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'Inflação baixa não entrou na genética do brasileiro', diz Pedro Malan

Segundo um dos pais do Real, a pressão sobre os preços exige atenção de perto, em particular com problemas fiscais

Foto do author Francisco Carlos de Assis
Por Francisco Carlos de Assis (Broadcast)
Atualização:

Passados 25 anos do lançamento do Plano Real, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, um dos principais responsáveis pelo plano de estabilização, diz que a inflação baixa ainda não se incorporou ao patrimônio genético do brasileiro. “Ela exige atenção permanente, em particular com problemas fiscais”, disse. O alerta vale principalmente porque, segundo ele, ninguém “seriamente” acredita que a reforma da Previdência solucionará, sozinha, todos os problemas fiscais do País. “Temos desafios sérios a resolver”, disse o economista, que fez palestra em São Paulo a convite da RB Investimentos. “Mais sérios ainda vão ficar se Estados e municípios ficarem fora da reforma.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

O ex-ministro da Fazenda e um dos criadores do Plano Real, Pedro Malan. Foto: Hélvio Romero

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Nesses 25 anos de Real, a meta de inflação foi reduzida várias vezes. A pressão sobre os preços ficou para trás?

Não. Numa economia como a do Brasil sempre haverá pressão sobre preço. Sempre digo que o fato de estarmos tendo inflação baixa por alguns anos não significa que ela tenha sido incorporada definitivamente ao patrimônio genético do brasileiro. Inflação exige atenção permanente, em particular, com os problemas fiscais, os fluxos de gastos e receitas.

O Banco Central (BC) sofre pressão para reduzir juros e recebe críticas por vincular cortes a reformas. O que o sr. acha disso?

No período recente, o BC tem tido um comportamento exemplar. O (ex-presidente do BC) Ilan (Goldfajn) e o (ex-ministro da Fazenda Eduardo) Guardia fizeram um trabalho extraordinário para as circunstâncias com as quais se defrontaram no dia 12 de maio de 2016 (quando Michel Temer assumiu a Presidência). Recuperaram a credibilidade que estava fortemente abalada.

Mas o BC foi claro na vinculação da política monetária à reforma previdenciária.

O BC tem de deixar claras suas opções porque podem acontecer coisas neste intervalo. Na ata e no relatório de inflação, ele deixa claro que está olhando o que é de sua obrigação. Não podemos ter um BC que diz: vou fazer isso porque não importa o resto. O resto importa e não existe política monetária com total independência da política cambial ou fiscal.

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A reforma da Previdência é suficiente para resolver a questão fiscal?

Ninguém disse seriamente que era suficiente. Temos problemas sérios para resolver. Mais sérios ainda vão ficar se Estados e municípios ficarem fora da reforma. Agora, faz muita diferença quando o supremo mandatário do País se envolve ou não no processo de reforma. Há 30 anos, quando fomos derrotados na aprovação da idade mínima, o presidente Fernando Henrique se envolveu totalmente no processo.

Qual seria a economia mínima com a reforma para estabilizar a dívida pública?

Quanto mais tração fiscal ela tiver, melhor. Porque os gastos, na ausência da reforma, estão crescendo de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões por ano. Isso expulsa o conjunto das despesas primárias do governo com saúde, segurança e investimento.

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Qual sua visão sobre as privatizações propostas pelo governo?

É a mesma desde a época em que modificamos capítulos da ordem econômica na Constituição para que setores domésticos e internacionais pudessem participar do esforço de investimento em infraestrutura. Não tínhamos nenhuma motivação política ou ideológica. Simplesmente dizíamos que o Brasil precisava aumentar os investimentos em infraestrutura e não havia a menor possibilidade de o setor público fazê-lo. Foi daí que surgiu a privatização das telecomunicações, que foi um extraordinário serviço prestado a este País.

As negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia começaram quando o sr. era ministro. Por que levou tanto tempo?

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Porque o tema é complexo. Tem interesses conflitantes dentro de cada país. Dentro do Brasil há interesses conflitantes. Lá, são 28 países e o Parlamento Europeu. Vai demorar um tempo ainda, mas do ponto de vista da criação de um clima positivo, de expectativas quanto à nossa capacidade de nos conectar com o mundo, é muito importante. Foi muito positivo, como será positivo o ingresso do Brasil na OCDE.

Qual foi a estratégia de comunicação para conquistar apoio da população ao Plano Real?

O mais importante foi o ministro da Fazenda, à época Fernando Henrique Cardoso, ter deixado claro que o plano de estabilização, ainda sem nome, não traria surpresas de congelamentos de preços, “tablitas”, indexações diferentes de ativos e passivos que marcaram as experiências anteriores. Aprendemos muitas lições com aquelas experiências. Tanto que o Real contou com a imprescindível colaboração de três veteranos do Cruzado: Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha. Eles desempenharam papel admirável e constituíram uma equipe fantástica com Gustavo Franco, Murilo Portugal e outros, no lançamento do Real.

E o plano não foi colocado na rua de uma só vez, não é?

Fomos anunciando aos poucos, à medida que íamos definindo as coisas. Tanto que a primeira entrevista coletiva foi no dia 7 de dezembro de 1993. Divulgamos um texto no qual dizíamos que, em algum momento de 1994, iríamos lançar a Unidade Real de Valor (índice que procurava refletir a variação do poder aquisitivo da moeda, servindo como unidade de conta e referência de valores) durante um período que também queríamos definir. Lançamos a URV em 1.º de fevereiro de 1994.

Para muitas pessoas, uma falha do Real foi não ter atacado os juros. Para outras, a indexação. Qual é sua crítica ao plano?

Tudo são respostas às circunstâncias do momento. O que se impunha ali era o ataque à inflação, que passou de 2.400% em 1993. É hiperinflação em qualquer lugar do mundo. Espero que o Real tenha vindo para ser a definitiva moeda nacional. Tínhamos problemas sérios em bancos privados e públicos. Fizemos intervenções no Banerj e no Banespa. As coisas se impunham naturalmente.

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