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'Inflação no Brasil deve levar 2 anos para voltar à meta', diz Ilan Goldfajn, ex-presidente do BC

Para o economista, no meio desse caminho, haverá desaceleração da atividade econômica, provavelmente com recessão no ano que vem

Por Simone Cavalcanti
Atualização:

O Banco Central terá um trabalho de ao menos dois anos para conseguir fazer a inflação voltar à meta no Brasil, na avaliação do atual presidente do conselho do Credit Suisse no País e ex-presidente do BC, Ilan Goldfajn. Para ele, no meio desse caminho, haverá uma desaceleração relevante da atividade econômica, provavelmente uma recessão no ano que vem. 

O ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn;inflação atual é, em boa parte, resultado de "muito esforço doméstico" para gerar incertezas. Foto: Marcelo Pereira/Fotoka/Cresdit Suisse - 1/9/2020

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"Se pudermos ter um câmbio estável no ano que vem, ajudará na inflexão. E seria ideal ter uma resolução fiscal melhor, mas não estamos vendo isso acontecer", ressalta. Ele acredita que o quadro inflacionário atual é, em boa parte, resultado de "muito esforço doméstico" para gerar incertezas. "Passamos os últimos dois anos com incertezas fiscais, econômicas, políticas e institucionais. Um dia a conta vem", diz Ilan ao Estadão/Broadcast. Leia a seguir a entrevista.

Recentemente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu que a inflação no Brasil está disseminada e que o trabalho da autoridade monetária pode ser mais difícil do que o previsto. Qual a sua avaliação?

De fato, a inflação no Brasil está chegando, em 12 meses, em quase 11%. É uma questão relevante, um trabalho duro. A inflação ficou muito tempo em torno das metas, uma situação mais confortável, mas agora, infelizmente, voltou para quase 11%. Eu acho que o trabalho à frente do BC será longo, de uns dois anos, para fazer a inflação ir caindo ao longo do tempo. E se torna muito mais difícil pela ausência de uma percepção de uma âncora fiscal mais definida, como quando tinha o teto. Temos uma inflação global maior também e temos cenários políticos mais polarizados no ano que vem. Vejo à frente um trabalho duro, de pelo menos dois anos, e que tem vários elementos externos que dificultam. Quanto de juros vai precisar, é preciso ver. Acho que até o começo - e ao longo - do ano que vem, o juro vai estar mais lá em cima, ficar um tempo parado, para só depois começar a cair.

E esse cenário está ligado mais a questões internas, agravadas ano que vem pela eleição, ou por questões externas?

Quase sempre é uma combinação de externo e interno. Parte da inflação é externa e outra que criamos nós mesmos. Tem a contribuição dos dois lados. Se a inflação global ceder, ajuda, mas ainda teremos nossa parte aqui para lidar. Eu não acho que a nossa inflação é apenas consequência de uma inflação global externa. Acho que tem uma combinação. É difícil saber o peso exatamente.

Campos Neto disse que o Brasil vive o que ele chamou de 'momento único', com inflação interna e ainda importando inflação global.

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Tivemos ao longo dos últimos tempos um cenário internacional relativamente benigno, com inflação controlada e juros muito baixos no mundo. E isso ajudou o Brasil a reduzir a inflação e a taxa de juros. Mas, como se sabe, já tivemos inflação de 11%, no comecinho de 2016, e juros de 14,25%, em um contexto de inflação internacional zero e juro negativo. Então, a gente consegue trazer a inflação para cima por nós mesmos. Mas é claro que, quando o cenário internacional é benigno, é muito melhor. Só que, a medida em que o cenário internacional for ficando mais difícil, vai tornar nossa vida aqui também mais difícil.

Quando os Estados Unidos começarem seu processo de elevação dos juros, como fica a política monetária no Brasil?

Fica mais apertada, porque o que acontece normalmente é que uma subida de juros americanos é um atrator de fundos para os Estados Unidos. Além disso, costuma levar a um fortalecimento do dólar e a um enfraquecimento das moedas do mundo em relação ao dólar. O câmbio depreciado nas economias emergentes pressiona a inflação e, portanto, pressiona a política monetária.

Se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) iniciar a alta dos juros por lá no ano que vem, pode culminar com um período turbulento de eleições no Brasil, quando o câmbio já sobe tradicionalmente.

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O ano que vem vai ser desafiador. Não vai ser fácil, porque vamos ter o cenário internacional mais difícil. Pode ser que tenhamos uma subida da taxa de juros americana, não está definido ainda. Uma das perguntas mais relevantes na economia global é se a inflação internacional é algo que vai começar a ceder no ano que vem ou vai continuar a subir. O cenário em que a inflação vai continuar subindo e os juros vão começar a ser elevados de forma mais importante nos Estados Unidos torna o ano de 2022 mais desafiador. Domesticamente, teremos não só um ano eleitoral, que costuma ser mais volátil, como as campanhas que tendem a ter promessas que levam a dúvidas. Entramos no ano que vem com esse contexto internacional e não sabendo se a âncora fiscal vai ser ou não o teto de gastos, precisando derrubar a inflação. Então, o ano será de combate à inflação, indefinição fiscal, cenário eleitoral e com a chance de ter juros subindo no mundo.

