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‘Investidores estão de olho nas empresas brasileiras’

Executivo diz que os investidores virão para o País se houver uma estratégia clara de longo prazo do governo

Por Alexa Salomão
Atualização:
Para António Bernardo, os partidos deveriam buscar alguns consensos Foto: Werther Santana|Estadão

Para António Bernardo, presidente da consultoria Roland Berger para o Brasil, a crise que o País atravessa não tirou o apetite dos investidores estrangeiros. O que falta, segundo ele, é que o governo estruture uma estratégia de longo prazo para atrair esses investidores, já que há uma predisposição em buscar retornos melhores para o capital. O executivo também acredita que as empresas brasileiras terão de repensar suas estratégias, e que pode haver uma onda de consolidações no País. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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O ano passado foi muito ruim para a economia. Que perspectiva o sr. traça para 2016?

Sob o ponto de vista de crescimento, vai continuar a ser negativo. Estamos em linha com as médias da previsões que indicam uma queda entre 2,5% e 3% para o PIB. Mas eu vou um pouco contra a corrente. Acredito que tudo vai depender das medidas que forem tomadas pelo governo. Quando falo com investidores internacionais, que têm uma visão mais de médio prazo, vejo que eles pensam como eu. O País precisa de uma estratégia de longo prazo, para os próximos dez anos, por exemplo. Isso é importante até para que os próprios participantes dos mercado, as empresas de engenharia e os investidores possam se organizar.

Uma estratégia de governo de longo prazo?

Exatamente. E, para que isso ocorra, seria importante que se encontrassem alguns consensos. Não seria preciso ir nos detalhes, mas chegar à definição grandes consensos, temas transversais, para os diversos partidos políticos. Quem fez isso muito bem e deveria ser uma referência foi a Alemanha. Quando o país esteve próximo de uma crise, os dois partidos adversários se uniram, o PSD e o CDU (o Partido Social Democrata e a União Democrata Cristã, da primeira ministra Angela Merkel, são opositores, mas já fizeram coalizões para garantir a governabilidade do País). O que prevaleceu entre eles? A percepção de que eles até têm divergências, mas que nenhuma divergência pode ficar acima da política e da economia da Alemanha.

O sr. poderia dar exemplo do que seria ‘transversal’ nesse caso?

Há muitos temas transversais. Conta pública é uma discussão para todos. A necessidade de liberalizar a economia também. O fluxo comercial, a participação do Brasil nas exportações globais, é muito pequeno. O fluxo comercial do Brasil equivale a 15% do PIB. No México é 60%. Na Alemanha, 70%.

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No caso da liberalização, não é bem assim. A maioria dos empresários pede o inverso: mais protecionismo.

Verdade. Mas, a médio prazo, o Brasil só conseguirá ser mais eficiente na economia e na indústria com a abertura comercial. Hoje, as tarifas de importação do Brasil estão entre as mais pesadas do mundo. Isso nos leva a crer que muito setores não são eficientes porque não estão abertos à concorrência internacional. O Brasil pode ter um posicionamento importante em muitas das cadeias globais. Mas, para ter esse posicionamento, precisa ser mais competitivo.

No Brasil, neste momento, o setor público tem restrições para investir, por causa do ajuste fiscal, e o privado, aparentemente, está sem apetite. Qual é a perspectiva dos investidores para este ano?

Não acho que falte apetite. Eu converso com muitos investidores. Eles têm apetite. Mas necessitam de um sistema regulatório adequado, necessitam de financiamento privado – que eu acho possível neste momento, se for bem estruturado –, necessitam que não ocorram derrapagens nos prazos, por questões ambientais ou outros problemas que atrasam obras. Não dá para um projeto atrasar dois, três anos, e os budgets (orçamentos) crescerem 100%, 150%. Mas há muitos investidores estrangeiros interessados, por exemplo, na área de infraestrutura: aeroporto, portos, ferrovias. Só que temos de criar aqui uma base competitiva – nada de favores, mas bases competitivas.

