É o petróleo e o gás natural que dispararam nos mercados; é a falta de matérias-primas, peças, chips, contêineres e tanta coisa mais, em consequência da desorganização dos fluxos produzida pela pandemia; e é o preço dos alimentos que enfrentaram forte estiagem no Brasil. E tem a puxada no dólar que se encarrega de aumentar os preços dos produtos importados e até mesmo dos não importados que, no entanto, estão amarrados à moeda estrangeira, como os combustíveis, soja e milho (ração animal). A principal razão dessa esticada no dólar é o aumento das incertezas na política econômica e a falta de confiança no governo, que adia reformas e investimentos e levaram os exportadores a deixar seus dólares no exterior em vez de trazê-los para cá.
Por que a alta dos juros básicos, que saltou dos 2,0% ao ano em março e já está nos 7,75% desde o final de outubro, não consegue segurar a escalada? Porque juros mais altos são o resultado da redução do volume de dinheiro na economia que, por sua vez, atua na queda do crédito e na demanda. Não consegue contrapor-se ao aumento de custos produzidos no exterior.
Ainda assim, o Banco Central tem de puxar pelos juros para cortar o rebote, que é a corrida pelos reajustes (correção monetária) e alta dos serviços.
E é aí que entra o estrago produzido pela sensação térmica de uma inflação mais violenta do a apontada pelas estatísticas, por mais que elas estejam surpreendendo para cima. Não há nada de errado com as estatísticas. Há a sensação de sufoco produzida pela alta da gasolina, do gás de cozinha, da conta de luz, da comida.
Vamos às consequências do tiro da inflação. Primeira, os juros. Vão continuar a subir, talvez até mais do que o 1,5 ponto porcentual esperado. Outra, deve intensificar-se a corrida para tentar reduzir as perdas (conflito distributivo). É o caminhoneiro que exige mais frete, a companhia aérea que aumenta os preços das passagens, o assalariado que quer mais reajuste, a cabeleireira que aumenta seus preços...
Uma terceira consequência: sobem as despesas do governo que levam reajustes automáticos, como as aposentadorias e pensões. Em compensação (parcial), sobe a arrecadação porque os impostos estão amarrados a preços, e se sobem os preços...
E mais grave, inflação à solta corrói salários e poder aquisitivo, especialmente dos mais pobres – e tende a aumentar a sensação de insegurança e medo.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA