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'Inflação verde' vira foco de preocupação dos economistas com adoção de agenda sustentável

Monitorada na Europa e nos Estados Unidos - e também na mira de Roberto Campos Neto -, inflação é resultado da regulamentação ambiental mais rígida ou dos modos de consumo e produção mais conscientes

Foto do author Célia Froufe
Por Célia Froufe
Atualização:

BRASÍLIA - Expressão “importada” pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a 'greenflation' (inflação verde em inglês) já está no radar de autoridades e economistas da Europa e dos Estados Unidos há algum tempo. Para instituições financeiras do Brasil e do exterior, essa pressão veio para ficar e é um mal necessário, principalmente depois do alerta feito pelas Nações Unidas de que as mudanças climáticas estão saindo do controle.

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A greenflation seria a consequência do aumento dos preços trazidos por uma nova forma de produção e demanda. Trata-se de uma elevação causada por regulamentação ambiental mais rígida ou de modo de consumo mais consciente e que interfere nos preços de uma gama bem ampla de serviços e bens, desde transporte marítimo e produção de papelão até a troca de vegetais “tradicionais” por orgânicos, geralmente mais caros.

Campos Neto abordou o termo em suas últimas apresentações e citou os casos das cadeias de alumínio e madeira, que, para se tornarem mais sustentáveis, estão sujeitas a uma elevação de custos. "A agenda de sustentabilidade tem implicações econômicas", avisou. Recentemente, a gestora de investimentos americana Pimco ressaltou que há também um movimento de pressão sobre os preços causado pelo fechamento de atividades ultrapassadas, com destaque para as poluentes fundições chinesas.

Nos últimos discursos, Roberto Campos Neto tem alertado para o problema da 'inflação verde'. Foto: Amanda Perobelli/Reuters - 8/8/2019

A implantação do ESG (sigla em inglês para padrões ligados ao meio ambiente, área social e governança) pelas empresas e a determinação dos investidores de todo o mundo em buscar "ativos limpos" levam a crer que a greenflation já é uma tendência. A alta dos preços, segundo alguns especialistas, está ligada a problemas de oferta e demanda que surgiram como uma consequência da pandemia de coronavírus.

Analistas do Bank of America (BofA) mediram as referências da palavra “inflação” durante a mais recente divulgação de balanço das companhias que compõem os índices acionários americano S&P 500 e europeu Stoxx 600: uma estrondosa elevação de 1000%e 400%, respectivamente.

A economista-chefe da Panamby Capital Gestora de Recursos, Tatiana Pinheiro, ressaltou que não há dúvidas no mercado de que existe um custo nessa agenda sustentável, e que a aplicação de ESG pelas empresas está aumentando a demanda nos países mais ricos. “Apesar de atrasados no combate às mudanças climáticas, estamos muito no começo dessa história e vai demorar para que o efeito sobre inflação se dilua”, disse. “Vamos conviver com o greenflation por muito tempo”, previu.

A equipe do Morgan Stanley calculou que os preços das licenças de emissão de carbono mais do que dobraram em 2021, o que teria sido a causa do aumento dos preços da eletricidade no varejo na zona do euro em 8% até junho. Em janeiro, o banco já trazia o assunto para seus clientes. “Acreditamos que regras fiscais mais flexíveis ou ação convencional do Banco Central Europeu (BCE) para reflacionar a Europa são menos prováveis, mas vemos um potencial de 40 pontos-base de uma Alemanha mais verde e do New Deal Verde”, escreveram os economistas há mais de seis meses.

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Transição prolongada

Ainda engatinhando, a transição para um futuro mais verde deve ser mais prolongada do que foram os impactos da pandemia de covid-19. Se essas ações começam a pressionar a inflação, também geram investimentos, que, por sua vez, criam riqueza para os países. E atrasos em ações para tentar mitigar as mudanças climáticas podem sair mais caros.

Há seis anos, o Fórum Econômico Mundial de Davos tentou medir o impacto desse adiamento com base em 16 estudos. De acordo com o trabalho, o custo de atingir uma determinada meta ambiental aumentaria em cerca de 40% por década. Uma demora resultaria em um aquecimento de 3° Celsius acima dos níveis pré-industriais, o que poderia aumentar os danos econômicos em 0,9% da produção global anual.

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A inflação pode até ser nova, mas é velha conhecida a forma com que se dilui na cadeia de produção e consumo. A Royal London Asset Management, empresa de gerenciamento de investimentos sediada no Reino Unido, lembrou que essa elevação significa prejuízo que recai sobre as margens das empresas ou, quando repassada, inflação ao consumidor. Por isso, há muitos profissionais que acreditam num rearranjo de valor das companhias no mercado de ações.

Uma pressão inflacionária também surge como uma novidade, principalmente para os bancos centrais do Hemisfério Norte, que passaram boa parte das últimas décadas implantando medidas para conter a baixa dos preços. Vale lembrar que, pouco antes da pandemia de coronavírus, o grande debate nas grandes economias era sobre o temor de uma japoneisação (uma inflação permanentemente baixa) disseminada entre os países mais ricos. O surto levou a algumas mudanças de atitude nas políticas monetária (medidas para o controle da inflação) e fiscal (pacotes de ajuda econômica), também considerando a urgência climática. “Vai ficar mais caro, mas a situação ambiental realmente é drástica, e não estamos mais com tempo”, diz Tatiana.

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