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''Já tomamos tombos piores''

Por Ricardo Grinbaum e David Friedlander
Atualização:

Pego de surpresa pela crise econômica mundial e por perdas bilionárias em operações financeiras, nas últimas semanas o Grupo Votorantim foi alvo de todo tipo de rumor. No mercado, falou-se em prejuízos de R$ 14 bilhões, em desagregação familiar e mudança radical no modelo de gestão, que culminaria na troca dos principais executivos por gente da família Ermírio de Moraes, os donos do grupo. Eles admitem ter levado um tranco, mas nada parecido com o desastre imaginado na praça. Diante de um cenário mais difícil, os donos e os principais executivos do grupo fizeram, nas últimas semanas, uma revisão dos planos de investimentos para 2009. Foram analisados, um a um, dezenas de projetos. Os estudos foram concluídos na sexta-feira de manhã. Resultado: os investimentos, estimados em R$ 8 bilhões antes da crise, cairão para R$ 5 bilhões. "Com essa crise toda, vamos investir R$ 5 bilhões. Dificilmente alguém vai fazer isso", afirma Carlos Ermírio de Moraes, presidente do Conselho de Administração da holding Votorantim Participações(Vpar). Os Ermírios dizem que a meta de dobrar o faturamento está mantida, embora provavelmente isso vá levar mais tempo que os quatro anos imaginados por eles. "Essa crise pegou todo mundo. Só está em situação confortável quem não investiu, quem não fez nada. Mas não acho isso uma virtude", diz José Roberto Ermírio de Moraes, membro do Conselho da Vpar e presidente da Votorantim Investimentos Industriais. Na sexta-feira, quando aceitaram falar pela primeira vez sobre a sua situação, os primos José Roberto e Carlos Ermírio receberam o Estado, acompanhados por Raul Calfat, diretor-geral da Votorantim Industrial e principal executivo do grupo. Foi um gesto simbólico, provavelmente com o objetivo de reforçar a idéia de que a profissionalização do Votorantim não sofrerá retrocesso. A seguir, os principais trechos da entrevista. Os srs. estão discutindo mudanças no modelo de gestão? José Roberto: Nosso modelo é vencedor. Esse é um trabalho que nos deixa bastante satisfeitos. Temos diretores com bastante tempo de casa, como o Raul Calfat, que está aqui desde 1992, e nos ajudou muito. Se a transição de empresa familiar para o modelo profissionalizado não for bem feita, dificilmente terá chance de ter um sucesso. Nós acreditamos que tivemos. Carlos: Esse modelo dá uma visão do todo, permite ganhos com sinergia e é baseado em meritocracia. No modelo anterior, que também teve sucesso, o acionista liderava o negócio: nosso avô, nossos pais e nós também, durante vários anos. Mas a complexidade dos negócios, a complexidade da família em número de pessoas, a necessidade de ter pessoas com capacidade e competência nos obrigou a procurar as melhores práticas de mercado. Foram de 12 a 15 anos de reflexão. Nosso modelo não foi feito para acomodar ninguém, foi feito para acomodar os negócios. O Votorantim atravessou vários ciclos econômicos diferentes ao longo dos anos, sempre crescendo. O grupo parecia imbatível... José Roberto: Tombo todo mundo toma. Com 90 anos de grupo, podemos contar os tombos que tomamos. Com orgulho. Doutor Antonio (Ermírio, pai de Carlos e tio de José Roberto) quando fez a CBA, devia o correspondente a um ano de faturamento e, como o projeto apresentou problemas, teve de jogar a fábrica no chão e recomeçar do zero. Eu, quando comprei a fábrica (de papel) Luiz Antônio, com 5 mil pessoas na obra, tive que demitir todo mundo no dia seguinte porque a Zélia (Cardoso de Mello, ex- ministra da Fazenda no começo dos anos 1990) confiscou o dinheiro do público.Todo mundo na rua, em um dia! Já tomamos tombos piores. Mas, hoje, o que mais chateia é que não podemos realizar tudo aquilo que a gente gostaria no tempo que estava planejado. O Votorantim sempre foi visto como um grupo muito conservador. Antônio Ermírio dizia que não gostava