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Inflação do motorista chega a 17% em 12 meses

Pandemia, com desarranjo das cadeias globais de produção, impacta nos preços, e guerra na Ucrânia trará pressão adicional

Por Daniela Amorim (Broadcast) e Vinicius Neder
Atualização:

RIO - Com o desarranjo das cadeias globais de produção em meio à pandemia, a inflação ao motorista acumulou uma alta de 17,03% nos 12 meses encerrados em março, segundo cálculos feitos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) a pedido do Estadão/Broadcast, com dados do Índice de Preços ao Consumidor-10 (IPC-10). A cesta inclui preços de veículos, combustíveis, peças, serviços correlatos e tarifas públicas como multas e licenciamento. E a guerra na Ucrânia acrescenta uma pressão adicional nas cotações do petróleo: caso nada mais aumente em abril, apenas o reajuste de combustíveis feito em março pela Petrobras elevará essa taxa para 22,08%.

“Combustível é o foco [da inflação em abril], mas com a retomada das atividades pós-pandemia, a gente pode ver novos reajustes em serviços que estavam meio congelados, como oficina, por exemplo, que podem também ajudar a pressionar por esse lado”, previu Matheus Peçanha, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV). 

Além dos combustíveis, inflação ao motorista inclui preços de veículos, peças, serviços e tarifas;retomada pós-pandemia pode trazer reajustes em vários serviços. Foto: Denis Ferreira Netto/Estadão - 10/3/2022

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No lado dos produtos, os dados mais recentes do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referentes a fevereiro, mostram que os automóveis novos já acumulam uma alta de 22,94% em 18 meses de aumentos consecutivos, apurou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Movimento semelhante ocorre em automóveis usados e motocicletas. A explicação por trás é exatamente a mesma, o setor automotivo tem sido um dos mais impactados pelo desarranjo das cadeias produtivas que se iniciou com a pandemia. Teve uma alta muito grande no preço dos insumos”, justificou Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE, à época da divulgação dos números.

O automóvel usado já sobe há 20 meses, com alta acumulada de 22,66%. As motocicletas sobem há 15 meses seguidos e já ficaram 17,72% mais caras no período. Outros serviços correlacionados também aumentaram de preço, como seguro voluntário, emplacamento e conserto.

Graças à demanda aquecida, o setor automotivo é o único entre os dez que integram o comércio varejista ampliado que tem conseguido repassar ao consumidor quase que integralmente a elevação de preços dos produtos na porta de fábrica, conforme levantamento do economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Nos 12 meses terminados em janeiro de 2022, os preços de produtos da indústria automotiva ficaram 17% mais caros na porta de fábrica. No varejo, a alta de preços ao consumidor nas lojas de veículos e motos, partes e peças foi de 16,5%. Isso significa que 96,8% do aumento de custos do atacado foram repassados ao cliente final, calculou Bentes.

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“O setor está tentando retomar a margem de lucro que perdeu durante o período mais crítico da pandemia”, avaliou Bentes. “O repasse chega a 100% em dezembro de 2021, na verdade os preços no varejo até sobem mais do que no atacado em dezembro. O varejo encontrou esse espaço para repasse de alta de custos a partir da segunda metade de 2020”, completou.

A indústria automobilística foi afetada pelo desarranjo das cadeias produtivas e falta de insumos, mas também pelo aumento de custos de matérias-primas e de energia, apontou André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Ibre/FGV. Ele lembra que a linha de produção do setor é muito intensiva no uso de energia, então não consegue deixar de repassar para os preços “uma conta de energia mais cara”, por exemplo.

“Se a indústria automobilística não conseguia atender o mercado, isso ajudou a aquecer o mercado de usados. Os automóveis novos subiram tanto quando os usados. Se não tinha peça, o carro fica mais escasso, isso provoca um choque de oferta. Os carros que estão disponíveis sobem mais rápido de preço. Então tem uma pressão de inflação de custos, porque a energia ficou cara, as peças e acessórios também. Tem um choque de oferta, porque não tinha peça para montar os carros na velocidade que atendia à demanda. Tem também uma demanda mais aquecida que não conseguia ser satisfeita pelo volume produzido”, enumerou André Braz, da FGV.

Para Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a inflação dos carros, novos e usados, é uma “coisa completamente nova”, resultado da crise causada pela covid-19. Assim como a maioria dos bens duráveis e produtos industriais em geral, os veículos passaram duas décadas com preços comportados, subindo abaixo da inflação média da economia.

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De tão atípico, o fenômeno fez, em alguns meses, os preços de carros usados subirem mais do que os dos novos – como os carros estão entre os mais caros bens duráveis, o setor tem um dinâmico mercado secundário, ou seja, a negociação de carros usados. Tradicionalmente, os usados desvalorizam ano a ano, usando sempre o preço dos veículos novos como referência. Os problemas causados pela pandemia bagunçaram também essa relação, disse Moreira.

“Os mercados de novos e usados têm uma correlação muito grande. Sempre vai existir a correlação. O que aconteceu é um aumento de preços geral e a restrição de oferta, que bagunçou essa relação. Em alguns momentos, o usado ficou mais caro do que o novo”, lembrou Moreira. 

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