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Inflação nos EUA ficará alta por mais tempo do que o previsto, diz ex-economista-chefe do FMI

Para Raghuram Rajan, BC americano deve apertar o programa de compra de ativos apenas no fim deste ano e subir os juros no término de 2022; ele diz ainda que mercado de trabalho dos EUA tem pouco espaço para crescer

Por Ricardo Leopoldo
Atualização:

A inflação nos Estados Unidos ficará alta por tempo mais longo do que o previsto pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), sendo que um dos seus principais componentes é o mercado de trabalho, que já está bem apertado, diz em entrevista exclusiva Raghuram Rajan, professor da Universidade de Chicago, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-presidente do banco central da Índia. "Há dois indicadores que são muito fortes. Um deles é a abertura de novas vagas de trabalho que estão pelo menos no recorde dos últimos 20 anos. Também está muito elevado o número de pessoas que deixam seus empregos de forma espontânea."

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Para Rajan, o Fed fez uma aposta de que a elevação da inflação no país será temporária e deve apenas intensificar a indicação da redução do programa de compra de ativos em outubro, iniciando-a no fim do ano. Como ele acredita que esse processo, conhecido como tapering, deve durar cerca de um ano, o banco central americano terá condições de subir os juros no término de 2022.

O acadêmico considera que Jerome Powell é o favorito para presidir o Fed em 2022, mas decisões políticas podem vetar sua recondução, em meio a ponderações de que ele não é um "falcão de regulações" sobre os bancos. Raghuram Rajan acredita que o Congresso em Washington aprovará 2 planos de investimentos defendidos pelo presidente dos EUA, Joe Biden, mas o montante total não deve superar US$ 2,5 trilhões. Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista.

'Inflação não deverá ir rapidamente para níveis baixos', diz Raghuram Rajan. Foto: Adnan Abidi/Reuters - 7/72016

Qual é a avaliação do senhor em relação à postura do Federal Reserve sobre o tapering?

As autoridades do Fed têm ressaltado que há grande probabilidade de que seja transitório o patamar de inflação que estamos observando atualmente. O mercado de trabalho nos EUA já está bem apertado e quando a economia do país abrir plenamente muitas pessoas voltarão a procurar empregos, inclusive porque vários benefícios para americanos desempregados serão encerrados em setembro. A aposta do Fed é a de que a inflação baixará e voltará para um nível razoável. Mas é claro que eles sabem que podem estar errados. Os dirigentes do Federal Reserve vem dizendo que se o mercado de trabalho continuar se fortalecendo talvez deveriam começar o tapering mais cedo. Eu diria que no momento o Fed está protegendo suas apostas.

O Federal Reserve está correto ao considerar a alta da inflação transitória?

Há três fontes de incertezas. Uma é a pandemia e o que poderá ocorrer com ela. O segundo fator é a evolução da vacinação. O terceiro elemento são os estímulos fiscais. O Congresso debate o tamanho destes incentivos, com um pacote de investimentos em infraestrutura e um outro plano de investimentos de US$ 3,5 trilhões para famílias. Este seria um pacote cujos recursos seriam distribuídos em 10 anos. Vamos pensar que metade deste valor são estímulos puros do Tesouro, sem ter uma fonte que pagará por eles. O montante total seria US$ 1,75 trilhão, que em uma década representaria US$ 175 bilhões por ano, um montante bem grande para uma economia que já tem muitos incentivos. Se este plano for aprovado com um valor bem alto, haverá um imenso apoio à demanda e levará o Fed a ficar provavelmente atrás da curva. Caso o pacote não fique tão grande e as negociações fracassem, no contexto da expansão da variante Delta pelo país, haverá perda da confiança do consumidor, pois não virá apoio do governo à retomada do nível de atividade. Tal movimento poderá levar a inflação para o outro lado, mostrando que o Fed está correto porque é transitória.

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A ata da reunião de julho do Fed apontou que várias autoridades continuam bem preocupadas com a retomada do mercado de trabalho nos EUA. Como o senhor analisa esta questão, dado que a taxa de desemprego atingiu 5,4% em julho?

Sim, a taxa de desemprego atingiu 5,4%, mas há três anos esse patamar era considerado pleno emprego nos EUA. A taxa alcançou 3,5% em fevereiro de 2020, antes do surgimento da pandemia, que agora é a nova estimativa para o pleno emprego. Há dois indicadores que são muito fortes. Um deles é a abertura de novas vagas de trabalho que estão pelo menos no recorde dos últimos 20 anos. Também está muito elevado o número de pessoas que deixam seus empregos de forma espontânea. Os cidadãos deixam os empregos quando estão confiantes que encontrarão outros empregos mais interessantes. O custo unitário do trabalho e os salários também estão aumentando. Muitos americanos também simplesmente podem ter se aposentado. Tudo isto indica que o mercado de trabalho está bem apertado e tem menos espaço para avançar do que o imaginado. Assim, é um erro pensar que é possível aumentar muito a geração de empregos.

Quais seriam suas estimativas para o núcleo do PCE no final deste ano e de 2022? O senhor acredita que o indicador atingirá 2,1% no final do próximo ano como estima o Fed?

