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Jogo de expectativas no mercado entra em fase decisiva

A partir de amanhã, presidente eleito vai enfrentar testes decisivos que podem ajudar a restabelecer a confiança

Por Agencia Estado
Atualização:

A administração das expectativas do mercado entra amanhã na sua etapa decisiva: nos próximos dois meses, o presidente eleito, provavelmente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai enfrentar alguns testes decisivos, que poderão ajudar a restabelecer confiança dos investidores no País. Além do anúncio dos integrantes da equipe econômica, a primeira revisão do acordo com o FMI, prevista para novembro, e a renegociação do orçamento para 2003 vão indicar se o discurso de compromisso com a responsabilidade fiscal adotado na campanha será realmente uma prática administrativa. Na semana passada, a queda do dólar e a alta dos títulos da dívida e da Bolsa indicaram que os investidores deram ao menos o benefício da dúvida a um eventual governo do PT. O economista-chefe do BankBoston, José Antônio Pena, resume a expectativa do mercado, ao afirmar que o "próximo governo começa na segunda-feira". Para ele, isso significa que "todos os movimentos do eleito, do pronunciamento que deverá ser feito no domingo (hoje) às negociações com o FMI, serão fundamentais para definir a relação do mercado com o novo governo." Um dos momentos mais importantes dos próximos dois meses será a revisão do acordo com o FMI. O eleito terá um papel decisivo nas negociações, pois é ele que terá de cumprir o que for acertado. Há um consenso entre os analistas que o dinheiro do FMI é fundamental para o novo governo. O professor da USP Celso Martone, por exemplo, afirma que a manutenção do acordo com a instituição, que garante a liberação de US$ 24 bilhões no ano que vem, é pré-condição para qualquer cenário positivo que se trace para 2003. "Seria um suicídio eliminar essa âncora financeira." É muito provável que o FMI exija um aumento da meta de superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros) para o ano que vem, definida em 3,75% do PIB, uma vez que, desde que o acordo foi aprovado, em agosto, o dólar e os juros subiram. Em setembro, a relação dívida/PIB, que fechou 2001 em 53,3%, deve ter atingido cerca de 65% - o número oficial será divulgado nesta semana. Alguns analistas, como o diretor de Mercados Emergentes do Goldman Sachs em Nova York, Paulo Leme, entendem que o novo governo deveria se comprometer com um superávit de 5% do PIB. Um choque fiscal dessa magnitude poderia, na visão de Leme, restaurar a confiança e derrubar o risco país e o dólar. O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio da Tendências, no entanto, vê com ceticismo essa estratégia. Para ele, a rigidez do orçamento dificulta a obtenção de superávits desse porte. Ele considera viável algo pouco acima de 4%, mas entende que ir muito além disso não é uma boa idéia. "Me assustam promessas ambiciosas demais, que criem expectativas que poderão ser frustradas." Leme rebate essa tese, e acha que é possível - e necessário - cortar gastos. Ele considera crucial, por exemplo, que se ataque o problema da Previdência dos servidores, a "raiz estrutural do problema das contas públicas". Neste ano, o déficit da Previdência pública federal deve ficar em R$ 53 bilhões. O PT já afirmou que pretende fazer a reforma previdenciária no ano que vem, mas há muitas dúvidas quanto à viabilidade de uma mudança relevante nessa área, como afirma Martone. O professor da FGV Paulo Nogueira Batista Jr. entende que o novo governo não deve se precipitar e anunciar uma meta de superávit primário muito ousada. Primeiro, porque reduziria o poder de barganha com o FMI. "E acho que o eleito tem de analisar detidamente a situação fiscal do País, para verificar se um aumento do ajuste é viável". Batista Jr. afirma que, num momento em que a economia está quase parada, um superávit primário de 3,75% do PIB é significativo. "Além disso, aumentar o esforço fical com a economia estagnada pode jogar o País numa recessão." Pena entende que seria importante um aumento para 4% a 4,25% do PIB. Mais do que um grande esforço fiscal, seria um sinal de que o compromisso do novo governo com o equilíbrio das contas públicas é para valer. Loyola lembra que, além da meta fiscal, a atitude do novo governo em relação a temas como o aumento do salário mínimo e do funcionalismo será decisivo para a credibilidade do presidente. Para ele, o eleito tem de resistir às pressões para elevar fortemente o mímimo. Como tem repetido o senador eleito Aloizio Mercadante (PT-SP), cada real a mais no salário mínimo significa R$ 155 milhões a mais nas contas da Previdência. Esse é um dos motivos que farão o mercado acompanhar com atenção a renegociação do orçamento para 2003 - entre muitos outros itens, será discutido um novo valor para o mínimo. A proposta atual embute um aumento de 5,5%, para R$ 211. Loyola ressalta também a importância de evitar a renegociação da dívida dos Estados e municípios, algo que poderia afetar profundamente a melhora fiscal obtida nos últimos anos. Outra tarefa do novo presidente será tentar evitar a perda de receitas no ano que vem. Pena diz que as duas medidas mais importantes são impedir que a alíquota mais alta do Imposto de Renda para a Pessoa Física seja reduzida de 27,5% para 25%, o que provocaria uma perda de R$ 1,7 bilhão, e que a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) caia de 9% para 8% - nesse caso, a perda seria de R$ 1,1 bilhão. Sem esses recursos, a obtenção do superávit primário fica mais difícil. A vida do novo presidente, como se vê, não será fácil. "A situação brasileira não permite grandes malabarismos e piruetas", resume Loyola. Mas, se o caminho da responsabilidade fiscal for seguido, ele acredita que o novo governo conseguirá recuperar de fato a confiança dos investidores e, com isso, evitar opções traumáticas, como a inflação. O mercado também está ansioso para saber quem vai comandar o BC e o Ministério da Fazenda. O anúncio desses nomes pode ser um dos principais fatores para tranqüilizar os investidores. Mas o PT não tem dado mostras de que pretende anunciá-los rapidamente. As negociações para a votação do artigo 192 da Constituição, que abre espaço para a autonomia operacional do BC, também serão monitoradas de perto pelo mercado.

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