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'Insistimos que Brasil não deixe PL da grilagem passar', diz CEO do Storebrand Asset Management

Jan Erik Saugestad disse que, além do aumento do desmatamento, uma das maiores preocupações dos investidores estrangeiros é em relação à aprovação do Projeto de Lei 2.633/2020

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Por Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

LONDRES — Coletor das assinaturas de 30 instituições financeiras que querem falar diretamente com o governo para que seja mais enérgico em relação às questões ligadas à produção na Amazônia, Jan Erik Saugestad, CEO do Storebrand Asset Management, um grupo norueguês que gerencia US$ 80 bilhões, disse que além do aumento do desmatamento, uma das maiores preocupações dos investidores estrangeiros é em relação à aprovação do Projeto de Lei 2.633/2020, conhecido como o "PL da grilagem". "Fortemente insistimos ao governo que não deixe esse projeto passar da forma como está", afirmou ele em entrevista por vídeo ao Broadcast.

Jan Erik Saugestad, CEO do Storebrand Asset Management, um grupo norueguêsque gerencia US$ 80 bilhões Foto: Irene S. Lunde / Storebrand

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Para o executivo, essa é a parte que falta para os investidores ficarem ainda mais reticentes com o Brasil. Inicialmente, ele reuniu 29 instituições que somavam US$ 3,75 trilhões em ativos no total para pedir reuniões com representantes do governo brasileiro. Agora, esse volume já ultrapassou a marca de US$ 4,1 trilhões e o documento segue em aberto para mais adesões. Há uma ameaça implícita no documento de deixarem de investir no País se questões ligadas ao meio ambiente não forem freadas. ?Claro que será muito negativo se esse projeto passar porque legaliza a ocupação e encoraja mais o desmatamento?, disse.

Perguntado sobre se vê deturpação das notícias que chegam ao exterior sobre o Brasil, como argumenta o presidente Jair Bolsonaro, Saugestad afirmou que conta com informações de várias frentes sobre o País. ?Há evidência suficiente sobre o desmatamento, sobre o seu crescimento nos últimos anos, de que se está indo pelo caminho errado, então nos sentimos bastante confortáveis de que este é o caso e que é preciso regulação para proteger a floresta tropical?, afirmou. A empreitada do setor financeiro europeu agora se segue a duas ações semelhantes já tomadas no passado pelo varejo. Leia abaixo a entrevista:

Broadcast - Por que o senhor decidiu formar o grupo e mandar a carta ao governo brasileiro?

Jan Erik Saugestad - As instituições financeiras e os investidores que se juntaram a nós estão profundamente preocupados com o aumento do desmatamento no Brasil visto no ano passado. Trabalhamos com interesse de longo prazo e, por isso, sabemos que proteger as florestas tropicais é importante não apenas por causa da mudança climática, mas porque temos que estar apoiados em uma economia sustentável.

Broadcast - E a pandemia de covid-19 deixou isso mais claro, eu imagino.

Saugestad - Uma recuperação sustentável da economia a partir da covid-19 inclui uma dimensão social, isso é importante. Normalmente, tendemos a nos engajar diretamente com as empresas, como o esforço feito no ano passado para combater o desmatamento com o apoio de mais de 250 instituições financeiras à iniciativa. Temos iniciativas em andamento que cobrem a produção de soja e gado. Mas é o governo que faz as políticas e o arcabouço regulatório com as quais as companhias trabalham. Então, para nós que investimos em empresas, também é importante que as políticas sejam previsíveis e alinhadas com o que acreditamos ser um desenvolvimento sustentável. Desta vez, decidimos não fazer isso de forma indireta com as companhias, mas, sim, de forma direta com perguntas, num diálogo direto com o governo.

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Broadcast - Essa estratégia está sendo adotada apenas em relação ao Brasil ou há outros países também no foco?

Saugestad - No nosso trabalho de engajamento sempre buscamos trabalhar com governos, empresas e o capital. Para obtermos sucesso, precisamos que estas forças trabalhem juntas e na direção certa. Normalmente, trabalhamos com os governos mais indiretamente, mas esta é uma questão que está em ascensão e há desafio dos governos em outras áreas, como a taxa de emissão de carbono, a regulação para carvão, apenas para mencionar algumas.

Broadcast - Gostaria de confirmar se o volume administrado por esses fundos que assinam a carta é de US$ 3,75 trilhões e saber que parte dele está alocada no Brasil.

Saugestad - Sobre o Brasil... adoraria ter esse número, mas não tenho.... Até porque, desde que fizemos o anúncio, outros investidores quiseram fazer parte dele - e ainda está aberto - e agora temos mais de US$ 4,1 trilhões.

Broadcast - Mas ter esse número do investimento no Brasil não seria uma arma importante de convencimento? Não poderia servir como um choque para o governo já que dizem que podem deixar o País?