de entrar em banco. Agora vocês foram chamados de especuladores... Carlos: O grupo não teria crescido tanto de 2000 a 2008 se não tivesse usado todos os instrumentos de alavancagem financeira. Os recursos lá fora estavam mais baratos do que aqui, então pegamos dívida em dólar. É um risco que ninguém imaginava que teria essa dimensão. Se olhar o resultado do grupo no ano passado, nós ganhamos. Eu falava isso ao meu pai: gostando ou não gostando, o resultado financeiro é grande. Agora estamos devolvendo uma parte desse ganho. Devolvendo uma parte? Carlos: Pegamos dívida em dólar e o dólar depreciou no ano passado. Este ano é negativo. Faz parte do risco do negócio e de querer crescer. José Roberto: Mas o conservadorismo continua. Queremos manter o investment grade e isso é ser conservador. Não fazemos apostas de tesouraria. É tudo proteção. Como Antônio Ermírio reagiu a tudo isso? Carlos: A frustração dele é a nossa. Ele sempre quis ver o Brasil crescendo, a empresa crescendo. Mas quem poderia, dois anos atrás, dizer que era um erro tomar dinheiro que custava 6% ao ano, por sete, oito até dez anos, quando o Brasil não tinha esse recurso? É um erro analisar a situação pontualmente. É preciso olhar o contexto do negócio. Antônio Ermírio continua trabalhando todo dia? Carlos: O dr. Antônio tem 80 anos! Ele tem se resguardado, a nosso pedido. Por ele, continuaria no mesmo ritmo. Conversamos todos os dias e o deixamos a par do que acontece. E ele sempre diz que já passou por coisa pior. Os srs. estão negociando o Banco Votorantim... José Roberto: Não podemos confirmar. Mas vocês podem vender o banco inteiro? José Roberto: Não. Qual o papel que o banco terá dentro do grupo? Carlos: O banco, em 16 anos, se tornou um dos maiores negócios do grupo. Ele estará sempre buscando opções de parceiros para explorar o mercado. Da mesma forma que Itaú e Unibanco se fundiram, nós temos a obrigação de buscar oportunidades. O banco é core (prioridade). E a Aracruz? Desistiram de comprar a participação da família Lorentzen? Calfat: A Aracruz é a maior empresa de celulose do mundo, a mais competitiva, portanto a mais cobiçada. Surgiu a oportunidade de ampliação no bloco de controle e ela teria curso, não fosse a crise financeira, que trouxe um fato imprevisto que acabou interrompendo as negociações (a Aracruz perdeu R$ 2 bilhões com derivativos). Então, primeiro, como participantes na gestão da Aracruz, procuramos uma reestruturação (da dívida com os bancos). Mas os srs. fizeram uma oferta que, com a crise, ficou muito alta. Por outro lado, se desistirem do negócio, o grupo pode ter de pagar uma multa de R$ 1 bilhão. Como isso se resolve? Carlos: Haverá um momento de negociação, até chegar em um ponto bom para as duas partes. Nunca se parou de negociar. No momento adequado, o assunto vai fluir. Continuamos com o objetivo de formar a empresa mais importante do mundo em celulose. O Votorantim perdeu R$ 2,2 bilhões em operações com derivativos cambiais. O grupo especulou? Calfat: Não houve especulação. Fizemos operações de proteção cambial, todas elas vinculadas com a existência de produto. O que é especulação? É quando você faz isso e não tem produto. Faz isso escrituralmente, no papel. Isso nunca foi feito na Votorantim. O que ocorreu é que, a partir do momento que houve instabilidade cambial, começou muita boataria sobre empresas que estavam comprometidas com derivativos. Surgiram as primeiras empresas com problemas e começaram os rumores a respeito da Votorantim. Carlos: E aí começaram a falar inclusive que o banco também estava envolvido. Uma mentira completa, o banco nunca teve um centavo de derivativo. Calfat: Isso alcançou tal dimensão que o grupo decidiu, por uma questão de imagem, cessar com os rumores. O grupo acabou com sua exposição em dólares. E fez isso comprando dólares. Essa aquisição é que levou ao custo de R$ 2,2 bilhões. Não significa que vai virar prejuízo. O grupo não precisava ter