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‘Já há uma retomada, mas ela é frágil’

Para pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, a indústria de fato já está reagindo, mas o câmbio pode virar o jogo

Por Alexa Salomão
Atualização:

Como coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Silvia Matos acompanha o desempenho dos principais indicadores econômicos do Brasil. Ex-economista do Departamento de Pesquisa do Banco BBM, é professora do mestrado da Escola de pós-graduação em Economia da FGV, instituição onde cursou o seu mestrado e depois também o doutorado. Formou-se em Economia na Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas.

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Para a economista Silvia Matos, não há dúvida de que a retomada começou e veio pela indústria. “Já há crescimento de verdade, em especial na indústria de transformação”, diz ela. Mas o cenário para a recuperação ainda é frágil, em especial porque tudo indica que o consumo das famílias vai demorar a reagir. Em sua avaliação, a virada na economia depende dos investimentos, mas eles só virão com força se o governo aprovar o ajuste fiscal. “Para o cenário ficar mais favorável, é preciso uma nova rodada de otimismo.” A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Os sinais de retomada do crescimento já são concretos ou ainda permanecem difusos?

O cenário já é concreto na indústria, em especial na de transformação, no segundo trimestre. Já há crescimento de verdade. Isso se deve, em parte, não só à melhora do cenário, mas do efeito da desvalorização do câmbio ao longo do ano passado e início deste ano, que contribui para as exportações de alguns manufaturados e também na substituição de produtos de importação. Mas, olhando para a frente, o cenário é menos otimista.

O que pode interromper essa melhora?

Tem o efeito do câmbio. Está piorando para as exportações. Esse é o Brasil: qualquer cenário mais favorável para a atividade, de alguma forma é um cenário com maior confiança, menor risco país, mais entrada de recursos – logo, de maior valorização cambial. Há uma correlação entre aumento de investimento e aumento de importação. Isso é fatal. Não aumentamos as exportações porque ficamos mais competitivos, mas por causa do câmbio. Assim, o fim da recessão fortíssima que vimos tende a reduzir a contribuição das exportações para o crescimento no ano que vem, de novo, por causa do câmbio. É preciso cautela para avaliar o ritmo dessa melhora na indústria. Outro ponto importante é o cenário para o setor de serviços. Depende muito do consumo das famílias, que deve continuar deprimido ao longo deste ano e de parte do ano que vem. O cenário, enfim, é de riscos.

Que riscos são esses?

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Os indicadores de expectativa melhoraram muito nos últimos meses, mas porque as pessoas esperam que vai dar tudo certo: o ajuste fiscal vai ocorrer, a economia vai entrar nos trilhos e nada mais vai nos atrapalhar. Mas ainda não tenho certeza de que tudo isso vai acontecer. Infelizmente, olhando tudo que se passa no Congresso e o que ainda pode acontecer, há risco de frustração. Como vai ser aprovada a PEC dos gastos (Proposta de Emenda Constitucional que limita o crescimento do gasto público de um ano pela inflação do ano anterior)? Que tipo de mudanças podem ocorrer ao longo do processo de negociação no Congresso?

O que a sra. está destacando é que as expectativas traduzem uma vontade de ver a mudança, e não em mudanças efetivamente concretizadas?

No curto prazo, a gente ainda colhe dados ruins, de comércio, consumo das famílias, mercado de trabalho. O processo de ajuste está apenas começando. O que existe é a expectativa de que ele vai ocorrer. É claro que a existência de uma proposta de ajuste já é bom. Antes, não havia nem isso. A perspectiva era de instabilidade e de continuidade da recessão. Mas hoje a gente ainda não consegue ser otimista com a velocidade de recuperação. Ainda há muitos problemas para resolver e instabilidades no horizonte. Trabalhamos com um indicador de incerteza que mostra isso. O mercado financeiro já precificou a melhora – é a tal lua de mel. Mas essa relação pode ficar abalada se o governo não entregar o que prometeu. A PEC do teto, por exemplo, precisa vir o quanto antes.

Em sua opinião, o que vai acontecer após o julgamento do impeachment, se o atual governo deixar de ser interino e assumir?

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Ele vai ser cobrado, para o bem e para o mal. Hoje ainda existe o benefício da dúvida, mas depois vão pôr à prova a capacidade de aprovar as medidas difíceis que prometeu. A PEC do teto, para ser efetivada de fato, pressupõe corte de gastos. Mas a PEC vai ser aprovada ou descaracterizada? Como ficam saúde, educação? A reforma da Previdência precisa ser dura, com mudanças de idade mínima, na forma de reajuste, na acumulação de benefícios. Nada disso a gente sabe ainda como vai ser. E ainda há o embate com funcionários públicos, a pressão de grupos de interesse. Não está claro se essa batalha vai ser ganha.

Nesse ambiente, qual o cenário para o crescimento?

Não descarto o cenário de crescimento de 1,5% para o ano que vem se o governo aprovar as reformas. Mas a gente ainda trabalha com crescimento para 2017 de 0,5%. É um crescimento mais baixo porque a gente ainda enxerga que a velocidade da retomada vai ser mais lenta do que o mercado está estimando. Ainda há dúvidas sobre as dificuldades para a aprovação do ajuste e talvez o Banco Central demore um pouco para baixar o juro. A inflação ainda está longe da meta e a inflação corrente ainda está resistente. A gente acredita que o Banco Central não vai reduzir o juro neste ano. Isso aborta as chances de uma retomada mais firme. Se a gente estivesse com a inflação controlada, a recuperação até poderia vir de vento em popa. Mas para o cenário ficar mais favorável, é preciso uma nova rodada de otimismo na economia brasileira, com mais valorização cambial, que ajude a inflação a ficar mais próxima da meta para que o Banco Central possa baixar a taxa de juros.

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Nesse ambiente, em que a sra. já disse que o consumo das famílias vai demorar a reagir, qual será o motor da retomada?

Seria o investimento. Mas o investimento só virá se o setor público se tornar mais sustentável. O risco país precisa cair mais, e isso só vai acontecer se a gente resolver o fiscal.

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