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Especialistas em infraestrutura dizem que já não é certo que o Brasil possa atrair capital privado com tanta facilidade este ano, o que poderia até comprometer o programa de concessões. Como o sr. vê isso?

Há muita liquidez na economia mundial e os yields (taxa de retorno, rendimentos) dos países desenvolvidos são baixos. O do governo alemão, para dez anos, dá 0,4%! Os dos títulos dos tesouro americano, para dez anos, são 2,1%. Há uma predisposição dos investidores para assumir mais risco, se puderem ter retornos melhores – desde que as condições sejam mais bem organizadas. O Estado precisa atuar mais como um regulador, um grande orientador, e não precisa estar onde o setor privado está.

A crise política que o governo enfrenta, com uma ameaça de impeachment pairando, afeta o ânimo do investidor? Ele fica em compasso de espera?

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Tudo que gera instabilidade deixa os investidores mais nervosos. E, dentro disso, diria que há dois tipos de investidores. Quem tem foco no curto prazo, o investidor financeiro, digamos, foi o primeiro a reduzir posições no Brasil, até como uma reação natural à perda de grau de investimento. Mas há os investidores estruturais, que investem em indústrias, em serviços, e que miram no médio e longo prazos. É nesses que o Brasil precisa focar. E o Brasil precisa também atrair o investidor inglês, francês, que reduziram participação aqui. O governo precisa ir até eles, fazer o que chamo de pesca a linha, para atraí-los.

Que medidas o governo poderia tomar para atrair esses investidores?

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As concessões são uma oportunidade. Em aeroportos, o governo reviu o papel da Infraero. Agora não tem Infraero. Foi um passo importante. Vai fazer diferença no leilão. Na área de energia e de rodovias ainda é preciso rever a discussão para que os retornos sejam mais compatíveis com os riscos. Isso ainda não foi revisto. Precisaria também criar uma equipe de atração de investimentos e agir pontualmente – não de forma genérica – para atrair investidores estrangeiros para cada um dos projetos. O governo tem uma chance nessa área porque há muita liquidez global.

Há analistas que dizem que a saída de Joaquim Levy e a sua substituição por Nelson Barbosa, considerado um dos pais da nova matriz econômica, faz diferença para os investidores estrangeiros. É assim?

Sendo sincero, essa discussão não é muito relevante para o investidor internacional. É mais para consumo interno. O que fará diferença são as medidas tomadas pelo novo ministro e a maneira como vai comunicar essas medidas.

Que outros setores, além do de infraestrutura, são atraentes no Brasil?

A indústria. Hoje, há um conjunto de ativos industriais com alto potencial, mas que precisam ser reestruturados. Mas, de maneira geral, aqui para nós, na Roland Berger, é claro que está se iniciando um grande processo de reestruturação de ativos de empresas privadas. Em geral, são empresas com bons produtos, uma boa carteira de negócios, mas que estão com problemas de caixa, problemas financeiros sérios, quer seja porque estão muito endividadas, tiveram atrasos na conclusão de seus projetos ou porque estão sentindo a queda na demanda. Não estou falando das empresas óbvias, que estão na Lava Jato. São outras. E há muitos investidores olhando essas empresas e pensando no potencial de reestruturação. Podem fazer reestruturação financeira, estratégica ou operacional. A reestruturação estratégica passa por consolidação. Um exemplo: no setor automotivo, o potencial é enorme.

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O sr. está falando de consolidação de montadoras e da cadeia de fornecedores?

Na cadeia toda há oportunidades de consolidação e reestruturação. Haverá também a necessidade de reestruturar empresas de bens de consumo, inclusive de produtos alimentícios. Muitas fizeram grandes investimento, mas a demanda caiu. Acreditamos também que haverá uma reestruturação nas empresas de varejo – e varejo de vários tipos. Há muito investidores olhando esses setores.

Tudo em função da crise?

Sim. Em função da crise. Teremos um momento de pressão: as empresas terão de repensar suas estratégias.

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