O IPCA-15 de novembro, que ficou em 1,17%, mostrou um recuo em relação ao mês anterior, mas analistas indicam que há uma disseminação grande. Quais as condições para a inflexão?

Estamos com uma inflação muito alta no Brasil e gostaríamos de ver alguma inflexão mais para frente. Para isso, são necessárias algumas condições. Primeiro, o Banco Central já está reagindo, mas, infelizmente, a economia vai desacelerar. Se pudermos ter um câmbio estável no ano que vem, ajudará na inflexão. E seria ideal ter uma resolução fiscal melhor, mas não estamos vendo isso acontecer. Então, vamos ter um período longo de combate à inflação, uma desaceleração relevante da atividade, provavelmente uma recessão no ano que vem. Isso por causa do combate que precisa ser travado, das incertezas, do cenário internacional. Há todas as condições para baixar, mas não será algo imediato.

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A inflação encontra no Brasil um terreno fértil, germinando rapidamente?

Temos claramente nosso histórico inflacionário, nossos riscos, mas eu não acho que tenhamos um "fertilizante" aqui. O que a gente tem é muito esforço para gerar incertezas. Passamos os últimos dois anos com incertezas fiscais, econômicas, políticas e institucionais. Um dia a conta vem. Houve conflito entre o governo federal e o Congresso nos primeiros dois anos. Depois, muitos ruídos no combate à pandemia, conflitos institucionais. Passamos este ano discutindo se o debate seguirá sendo nas "quatro linhas". Houve manifesto a favor da democracia. Tudo isso é muita incerteza para um país e um dia a conta chega. Então, quando você pergunta se a inflação é disseminada, digo não. Nós é que fizemos muito ruído e muito esforço para gerar esta incerteza que fez com que a inflação subisse.

E esses ruídos afetaram diretamente o câmbio.

Há vários canais de transmissão e um deles é o câmbio. O câmbio deveria ter apreciado com a alta das commodities e isso não aconteceu. Outra coisa: as expectativas de inflação são ruins quando não se sabe o que vai acontecer no futuro. Então, não há nada estrutural de ruim no Brasil para a inflação. O que tem é muito esforço para o lado negativo para fazer a inflação subir.

E sobre quando diz que o câmbio poderia ficar mais estável para dar uma ajuda ao Banco Central?

Vai depender do cenário internacional. Pode haver um cenário internacional mais benigno, no qual a inflação externa tenha mesmo sido um efeito da pandemia, que subiu e depois caiu, e um cenário eleitoral, aqui, não muito ruidoso. Aí, o dólar não fortalece e ajuda a gente.

Estritamente do ponto de vista fiscal, o que efetivamente pode ajudar o Banco Central?

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O Brasil tem um problema que ainda não conseguiu resolver: como vai organizar suas contas públicas. Quer gastar mais do que tem financiamento. Ou seja, não queremos o financiamento pela inflação, queremos que a inflação caia e, não, suba. Não queremos ter maior carga tributária, desde a votação da CPMF lá atrás, isso ficou claro. E, para financiar via dívida, fica difícil, porque é preciso haver uma percepção de que a dívida não vai seguir subindo. Então é preciso uma âncora fiscal, um teto ou alguma coisa assim. Como não temos uma definição clara de onde queremos gastar, gastamos em tudo: no social, na saúde, na educação, no funcionalismo público, nos aposentados, nas emendas, nos subsídios. E ainda seguimos pedindo. Há uma percepção cultural de que o Estado nos deve. Para ajudar o Banco Central é preciso, politicamente, tomar decisões sobre o que vai financiar tudo isso. Economicamente significa dar ao BC uma decisão da sociedade do que quer fazer, onde quer gastar e como quer financiar. Não se quer o teto de gastos, tudo bem, mas qual vai ser o limite? O que não funciona é não ter restrição porque, aí, a inflação acaba sendo empurrada como a solução na ausência de outras. Nesse cenário, o Banco Central não vai conseguir controlar [a inflação] porque o fiscal vai puxando para o outro lado.

No ano em que foi aprovada a independência do Banco Central, o efeito sobre a política monetária foi nulo?

A autonomia e a independência do Banco Central, tanto de jure quanto de facto, ajudam para que a condição não seja muito pior. Sem âncora fiscal, com esses ruídos todos, um ano eleitoral polarizado e frente ao cenário externo, a situação seria pior se não tivesse um BC que todo mundo acha que está reagindo, que está podendo subir os juros e que vai tentar controlar a inflação. O problema é que não resolve tudo sozinho.

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