Eu suspeito que a inflação ficará alta por um tempo mais prolongado do que o previsto pelo Fed. Não deverá ir rapidamente para níveis baixos, terá mais persistência do que pensamos. Mas há diversas incertezas. Por esta razão não tenho estimativas para o desempenho da inflação. Quanto à projeção do Fed para o núcleo do PCE [Índice de Preços para Despesas com Consumo Pessoal, indicador de inflação utilizado pelo BC americano] em 2022, eu acredito que provavelmente o risco é de ficar mais elevada.

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Na avaliação do senhor, quando o Fed iniciará o tapering e quando começará o ciclo de alta de juros?

Entre os fatores que o Fed está observando para adotar uma decisão sobre o tapering [redução do programa de compra de ativos], um deles é o comportamento do mercado de trabalho. Se forem criadas entre 800 mil e 900 mil de modo seguido nos próximos dois meses, o Fed estará no caminho para iniciar o tapering. Eu não acredito que o Federal Reserve anunciará nada nesta semana no simpósio de Jackson Hole, pois deve esperar um pouco mais para analisar dados econômicos. Talvez em outubro começará a falar de forma bem mais intensa sobre o tapering. O Federal Reserve não deve subir os juros até que pare totalmente de comprar ativos financeiros, uma aquisição mensal de US$ 120 bilhões. Se o Fed reduzir as compras em US$ 10 bilhões por mês, o processo poderá terminar em um ano. Eu acredito que o Fed planeja que no final de 2022 estará numa posição que permitirá começar a subir os juros. O tapering começaria no final de 2021 e a alta de juros ocorreria no encerramento do próximo ano.

Vamos considerar que seu cenário sobre a inflação mais persistente será confirmado e no começo de 2022 o presidente dos EUA, Joe Biden, escolherá o próximo presidente do Federal Reserve. O senhor acredita que nestas condições as chances de Jerome Powell ser reconduzido ao cargo seriam abaladas ou mesmo assim ele continuaria como o principal favorito para o posto?

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O presidente Powell faz um trabalho muito bom diante das circunstâncias. Dado a história do Fed, onde os presidentes são reconduzidos desde que tenham um desempenho razoável, minha percepção é de que ele é o favorito. Uma razão pela qual Powell não seria reconduzido não seria por causa do seu desempenho para controlar a inflação ou devido a questões relativas a regulamentações financeiras, mas pela opinião política de que ele não é um falcão para regulações sobre os bancos.

Neste contexto, Lael Brainard, uma dirigente do Fed que é democrata e favorável ao aperto de regulações financeiras, seria a favorita para presidir o Fed no próximo ano?

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Se o principal critério de nomeação for o desempenho, inclusive sobre a inflação, Powell realiza o melhor trabalho que é possível nas atuais condições. Sobre Brainard ser indicada, depende. Ela é uma dirigente do Fed muito capaz. Eu tenho sempre grande simpatia pelo lado das regulações financeiras. Há o risco nos bons tempos da economia de desregulamentar demais, o que pode nos levar a ficar atrás da curva quando os tempos ruins surgem. Se um fator pode vencer a tradição do Fed é a política, o que não é possível prever.

O Congresso analisa dois planos de investimentos, um de infraestrutura, no valor de US$ 1,2 trilhão que já foi aprovado pelo Senado, e outro de investimentos de US$ 3,5 trilhões em educação, saúde e combate a mudanças climáticas. Qual é a avaliação do senhor sobre o montante total que será aprovado pelos parlamentares?

O pacote de US$ 3,5 trilhões engloba recursos que foram cortados do plano de investimentos de infraestrutura. Eu penso que há um número de senadores moderados que estão ficando desconfortáveis com o nível de gastos fiscais quando a economia dos EUA está indo bem. É preciso verificar a qualidade das despesas. Em outros pacotes anteriores ocorreram fraudes, como foi registrado na Califórnia envolvendo dezenas de bilhões de dólares em auxílio-desemprego. Há uma grande preocupação que US$ 3,5 trilhões é muito dinheiro. Eu penso que os moderados vão baixar este número. Sobre o plano de US$ 1,2 trilhão em infraestrutura, ele agora precisa ser aprovado pela Câmara dos Representantes. Os progressistas do partido democrata estão segurando a votação deste projeto, pois defendem que ele deve ser aceito junto com a aprovação do plano de US$ 3,5 trilhões, pois dizem se não for assim, nenhum dos dois será aprovado. Os moderados dizem que os progressistas precisam aprovar primeiro o plano de infraestrutura para depois os legisladores de centro aprovarem o projeto de US$ 3,5 trilhões. O que ocorre é uma briga interna no partido democrata. Eu presumo que vão negociar e firmar um acordo que poderá atingir um total dos dois pacotes aprovados pelo Congresso não superior a US$ 2,5 trilhões. Mas é uma estimativa aproximada.

Com este cenário para os estímulos fiscais e política monetária, quanto deve ser o crescimento dos EUA neste ano e no próximo?

O crescimento dos EUA deverá ficar ao redor de 6,5% neste ano e deve reduzir o ritmo em 2022, quando deve avançar 4%.

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