acabado com a exposição naquele momento. Fez para cessar rumores, por uma questão de imagem, já que as coisas estavam totalmente vinculadas. Agora vamos gerir esse montante de dólares que foram adquiridos e esse custo poderá ser bastante minimizado ao longo do tempo. Essa é a grande realidade: não houve impacto no caixa imediato e não terá impacto no caixa este ano. O grupo continua com sua saúde financeira preservada. A ponto de as agências de classificação de risco, ao conhecerem a operação - e elas estiveram aqui no dia seguinte - e verem os números do grupo, reforçarem a nota de grau de investimento que haviam nos dado. Nenhuma nos colocou em revisão negativa. No ano passado os srs. anunciaram investimentos de mais de R$ 25 bilhões para dobrar a receita até 2012. Como fica esse projeto? José Roberto: Logo em seguida à deflagração da crise, quando quebrou o banco americano Lehman Brothers, o grupo reuniu as principais lideranças. Revisamos os projetos, os cenários e redefinimos as prioridades. Agora, sabemos exatamente quais projetos serão prioritários e quais vão depender da evolução da demanda para serem retomados no momento oportuno. Tudo isso resultou num plano de investimento de R$ 5 bilhões em 2009. Isso significa uma redução no ritmo de investimentos. Carlos: Nós investimos R$ 7,6 bilhões este ano. A média do grupo nos últimos cinco anos foi de R$ 4 bilhões. Com essa crise toda, vamos investir R$ 5 bilhões em 2009. Portanto, acima da média. Dificilmente alguém mais vai fazer isso. É um dos maiores investimentos de um grupo privado do Brasil, mesmo num cenário que aparentemente não é tão favorável. José Roberto: Assim como soubemos aproveitar o bom momento internacional para crescer, num momento em que o cenário mudou o grupo precisa ter a responsabilidade de rever seus cronogramas e suas obrigações. Quem não fez nada está numa situação confortável: não tem projeto, não precisou captar recursos, não fez nada. Mas não acho que isso seja uma virtude para uma empresa que pensa a longo prazo. Que projetos continuam e quais foram suspensos? Calfat: Continuam projetos que já estavam bem encaminhados e de bom retorno, como uma fábrica de celulose em Três Lagoas (MS), a siderúrgica de Rezende (RJ), duas fábricas de cimento no norte do País, a duplicação de uma refinaria de zinco no Peru, uma hidrelétrica em Santa Catarina e outra em Goiás. Adiamos o projeto de ferro-níquel em Goiás, ama usina de metais em Juiz de Fora (MG) e uma fábrica de celulose no Rio Grande do Sul. O investimento total de R$ 25 bilhões então está comprometido? Carlos: Tudo vai depender do mercado. Em princípio, se a crise durar um, dois anos, até 2012 terminamos todos. Se essa crise perdurar mais de dois, três anos, talvez 2013 ou 2014. Quantas pessoas o grupo vai demitir? Calfat: Isso é pontual em cada unidade.Haverá gente saindo e outros entrando. Calculamos de 500 a 600 cortes em unidades espalhadas por todo País, de um total aproximado de 63 mil funcionários. Por outro lado, a Tivit (uma prestadora de serviços em tecnologia) vai contratar 750 pessoas. Os cortes envolvem diretores ou só operários? José Roberto: envolve todos os escalões. Os srs. já têm os resultados do grupo este ano e as projeções para o ano que vem? Calfat: Ainda depende do câmbio, mas estamos estimando que o faturamento supere os R$ 32 bilhões este ano. E que vamos gerar um Ebitda que excede R$ 8 bilhões. Fizemos investimentos de R$ 7,6 bilhões e aquisições de R$ 3,1 bilhões. No exterior e no Brasil. Para o ano que vem, como temos a entrada de novos projetos e esperamos preços menores para muitos de nossos produtos, devemos ter um faturamento maior que o de 2008. Mas não muito maior. Deveremos ter um impacto de preços bem menores em metais e incerteza de volumes em algumas áreas, mas tudo depende muito do câmbio. E que o Ebitda não será menor que o de 2008. São números em revisão.

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