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'Não vou me surpreender se tivermos estagnação em 2022', diz ex-diretor do BC

Para o economista José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central e sócio da consultoria MCM, o risco fiscal após o drible no teto de gasto e o aperto dos juros dificultam ainda mais o crescimento econômico

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Por Márcia De Chiara
Atualização:

A sinalização dada pelo governo na semana passada de que vai furar o teto de gastos públicos deixou o Banco Central (BC) sozinho no combate à inflação.

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Sem a política fiscal como aliada, a autoridade monetária tem que ser mais agressiva na alta dos juros, o que vai pesar mais na atividade em 2022, segundo o economista José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV e sócio da consultoria MCM.

“Não vou me surpreender se tivermos uma estagnação econômica no ano de 2022. Ou seja, um crescimento muito perto de zero ou ligeiramente positivo ou talvez até pior do que isso”, afirma economista. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a decisão do BC de subir em 1,5 ponto porcentual a taxa básica?

Não há dúvida de que é o caminho disparado mais adequado. Se houver a continuidade dessa política, com mais dois aumentos de 150 pontos-base (1,5 ponto percentual) e um de 125, com a Selic chegando em 12% em março e mantida nesse patamar, poderemos acreditar que a inflação de 2022 ficará na vizinhança da meta de 3,5%. Na última segunda-feira, rodamos o modelo econométrico de projeção da MCM, levando essas hipóteses de mercado e chegamos a esse resultado.

Faria sentido ser mais agressivo na alta dos juros?

Não, porque o BC tem que tomar muito cuidado para ele próprio não ser causador de uma volatilidade excessiva no mercado. Sob o regime de metas de inflação, não há espaço para grandes choques de política monetária.

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Como o sr. vê hoje o processo inflacionário?

Os gargalos da produção, a interrupção das cadeias produtivas, todas as encrencas do lado da oferta no mundo vieram por causa da pandemia. Também do lado da demanda, é indiscutível que houve no mundo inteiro um desvio de consumo de serviços para o de bens, especialmente os duráveis, por conta da crise sanitária. No mundo inteiro, há uma reclamação consensual dos bancos centrais: a inflação veio com muita intensidade e principalmente tem se mostrado uma persistência muito grande.

José Júlio Senna, economista do Ibre/FGV e ex-diretor do Banco Central Foto: Werther Santana/ Estadão

E no Brasil?

No Brasil, o processo inflacionário tem se mostrado bastante complexo. Nós temos não apenas a inflação da pandemia, mas outras coisas: crise hídrica, problemas climáticos – ora seca, ora geada – e uma questão ligada ao risco-país, associada a preocupações de cunho político e fiscal. Com o risco-país em alta, o câmbio se deprecia. E o câmbio mexe com preços de mercadorias primárias, bens industriais, combustíveis e tudo mais. Lá fora é a inflação da pandemia. Aqui é algo mais complexo. Sendo assim, o BC não pode brincar em serviço.

O problema da inflação no Brasil é pior do que em outros países?

É pior, ainda mais com o sinal de abandono da regra fiscal fundamental dado pelo governo na semana passada. No Brasil, o combate à inflação precisa ser uma tarefa executada pelo governo como um todo, não apenas pelo BC.

O BC está sozinho no combate à inflação?

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Sim, esse é o problema. E com os acontecimentos da última semana, está mais sozinho ainda. Está tudo nas costas dele.

Quais são as implicações disso?

Essa não é a maneira mais eficiente de segurar o processo inflacionário. O ideal é que as ações sejam coordenadas: que o lado fiscal coopere com o lado monetário. A despeito de não estarmos diante da resposta ideal, não há alternativa: o BC não pode jogar a toalha. Se o ele jogar a toalha e não fizer o que fez, vamos adicionar à lista de problemas econômicos existentes uma inflação mais elevada em caráter permanente.

Além da falta de coordenação entre a política monetária e fiscal para combater a inflação, há outro mecanismo que não está funcionando neste momento?

Temos visto que o BC está perdendo o canal do câmbio para ajudar no combate à inflação. A partir de meados do ano, começamos a ter muito ruído sobre as questões políticas e fiscais. O risco-país começou a piorar e à medida que o ele sobe, a moeda nacional tende a se depreciar. Moral da história: o BC não tem podido contar com um dos canais mais importantes de transmissão da política monetária, que é o câmbio, por causa do risco político e fiscal.

Isso deixa o BC mais isolado nessa tarefa?

Para que o custo de combate à inflação – que sempre existe e é inevitável – seja o menor possível, o BC tem que contar com todos os canais de transmissão. Quando o BC tem do seu lado uma política fiscal que o ajude, o efeito do custo do combate à inflação para o nível de atividade tende a ser menor. Diante de o BC estar sozinho nessa batalha, os juros da política monetária têm de ser mais elevados do que precisariam ser. Como o juro de mercado responde ao que o BC faz e também à percepção dos agentes do risco político e fiscal, hoje ele está muito alto, acima de 5% ao ano. Em prazos mais longos, chega perto de 6%. Com isso, fatalmente a atividade sofrerá. Não vou me surpreender se tivermos uma estagnação econômica em 2022. Ou seja, um crescimento muito perto de zero ou ligeiramente positivo ou talvez até pior do que isso. É o que espero para o ano que vem.

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