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Inflação da energia corrói orçamentos de famílias e deve piorar em 2022

Preços da eletricidade, dos combustíveis e do gás dispararam no último ano, prejudicando tanto o orçamento doméstico, quanto a recuperação das empresas; alta do dólar e do petróleo, junto com a estiagem, explicam quadro atual

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RIO - Essencial no dia a dia de famílias e empresas, um grupo de produtos do setor de energia está corroendo a recuperação da economia. Os preços da energia elétrica, da gasolina e do óleo diesel deram um salto no fim do ano passado e, desde então, não param de subir. Em julho, eles foram os principais responsáveis pela inflação, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), último divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os efeitos são disseminados e afetam, indiscriminadamente, toda população, segundo especialistas. O cenário vislumbrado para 2022 é ainda mais preocupante, acrescentam eles, principalmente diante da crise energética e da perspectiva de reajustes que impactam a conta de luz. 

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“O contágio da alta dos preços da energia elétrica e dos combustíveis é amplo na economia. É difícil de medir, porque muitas variáveis influenciam, como a concorrência e a pressão nos custos. Mas uma certeza nós temos: o impacto é muito maior do que o materializado no orçamento familiar e na inflação”, afirma André Braz, coordenador adjunto do Índice de Preços ao Consumidor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

A energia elétrica é usada pela indústria e também pelas empresas prestadoras de serviço. A indústria automobilística, por exemplo, utiliza muita energia em seus robôs para montar os carros. “Se a energia fica mais cara, a indústria aumenta o seu custo e uma parte disso vai para o preço final. A mesma coisa acontece com o combustível”, afirma Braz. Ele lembra que o óleo diesel movimenta a frota dos caminhões que trazem os produtos para os centros urbanos. O combustível movimenta também os ônibus urbanos, que transportam as pessoas para o trabalho. 

André Luís Silva, que trabalha vendendo quentinhas no Rio, viu lucro diminuir com alta do gás de cozinha. Foto: Wilton Júnior/Estadão

Entre todos os produtos do grupo de energia, a gasolina e o diesel são, atualmente, os grandes vilões de preços, que subiram 39,65% e 36,35%, respectivamente, no período de 12 meses até julho deste ano, segundo o IPCA. Nesse intervalo de tempo, os dois combustíveis se valorizaram mais que o filé mignon (33,56%), considerado um produto de luxo. Já a eletricidade aumentou 20,09%, maior alta desde setembro de 2018. 

"A pressão dos preços desse grupo de produtos funciona como um imposto, porque afeta todo mundo. Por enquanto, há acesso a crédito. As pessoas estão pegando dinheiro emprestado para manter as contas em dia. Mas, no ano que vem, a inadimplência tende a crescer e aí, sim, podemos perder bastante", diz Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)

Na indústria, a alta dos preços, especialmente da energia elétrica, pode comprometer os planos de recuperação após um período crítico em razão da pandemia de covid-19. O setor estava retomando os níveis de produção de 2013, quando foi pego pela crise hídrica e pela alta da tarifa de eletricidade. 

A tarifa de energia está subindo por falta de chuva e da consequente queda dos reservatórios das hidrelétricas. Com isso, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é obrigado a acessar mais térmicas, que produzem uma energia mais. A maior parte dessas térmicas usa como insumo o gás natural e o óleo diesel, valorizados no mercado internacional. Isso significa que, na seca, o mercado brasileiro de energia acabou sendo contaminado pelo aumento dos preços das commodities de energia, que, até então, só afetava os consumidores de combustíveis automotivos.

