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Economia e outras histórias

Jogo de sintonia fina

Romper a inércia do fundo do poço requer fazer o ajuste e, ao mesmo tempo, crescer

Por José Paulo Kupfer
Atualização:

Os sinais ainda são difusos e o momento que antecede a viradas é mesmo difícil de capturar. Mas as dúvidas sobre a aproximação da economia na direção do fundo do poço estão cada vez menores. O resultado da variação do PIB no primeiro trimestre, divulgado pelo IBGE na semana passada, apontando queda menor do que a prevista, foi o indício mais convincente da mudança positiva de tendência.

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Mesmo que o segundo trimestre represente um dente na curva, já existe acordo de que a economia deve parar de cair ao longo do segundo semestre. No passo gradual característico, o Boletim Focus confirmou, ontem, o tom da mudança. Depois de um pico em fins de abril, as projeções para a retração do PIB em 2016, passaram a recuar a cada semana de maio e fecharam, nos primeiros dias de junho, em seguida ao anúncio dos números efetivos do primeiro trimestre, com reversão mais acentuada.

As previsões de retração chegaram a encostar em 4%, mas agora apontam recuo pouco acima de 3,5% em 2016 e crescimento pouco abaixo de 1% em 2017. A marcha das estimativas, no entanto, ainda deve se mover, a conta-gotas, até estabilizar mais perto de uma queda de 3% este ano e de uma expansão de 1,5% no ano que vem.

O combustível desse movimento de melhora gradativa e sem muito vigor vem da própria natureza cíclica do fenômeno econômico. É consequência do ajuste natural que acontece quando a atividade chega a uma combinação mínima de uso dos fatores de produção e, na prática, encontra barreiras a quedas ainda mais acentuadas. Trata-se, em resumo simplificado, de reação quase autônoma à ameaça de uma desorganização produtiva que, sem outros impulsos, tende a um estado de estagnação.

Romper com essa inércia é a tarefa para conseguir colocar a economia numa trajetória de expansão menos sujeita a retrocessos. Para isso, é preciso operar um jogo de sintonia muito fina, que consiste em recobrar a confiança na expansão da economia, atuando sobre os desequilíbrios das contas públicas, para estancar a trajetória explosiva da dívida pública, e, ao mesmo tempo, criando condições para que essa expansão se dê desde já, até como forma de facilitar a distribuição dos sacrifícios requerida pelo ajuste fiscal.

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Não é, com certeza, do mato do consumo das famílias que sairá o coelho da retomada. Além do desemprego em alta, que não dá espaço para ganhos de renda, a inadimplência ainda elevada compromete parcela significativa dessa mesma renda e, além disso, bloqueia tanto a procura quanto a oferta de crédito.

Também o impulso mais importante não deve vir do setor externo, embora sua contribuição para mitigar a contração da economia não seja desprezível. A rápida e forte correção da balança comercial, promovida pela taxa de câmbio e ainda puxada por commodities, vale em especial para a indústria, que começa a ser beneficiada com a melhora na competitividade de suas exportações e por substituição de importações.

Visto não haver hipótese de impulso pelo consumo do governo, o elemento capaz de viabilizar o relançamento da economia, em última análise, é o investimento e, em relação a ele, o manejo da taxa de juros tem papel crucial – com todas as restrições impostas por um eventual comportamento adverso da inflação, da dependência da efetividade do próprio ajuste fiscal e dos efeitos das decisões fora do controle doméstico da política monetária do Federal Reserve, nos Estados Unidos.

Uma perspectiva de redução do custo do dinheiro reforçaria os níveis de confiança necessários para acionar decisões de investimento e promover expansão da demanda agregada. Facilitaria também a modelagem das licitações de infraestrutura, um dos poucos departamentos em que a demanda não se encontra contraída.

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