Saugestad - Mas não tenho... Na iniciativa feita no ano passado, como te disse antes, alcançamos US$ 17 trilhões de capital.

Broadcast - Algumas pessoas avaliam que pode ser um blefe dos investidores dizerem que vão sair do Brasil. O que o senhor diria para essas pessoas?

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Saugestad - Assim como escrevemos na carta, gostaríamos de permanecer com os investimentos no Brasil. É muito bem-vindo o desenvolvimento econômico, mas é preciso proteger o meio ambiente. Não acreditamos que essas coisas sejam excludentes, e temos um dever fiduciário.

Broadcast - O presidente Bolsonaro sempre diz que a imagem do Brasil não é boa no exterior porque as notícias são distorcidas. O senhor acredita que está bem informado sobre o País? O senhor considera que conhece o Brasil o suficiente para tomar essa decisão?

Saugestad - Claro que sempre podemos aprender mais e há sempre muitas incertezas em tentar prever o futuro. Mas há evidência suficiente sobre o desmatamento, sobre o seu crescimento nos últimos anos, de que se está indo pelo caminho errado, então nos sentimos bastante confortáveis de que este é o caso e que é preciso regulação para proteger a floresta tropical. Há muitos sinais, alertas de especialistas em quem confiamos. Por exemplo: uma das consequências da covid-19 é que a estimativa de emissão de gases CO2 no mundo deve ter caído cerca de 7% e, no Brasil, a estimativa é de aumento de 20% este ano por causa do desmatamento.

Broadcast - Hoje em dia, muitas companhias já usam o padrão internacional de ESG. Esta não seria a melhor forma de o setor financeiro escolher em qual empresa investir ou não em termos ambientais?

Saugestad - Se você olhar os investimentos sustentáveis e o investimento ESG, é preciso ver as três dimensões. Você vai querer investir mais em companhias que têm soluções, produtos, serviços que estão mudando sua atuação para a direção correta. Essa é uma megatendência e o mercado produz essas companhias que são altamente atrativas. A segunda perna do investimento sustentável é de empresas que estão envolvidas em práticas que o risco de investir nelas é muito elevado, e estas são as companhias que basicamente excluímos. E temos, então, a maioria das empresas, que estão buscando melhorar suas operações. Claro que algumas vão se desenvolver bem, outras vão se recusar a progredir e, eventualmente, vão se transformar em empresas de alto risco.

Broadcast - Acho que o foco agora do investidor estrangeiro está no PL da Grilagem, que está para ser votado no Congresso. Se for aprovado, o risco de investidores estrangeiros saírem do Brasil é maior?

Saugestad - Acho que esta é a parte que falta no quebra-cabeças. Claro que será muito negativo se esse projeto passar porque legaliza a ocupação e encoraja mais o desmatamento. Não há dúvida de que isso será muito negativo. E temos que ter a fotografia completa para tomar nossas decisões. Fortemente insistimos ao governo que não deixe esse projeto passar da forma como está.

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Broadcast - Tenho certeza que o senhor soube de uma iniciativa similar de uma carta enviada pelo setor de varejo na Europa para o governo com as mesmas preocupações. Essa é uma onda?

Saugestad - Questões relacionadas à sustentabilidade estão aumentando e acho que o papel da floresta tropical também se tornou mais difundido, conhecido. A mudança climática é um tema, e proteger a biodiversidade seja talvez ainda mais importante.

Broadcast - Os senhores pediram reuniões virtuais com embaixadores de vários lugares, como Oslo, Washington, Tóquio... O que realmente vocês esperam desses encontros?

Saugestad - Pedimos reuniões com representantes do governo em vários países (Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França, Holanda, França, Japão, EUA e Brasil). Queremos expressar o motivo pelo qual estamos preocupados e deixar claras nossas expectativas e o que esperamos que eles façam. Quem sabe não será uma interação positiva? Como eu disse, no passado trabalhamos com companhias e soubemos que várias delas estão preocupadas em perder seus investimentos institucionais e internacionais. E queremos ir ao governo dizer: vocês precisam nos ajudar a colocar as políticas no lugar e as direções em termos de regulação que trarão conforto para os investidores internacionais. Mas eu diria que isso não vai acontecer (risos)...

Broadcast - Hoje, num evento local, a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, disse que é o Brasil que solicita que a agricultura mundial adote práticas rigorosas de sustentabilidade. Como o senhor vê esse pedido?

Saugestad - Cada país tem que trabalhar com suas questões e elas mudam de um lugar para o outro. Mas claramente no Brasil o desmatamento é um ponto-chave dado o fato de que a floresta tropical é um elemento muito importante para o mundo.

Broadcast - Sim, mas pode ser vista como um alvo para o lobby internacional também, não?

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Saugestad - Para lidar com problemas e desafios globais, acordos globais, políticas e regulações globais são sempre saudáveis, mas é difícil chegar a um consenso porque cada país tem que agir conforme o que é capaz de fazer.

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