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“A principal preocupação é o aumento de custos, repassado para o preço dos produtos. Isso diminui a demanda. Por isso, pode afetar a retomada da economia e a recuperação da produção e do emprego industrial”, afirma Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres

Gustavo Cardoso, sócio da fábrica DM Vidros, no interior de São Paulo, conta que já tinha energia contratada a um preço mais baixo para todo o ano de 2021. Mas vai ser obrigado a comprar novo suprimento para o ano que vem, justamente neste momento de sobrevalorização do megawatt-hora (MWh). Na tentativa de conseguir um preço melhor, tem apresentado uma proposta de contratação num prazo maior, até 2025. Mesmo assim, não tem tido muito sucesso nas negociações. 

“Vamos reduzir a margem, porque não conseguimos repassar o aumento de custo para nossos clientes. Tivemos que mudar nossa estratégia no curto prazo. Com o combustível mais caro, fomos obrigados também a priorizar os clientes mais próximos”, afirmou ele. 

Pressionado pela estiagem, valor da eletricidade aumentou 20,09% no período de 12 meses até julho deste ano. Foto: Epitácio Pessoa/Estadão - 12/8/2021

No orçamento das famílias, além da eletricidade e dos combustíveis automotivos, tem pesado o preço do gás de cozinha, que, em algumas cidades, já custa mais de R$ 100. O botijão de gás ficou 29,29% mais caro, no período de 12 meses até julho, segundo o IPCA. Essa é a maior alta registrada desde maio de 2003. Como consequência, está subindo também a inflação do carvão vegetal (6,64%), utilizado por famílias mais pobres para cozinhar, principalmente, quando o preço do botijão de gás sobe.

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A valorização do botijão afeta, por exemplo, trabalhadores que recorreram ao comércio de refeições para sobreviver à crise. André Luís Silva vende quentinhas em calçadas no centro do Rio. Neste ano, começou a perder dinheiro com combustível. Duas vezes por semana, ele pega carona com um amigo para trabalhar. O lucro diminuiu também com a alta do gás de cozinha. “Cheguei a ficar sem trabalhar porque não tinha dinheiro para o comprar o gás. Tive que pegar emprestado com o vizinho para poder fazer dinheiro”, disse Silva. 

Pressões 

As altas dos preços dos produtos derivados de petróleo - gasolina, diesel e gás de cozinha - e da energia elétrica têm motivos diferentes. Os derivados de petróleo começaram a subir no segundo semestre do ano passado, quando a commodity disparou no mercado internacional. A Petrobras repassa essas altas externas às distribuidoras, que, por sua vez, repassam para os postos revendedores e consumidores finais. Além disso, a estatal reajusta seus produtos em dólar, ou seja, quando a moeda americana sobe, em relação ao real, a gasolina e o diesel também ficam mais caros.

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Essa política de preços adotada pela petrolífera, batizada de Política de Paridade de Importação (PPI), por seguir a mesma lógica dos importadores, foi adotada em 2016. Desde então, varia apenas o período de alinhamento dos mercados interno e externo, de acordo com a vontade dos gestores da companhia. Num primeiro momento, os reajustes aconteciam em poucos dias. Esse foi o motivo da greve histórica dos caminhoneiros, em maio de 2016. No início deste ano, as revisões de preços chegaram a ser semanais, o que gerou um embate entre o ex-presidente da empresa Roberto Castello Branco e o presidente da República, Jair Bolsonaro.

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Agora, com o general Joaquim Silva e Luna à frente da estatal, os intervalos de reajustes estão maiores, mas isso não significa que os combustíveis vão deixar de encarecer quando o petróleo e o dólar subirem.

Para os próximos meses, a tendência é que os combustíveis e o gás de cozinha até deem um alívio, por conta da estabilização do preço do petróleo no mercado internacional, diz o coordenador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás Natural (Ineep), Rodrigo Leão. Em contrapartida, a tarifa de eletricidade não deve cair tão cedo. "A perspectiva é que o governo continue acessando as térmicas, mais caras. Com o gás natural, usado como insumo de muitas usinas, subindo no mercado internacional, a tendência é de aumento da tarifa da energia, sem perspectiva de queda no curto prazo", afirma Leão.

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