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John Rodgerson, da Azul: 'Não estamos a cinco anos da vacina. Vejo luz no fim do túnel'

Segundo presidente da empresa, no melhor cenário, demanda voltará ao nível pré-crise em seis meses; o retorno da rentabilidade, porém, só deverá vir daqui a dois anos

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Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

Os primeiros alertas da gravidade da crise da covid-19 chegaram à Azul pela United Airlines, que detém 8% de participação da empresa. Em uma reunião do conselho de administração em 9 de março, o representante da companhia americana informou que, no exterior, a crise já era grave e que a United vinha sofrendo. Apesar do recado, a direção da Azul pensou que, no Brasil, dado o clima tropical, a situação poderia ser diferente.

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Três semanas depois, a receita da empresa caiu a quase zero e um evento que estava agendado para o fim de março, em que a Azul inauguraria um novo hangar em Campinas e anunciaria que havia sido eleita a melhor companhia aérea do mundo pela plataforma de viagens Tripadvisor, foi postergado.

“Gastamos dinheiro preparando um grande evento e, de repente, nem podíamos fazer a festa. Até agora, não fizemos a inauguração do hangar”, diz o presidente da empresa, John Rodgerson.

Rodgerson diz que executivos da Azul não cogitaram a possibilidade de pedir recuperação judicial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Quase simultaneamente à queda de receita, a empresa percebeu um número crescente de passageiros que tinham passagem comprada, mas não apareciam para o voo. A população começava a ficar com receio de sair de casa conforme acompanhava as notícias globais do avanço da pandemia e com o fechamento obrigatório de estabelecimentos não essenciais no Estado de São Paulo.

Para os funcionários da área administrativa, a Azul instaurou, então, um regime de home office, mas a diretoria continuou indo ao escritório para discutir as medidas necessárias parapreservar o caixa da empresa. No prédio em Barueri, na região metropolitana de São Paulo, em que costumam trabalhar 1.500 pessoas, houve dia em que eram apenas 13 funcionários - membros do comitê executivo, da área de recursos humanos e do planejamento de frota e malha. 

“Quando você trabalha numa crise assim, você tem altos e baixos. Lembro que um dia eu estava muito para baixo, e o Alex (Alexandre Malfitani, vice-presidente financeiro) veio falar comigo e dizer que íamos conseguir passar essa crise”, diz Rodgerson.

Logo, a companhia começou a negociar dívidas e pagamentos com credores, fornecedores e funcionários. “Nosso plano foi simples: todo mundo tem de ajudar. Se você depende da Azul na sua vida, terá de ajudar. Eu falei: ‘se você der prazo, vai receber 100% do que é devido, mas, se eu tiver de ir para recuperação judicial, você vai receber bem menos’.É o clássico sanguessuga: se todo mundo que depende da gente tira todo nosso sangue agora, vai morrer um mês depois.”

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Com os funcionários, o acordo foi que a maioria entraria em licença não remunerada. Dos 13,8 mil, 11,7 mil ficaram sem trabalhar e sem receber por pelo menos um mês. A empresa não informa quantos ainda estão nessa situação nem quantos foram demitidos.

A companhia contratou o escritório Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados, que havia assessorado a Avianca Brasil em sua recuperação judicial, para discutir pagamentos e prazos com as arrendadoras de aviões. Para negociar com bancos, chamou o Pinheiro Neto Advogados.

Azul foi a empresa que teve menor redução dedemanda em abril; ainda assim, queda foi de 91%. Gol e Latam registraram recuos de 93% Foto: Werther Santana/Estadão - 31/3/2020

Fontes afirmam que, à época, foi colocada à mesa a possibilidade de a empresa pedir recuperação judicial. Rodgerson, no entanto, nega. "Nunca chegamos a falar sobre isso. O que nós fizemos foi contratar o advogado que tinha trabalhado para a Avianca, e isso ajudou a fecharmos as negociações que precisávamos, mas recuperação judicial nunca esteve em nossos planos”, afirma.

O pedido de recuperação judicial (chapter 11) da Latam nos Estados Unidos também favoreceu a Azul, segundo Rodgerson, ao fazer credores e fornecedores perceberem a gravidade da crise. Até o fato de o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não ter concedido um empréstimo ajudou a empresa.

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“Se eu tivesse recebido o dinheiro do BNDES, teria repassado para todo mundo. As negociações demoraram de tal forma que a gente desistiu. Nos EUA, o governo deu dinheiro para as empresas e o que aconteceu foi que os fornecedores acabaram ficando com aquele dinheiro. Nós conseguimos fechar bons acordos com os fornecedores e, por isso, não queimamos caixa no segundo trimestre.”

Ao perceber que os recursos do BNDES estavam demorando e com o mercado financeiro se recuperando, a Azul começou a conversar com investidores em agosto e, em novembro, captou R$ 1,7 bilhão emitindo debêntures conversíveis em ações. A injeção de capital veio pouco depois de a empresa sentir os primeiros sinais de uma melhora mais concreta no setor.

“No feriado de 7 de setembro, o brasileiro ficou livre. Os paulistanos começaram a alugar casas na Bahia. Eles falaram: ‘não posso ficar trancado em um apartamento em São Paulo por mais tempo. Se todo mundo vai para o litoral, por que não posso ir para o Nordeste?’”, diz o executivo. 

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Com recurso em caixa e verificando a melhora na demanda, a companhia encerrou, em dezembro, o acordo que previa a redução de salário e jornadas dos tripulantes até o fim de 2021. A Azul trabalha com um cenário de que, mesmo com o crescente contágio do coronavírus, a demanda vai continuar até fevereiro. Entre março e maio, pode haver um arrefecimento, mas, a partir de junho, a situação deve voltar a melhorar conforme a população for sendo vacinada. 

“Não estamos a cinco anos de uma vacina. Estamos falando de meses. Estou vendo luz no fim do túnel”, destaca Rodgerson.

Segundo ele, no cenário mais otimista, a demanda estará no mesmo nível do pré-covid em julho; no mais pessimista, em dezembro de 2021. A rentabilidade que se tinha antes da crise, porém, deve vir apenas no fim de 2022.