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Investimento x custeio

Por Amir Khair
Atualização:

Algumas análises sobre finanças públicas defendem a redução das despesas de custeio em favor de mais investimentos. O argumento é que essas despesas, como, por exemplo, as de pessoal, uma vez aumentadas são permanentes e não passíveis de redução, mas os investimentos, uma vez encerrados, cessam seus efeitos sobre a despesa, sendo assim de melhor qualidade por não causar problemas fiscais futuros.Além disso, os investimentos precisam ser ampliados para remover as limitações na infraestrutura do País.Essas análises destacam que, embora os incentivos monetários e fiscais ajudassem a retomar o crescimento econômico, as despesas de custeio em elevação irão contribuir para aumentar a inflação em 2010 e propõem a elevação da Selic para conter o considerado forte crescimento econômico, causador da inflação.Vale aprofundar essas análises para o melhor entendimento das repercussões das despesas com custeio e investimentos na questão fiscal e da ameaça da retomada da inflação pelo elevado crescimento econômico.1) Os investimentos do poder público geram despesas de custeio permanentes, pois necessitam de manutenção e se depreciam com o tempo. O custeio anual de um hospital equivale em média ao valor total investido nele. Nas escolas, o índice é de 70%. Para o funcionamento do novo bem público são necessárias despesas de custeio como pessoal, materiais de consumo e serviços de terceiros, além de pagamentos de juros, pois parte dos investimentos é feita normalmente com empréstimos.2) Alguns investimentos são desnecessários e feitos para atender lobbies das empreiteiras, e podem ser descontinuados com a troca de governo, fato comum no Brasil. Em grandes obras, feitas por meia dúzia de empreiteiras, é usual a prática de superfaturamento denunciada pelos tribunais de contas. Normalmente é precária a fiscalização das obras, o que facilita o desvio de recursos. Exemplos recentes de falhas de fiscalização foram os desabamentos no metrô e no rodoanel em São Paulo.3) O setor privado sempre foi o líder dos investimentos na economia, que deverão crescer com o investimento direto de estrangeiros. A parte dos investimentos de interesse público é majoritariamente feita por empresas privadas, que ganham a concessão de exploração, por estatais ou com recursos das entidades financeiras oficiais como BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, além dos fundos de pensão ligados a órgãos públicos. A parte que compete à administração direta é historicamente pequena. No caso do PAC, apenas 13% vem do Tesouro Nacional, ficando o restante meio a meio entre estatais e empresas privadas. 4) O setor público passou a utilizar cada vez mais licitações pelo sistema de pregões eletrônicos ou presenciais com economia expressiva, o que reduz despesas de custeio. O Decreto n.º 5.450 de 31 de maio de 2005 tornou obrigatório o pregão pelo governo federal, preferencialmente sob forma eletrônica, na aquisição de bens e serviços comuns. O valor contratado por pregão eletrônico passou de 4%, em 2003, para 55%, em 2009. Em número de processos, saltou de 5% para 86% no mesmo período.5) Muitas vezes os reajustes dos servidores não são feitos anualmente como determina a Constituição, ou se fazem em porcentual inferior à inflação. O caso mais citado de crescimento das despesas com pessoal é no governo federal. O que importa é verificar a evolução dessa despesa em relação à receita. Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, apesar do aumento do número de servidores e reajustes salariais feitos desde 2003 até 2009, o pior resultado neste período foi de 21,3% em 2003. Esse nível foi melhor do que o melhor resultado no período de 1997 a 2002, que foi de 22,2% em 2002. Em 2009, mesmo com a queda de arrecadação, foi de 20,5%. 6) Há um crescimento natural das despesas de pessoal por causa da contratação de servidores para atender os novos equipamentos públicos (hospitais, postos de saúde, escolas, universidades, etc.) e para substituir os que se aposentam, cujos salários continuam onerando as despesas de pessoal. 7) A maior parte da despesa de custeio retorna imediatamente ao consumo, fomentando a atividade econômica, o que amplia a arrecadação e é tanto mais eficaz para sua elevação quando mais é destinada às camadas de renda média e baixa, como o salário mínimo, Bolsa-Família e vários programas sociais. A despesa com investimento fica em parte retida pela empreiteira como lucro, que só parcialmente pode se transformar em aumento de consumo.8) A maior gastança é com os juros, causados pela elevada Selic. Uma elevação da Selic causa aumento na despesa e no endividamento público. Essas despesas em relação ao PIB superam as dos 30 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países da União Europeia, os Estados Unidos, Japão e Canadá. Nos últimos 10 anos, a gastança média anual do País com juros foi de 7,3% do PIB e na OCDE 1,9%.9) A "justificativa" para manter a Selic elevada é para conter a inflação. No passado, quando a economia era fechada, qualquer elevação do poder de compra do consumidor induzia elevações nos preços. Com a globalização, os aumentos de poder aquisitivo, gerando maior demanda, são atendidos pela oferta em escala global, sem riscos de elevação de preços. A demanda interna é muito menor que a oferta interna mais a externa. Além disso, o que impacta a demanda não é a Selic, mas os juros cobrados pelos bancos ao consumidor, que vêm caindo, mesmo com a perspectiva de aumento na Selic, já precificada pelo mercado. Entre dez/2008 e fev/2010, a Selic foi reduzida em 5 pontos porcentuais e a taxa de juros para a pessoa física caiu 16 pontos. A razão para esse descolamento está na política dos bancos oficiais de ampliação de oferta de crédito a taxas de juros mais baixas do que as do setor bancário privado, na troca que as pessoas estão fazendo de empréstimos caros pelo empréstimo consignado e pela maior competição bancária induzida pelos bancos oficiais.10) A possibilidade de ocorrer um processo inflacionário em escala global está ligada ao preço das commodities e dos alimentos, que poderão ocorrer com o forte crescimento dos países emergentes, que passaram a incluir vultosos contingentes de novos consumidores. Apesar desse aumento, ocorrido durante vários anos, a inflação de cada país pouco se alterou, mostrando a supremacia da concorrência internacional e do crescimento da produtividade na definição dos preços em escala global.Há espaço para reduzir desperdícios tanto em despesas de custeio como nas de investimentos, e isso deve ser prioridade de gestão e de respeito ao contribuinte. Mas, em vez de opor despesas de custeio a despesas com investimentos, o que é uma falsa questão, o aconselhável é analisar a importância que tem cada uma para o desenvolvimento econômico e social do País. As despesas de custeio promovem a redistribuição de renda, estimulam o consumo, são destinadas à área social, segurança pública e meio ambiente e contribuem para aumentar a arrecadação pública, e os investimentos atendem às necessidades de ampliar a oferta de equipamentos públicos e a contribuir para melhorar a infraestrutura do País.

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