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Interferência no Copom

Foto do author Celso Ming
Por Celso Ming e celso.ming@grupoestado.com.br
Atualização:

Alguns jornais, inclusive o Estado, registraram ontem, a partir de informações "de alta fonte", que o presidente Lula advertira o Banco Central (BC) que, desta vez, um corte dos juros básicos inferior a 0,75 ponto porcentual ao ano "seria inaceitável". Esta informação insinua uma ou duas coisas: que, em matéria de política monetária (política de juros), o mandachuva é o presidente da República e os outros não passam de figurantes; e/ou que há indiscutível interferência na política monetária do BC. A regra do jogo prevê que o governo, por meio do Conselho Monetário Nacional, defina a meta da inflação tolerada para determinado período (até agora, o do ano calendário) e o BC trate de calibrar os juros para enfiar a inflação dentro da meta, assim como a dona de casa pilota cada boca de seu fogão. Se a inflação ameaça escapar para cima da meta, o BC reduz a ração de dinheiro na economia (aumenta seu preço, que são os juros) a fim de reduzir crédito e consumo. Se acontecer o contrário, pode soltar mais dinheiro e isso derruba os juros. A partir de ontem, por exemplo, a torneira do BC garante um volume de dinheiro na economia que avaliza juros de 12,75% ao ano. Em princípio, a política monetária poderia ter outros critérios. Nos Estados Unidos, por exemplo, há critério duplo. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) opera com um olho na inflação tolerável (que se presume ser de 2% ao ano) e outro no equilíbrio do mercado de trabalho (atividade econômica). O Comitê de Política Monetária (Copom) examina, a cada 44 ou 45 dias, como os juros podem ser recompostos. O pressuposto aí é um critério exclusivamente técnico, cuja natureza pode ser discutida, mas não pode resvalar para avaliações políticas. Se isso ocorrer, o BC perderá credibilidade e, com isso, a capacidade de convencer que está perseguindo adequadamente a meta. E por que interferências políticas são incompatíveis com o exercício da política monetária? Porque político adora gastar e, se a guitarra for movida por interesses dessa natureza, não haverá como enquadrar a inflação. É também por isso que um banco central precisa ter um mínimo de autonomia. Sua diretoria não pode ficar sujeita ao facão das demissões só porque um maioral não gosta das decisões tomadas. No Brasil, não há autonomia formal do BC. Quando muda o governo, muda a diretoria do banco. Mas, desde a adoção do sistema de metas, em 1999, o governo tem respeitado certa autonomia. Admitir que o presidente da República ou outra autoridade passe por cima do BC e determine, com base em achômetros puramente políticos, qual deva ser o nível dos juros, implicaria aceitar que os mecanismos adotados para definir a inflação futura e o nível de dinheiro adequado na economia não passem de aparato teatral para enganar trouxas disponíveis. E, obviamente, a credibilidade do BC e de sua política monetária iriam para o brejo. Outra vez, a política monetária não precisa ser como é e a política de metas de inflação poderia ser ajustada às necessidades do interesse público. Além disso, o BC e, dentro dele, o Copom podem errar, mas não estão sempre errados quando definem independentemente sua política. Mas manipular só porque não se gosta da política ou do sistema é jogar a criança fora com a água do banho. Confira Selic zero - "Se os juros básicos forem a zero, para quanto cairão os juros na ponta do tomador de crédito?", pergunta o leitor Marcos Fazolin. Os juros cobrados pelos bancos cairiam apenas os tais 12,75 pontos porcentuais, correspondentes à queda da Selic. Na média, os juros no desconto de duplicatas iriam para 34% ao ano; na conta garantida, para 69%; no cheque especial, 162%; no crédito na compra de eletrodomésticos, 56%. Por aí se vê que combater a Selic alta e não o spread bancário alto é tentar barrar a sardinha e deixar passar o tubarão.

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