09 de setembro de 2021 | 05h00
As ameaças do presidente Jair Bolsonaro nos atos do 7 de Setembro foram um “ponto de virada”, no sentido de agravar a situação da economia brasileira, na avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995-1998) e sócio-fundador da consultoria MB Associados.
Em entrevista ao Estadão, ele afirma que a instabilidade política se soma a um quadro de piora dos indicadores econômicos, com uma inflação em alta, o desemprego elevado e a perspectiva de uma crise hídrica no radar de investidores, empresas e consumidores. Assim, as incertezas políticas afugentam os investimentos e provocam uma desaceleração do PIB. Mendonça de Barros não descarta até uma retração no último trimestre ou no ano que vem.
“O discurso radical não tem nada a ver com os problemas que o Brasil enfrenta, e deixa as pessoas e os empresários inseguros”, diz.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Não é exagero dizer que ontem (7 de setembro) foi um ponto de virada, na direção de piorar a situação. Há agora um casamento de uma piora do cenário econômico com uma óbvia piora do cenário político, que assumiu um tom até mais dramático do que na economia.
Por volta de maio, uma boa parte dos analistas do mercado estava otimista com o desempenho do Brasil neste ano, por causa da melhora dos indicadores fiscais. De lá para cá, as coisas pioraram de forma muito maior do que o esperado. Nós, na MB, que não éramos particularmente otimistas, também ficamos surpresos, porque ficou ainda pior.
A gente caminha para uma situação fiscal atrapalhada, agravada pela repetição do processo orçamentário maluco que temos hoje. Tem um Orçamento que foi para o Congresso em agosto e que não tem consistência. Vale uma nota de 3 reais e 50 centavos. E, de lá para cá, apareceram os precatórios. A situação fiscal é tudo menos o conforto que se dizia. Em segundo lugar, a inflação, por razões conhecidas, foi muito pior. A projeção em maio era de 6% para 2021 e, agora, está acima de 8%. Em terceiro, como consequência, o Banco Central continua correndo atrás da curva (de juros), como se diz no mercado. E entrou também no cenário algo que se podia perceber em maio, mas não na dimensão como de hoje, que é a crise hídrica. Uma parte dessa crise se reflete em aumento de tarifa, com piora para a inflação, e outra parte indica um risco sério de ter apagão no fim do ano. As projeções mostram que o nível das represas será inferior a 10% no fim do ano. Quando se chega a isso, algumas plantas precisam parar de produzir. Obviamente, o cenário piorou. Mesmo os mais otimistas para este ano projetam um crescimento muito modesto do PIB para o ano que vem. Em cima disso, há a radicalização da política.
São duas. A primeira em si é o aumento das incertezas. Começa a ter discursos antidemocráticos de um presidente que tem 25% de apoio, e gera um grau de incerteza fenomenal. Ao mesmo tempo, a própria situação econômica e, portanto, também a do governo piora. E há um desembarque enorme de boa parte do PIB e de players importantes de todas as naturezas. O desembarque demorou para acontecer, mas agora é irreversível.
Sim. E isso se manifesta de diversas formas. Alguns falam apenas reservadamente. Mas tem uma perda de apoio ao governo e uma busca por alternativas. Isso vai aumentar. O discurso radical, totalmente desligado da realidade, com pautas ideológicas que não têm nada a ver com os verdadeiros problemas do Brasil, só deixa as pessoas mais inseguras com o que vem pela frente. E estamos ainda a mais de um ano da eleição. E, finalmente, piora de forma dramática as chances de a pauta do Executivo na área econômica ser aprovada no Congresso. Deu um nó. Eu acho que não vai se aprovar mais nada. Em cima disso, a empresa que esperava a economia sair do buraco para voltar a crescer não vai mais poder contar com isso.
Sim. Ao contrário do que ocorre nos EUA e em países da Europa, o Brasil não tem e nem terá um aumento dos investimentos das empresas em meio a essas incertezas gigantescas. Já estamos vendo empresas postergando decisões de investimento e abertura de capital. Estamos saindo do buraco e desacelerando em direção ao fim do ano. Nessa situação, ampliar a incerteza política piora o desempenho econômico.
Sim. Mas tem de esperar um pouco para dizer. Já vemos indicadores do segundo semestre com sinal negativo. A indústria, por exemplo, que foi a puxadora da economia por meses, perdeu o gás. Vemos até a possibilidade de o PIB escorregar para uma pequena recessão no fim deste ano e começo do ano que vem. Porque passou o efeito base do primeiro semestre. Não se está comparando mais com a queda do ano passado, mas já com a recuperação. Lembrando que só a exportação está ajudando o crescimento, porque o consumo estagnou e vai seguir estagnado. A inflação subiu tanto, que descapitalizou todo mundo, e tem muitas famílias endividadas. Vai ser um problema para muita gente, infelizmente. A gente caminha para um fim de ano fraco e a situação política só reforça isso.
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