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Jerome Cadier, da Latam: ‘A saída da crise não será óbvia’

Empresas terão de investir no pós-crise, ser mais digitais e reduzir custos, segundo executivo

Foto do author Luciana Dyniewicz
Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

Era fim de fevereiro quando voos da Latam que saíam de São Paulo com destino a Milão, na Itália, começaram a esvaziar. Não é que os passageiros desmarcavam suas viagens, eles simplesmente não apareciam na hora do embarque, muitos deles chegavam a fazer o check-in e desistiam pouco antesde o voo sair. Com a explosão de casos de covid no norte da Itália, eles acabavam mudando de ideia em cima da hora e abrindo mão da viagem.

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“Lembro que teve um fim de semana em que olhei o ‘no show’ (termo usado para os passageiros que não se apresentam no embarque) e tinha batido 40%. No sábado, o voo tinha saído com uma ocupação super baixa, porque um monte de gente desistiu de embarcar na última hora. As pessoas nem chegaram a ligar para o call center (para cancelar a passagem), simplesmente não foram”, recorda o presidente da Latam no Brasil, Jerome Cadier. 

Naquelemesmo fim de semana, voos entre Nova York e Milão foram suspensos porque tripulantes da American Airlines se recusavam a viajar para a Itália. “Aí a gente falou: ‘se a nossa tripulação começar a se recusar a operar, vamos ter problemas muito sérios. Então, é melhor nos anteciparmos.”

Cadier, que tem ido de duas a três vezes por semana ao escritório da Latam Brasil, mantém reuniões com outros executivos do grupo pela internet; desde o começo da pandemia, não viajaao Chile, onde está a sede da empresa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Na segunda-feira, 2 de março, a Latam Brasil anunciava a suspensão dos voos para Milão. Era para ser algo temporário, até 16 de abril, mas o voo não foi retomado até hoje. Quinze dias depois, rotas para os Estados Unidos também foram suspensas e, no fim de março, a companhia praticamente não realizava mais viagens internacionais. 

Cadier lembra que, no início da crise, em fóruns que reuniam o setor, ele era visto como “terrorista”, porque costumava dizer que seriam necessários anos para as empresas se restabelecerem, enquanto muitos apostavam que em poucos meses a situação estaria resolvida. A expectativa “pessimista” do executivo não era à toa. Como cerca de 50% da operação da Latam era internacional, a companhia seria a mais impactada entre as que atuam no mercado doméstico brasileiro.

Além de reduzir a jornada e o salário dos tripulantes, a empresa - assim como suas concorrentes - começou a estacionar sua frota. A medida, porém, não se restringe a pousar o avião, mas envolve uma série de procedimentos que reduzem os gastos com manutenção. Todos os orifícios e sensores da aeronave são fechados para que, por exemplo, abelhas não façam colmeias no local. Sílica é colocada no interior do avião para reduzir a umidade e todo o óleo é drenado e substituído por outro que atua na preservação. 

Como, no pior momento da crise, a empresa operou com apenas 48 de seus 158 aviões brasileiros, mais de uma centena de aeronaves precisou passar por esse procedimento, e uma fila de jatos se formou. Também foi preciso negociar o valor do estacionamento para os aviões parados. Hoje, 40 aeronaves ainda estão nessa situação.

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Após registrar aumento de demanda no primeiro bimestre deste ano, Latam viu número de passageiros domésticos cair 93% em abril e maio Foto: Felipe Rau/Estadão - 9/7/2020

Enquanto a área operacional da empresa trabalhava na manutenção da frota, Cadier, no fim de março, se reunia em Brasília com o Ministério da Economia para apresentar o cenário e dizer que a companhia precisaria de ajuda. “Falamos que teríamos problemas sérios, porque a pandemia ia gerar uma crise de caixa, e as empresas não teriam condições de sobreviver se não tivessem acesso a crédito.”

Logo em seguida, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também começou a participar das negociações para estruturar um financiamento para as aéreas, e a possibilidade de esse recurso ser liberado fez com que a unidade brasileira do grupo Latam ficasse de fora do pedido de recuperação judicial (chapter 11) feito em Nova York em 26 de maio. Seis semanas depois, no entanto, com seu caixa minguando e sem avanços com o BNDES, que propunha um modelo de financiamento considerado caro, a Latam Brasil também entrou em recuperação judicial nos EUA.

“Não dava mais para esperar e a gente precisava colocar a Latam Brasil dentro do chapter 11 também para proteger a operação. O chapter 11 é um botão de pausa, de ‘eu sei que tenho dívidas, mas o fato é que não estou equilibrando meu fluxo de caixa’. Ele segura essa dívida do passado, para você operar de forma equilibrada, que é o que a gente tem feito”, destaca o executivo.

Conforme anunciado em julho, a expectativa é que a empresa saia do processo de recuperação até o fim de 2021, quando deverá ter conseguido refinanciar o empréstimo de US$ 2,4 bilhões que conseguiu levantar em 2020. Por enquanto, a recuperação caminha, na média, como os executivos do grupo esperavam, com a diferença de que os voos domésticos estão avançando mais rapidamente e os internacionais, mais lentamente. 

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Apesar da melhora na demanda, a empresa ainda tem um grande entrave pela frente. Ela pretende reduzir o salário de seus tripulantes de forma permanente e, como não consegue chegar a um acordo com o sindicato, o assunto está sendo mediado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Em meio à crise, a Latam Brasil já demitiu 2,7 mil tripulantes e outros 3,8 mil funcionários, mas, segundo Cadier, a redução no quadro de funcionários ainda não garantiu que a empresa se torne mais competitiva. Sendo a companhia que atua no mercado doméstico do País há mais tempo, ela paga remunerações até 30% superiores a de suas concorrentes. Para Cadier, não será possível sobreviver ao pós-pandemia assim.

Em agosto, funcionários da Latam protestaram no aeroporto de Guarulhos contra as demissões Foto: Divulgação/SNA

“O futuro da aviação, nos próximos anos, é de um excesso de capacidade e de queda na receita, porque o passageiro corporativo está viajando muito menos. Se já tinha uma briga muito grande para conquistar o cliente, que se refletia em uma agressividade de preços, essa briga vai aumentar. Quem não tiver custo para competir, não sobrevive”, destaca o executivo.

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Enquanto não fecha um acordo com os tripulantes, a empresa reduz gastos como pode. O fato de ter entrado em recuperação judicial permitiu que renegociasse o arrendamento das aeronaves com descontos de até 30%, segundo Cadier. A companhia ainda entregou seis andares de um prédio que alugava na zona sul de São Paulo e onde ficava a sede da empresa. Os 900 funcionários que atuavam no local foram divididos entre os escritórios no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e no centro de treinamento.

O retorno ao escritório na zona sul, mais luxuoso que os atuais, não está no radar mesmo após o fim da pandemia. “A covid está transformando absolutamente tudo nesse setor, e as companhias aéreas como eram no ano passado não sobrevivem no futuro. A dor da mudança é profunda, mas, se uma empresa não quebrar agora, pode quebrar daqui a dois anos. As companhias terão de voltar a acelerar, colocar avião para voar e precisarão de caixa. A entrada na crise foi violenta, mas a saída também não será óbvia”, diz o executivo. Para ele, maior digitalização e custos reduzidos serão essenciais.

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