Joseph Safra: 'Os problemas do Brasil são complexos. O País é muito complicado'

Avesso à exposição pública, o banqueiro conversou duas vezes com a colunista do 'Estadão' Sonia Racy, a última delas em 2010; confira os principais trechos das entrevistas

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Por Redação
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Reservado e avesso a entrevistas, o banqueiro Joseph Safra, que morreu nesta quinta-feira, 10, aos 82 anos, abriu algumas exceções para a colunista do Estadão Sonia Racy. Em 2000 (até então ele só havia dado duas entrevistas em toda a vida), Safra contou sobre o processo de construção do império financeiro do qual estava à frente. Ele era da quarta geração de uma tradicional família de banqueiros, com origem na Síria.

Jacob, pai de Joseph, mudou-se para o Líbano depois da Primeira Guerra Mundial e abriu o Jacob Maison de Banque em Beirute. Emocionado ao relembrar a história da família, o banqueiro explicou que seu pai escolheu o Brasil para morar pois buscava um lugar seguro. “Meu pai pensava que era iminente uma terceira guerra mundial. Cansado de tanta guerra, quis então ir para um lugar onde entendia que uma guerra não poderia atingi-lo, e escolheu o Brasil.”

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Na primeira entrevista para Sonia Racy, em 2000, o banqueiro falou sobre os problemas do Brasil: 'Não é só acabar com a inflação'. Foto: Acervo Estadão

Questionado sobre os rumos nacionais naquela época, ele respondeu que o então presidente Fernando Henrique Cardoso estava fazendo um governo "coeso, bem dentro da linha que ele sempre pregou; acabou com a inflação do início". E fez uma avaliação mais ampla sobre o País: "Sem dúvida nenhuma, os problemas do Brasil são muito complexos e não é só acabar com a inflação. O País é muito complicado, com muita diferença entre norte e sul, muita diferença no Congresso. Eu acho que o presidente faz o que pode", afirmou.

Sobre a aversão a entrevistas, contou que a discrição é “condição essencial” para um bom desempenho profissional na sua ocupação. “Não gostamos de exposição. É uma coisa antiga dentro da família.”

Os problemas do Brasil são muito complexos e não é só acabar com a inflação. O País é muito complicado, com muita diferença entre norte e sul, muita diferença no Congresso.

Dez anos depois, quando ainda ocupava o terceiro lugar entre os brasileiros na tradicional lista dos bilionários globais da revista Forbes, com uma fortuna estimada em US$ 10 bilhões, Joseph Safra não hesitou em dizer que sua confiança no banco da família era do mesmo tamanho que a que tinha no Brasil, um país que o “recebeu de braços abertos”. Safra morreu no topo da lista, como homem mais rico do Brasil e o 63º do mundo. Segundo o ranking mais recente da revista Forbes, ele tinha um patrimônio de US$ 23,2 bilhões.

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Em 2010, Joseph Safra afirmou que confiança no banco era do mesmo tamanho que a que tinha no Brasil. Foto: Acervo Estadão

Em março de 2010, ele recebeu Sonia Racy para uma conversa em seu escritório no último andar da sede do Banco Safra, na Avenida Paulista, e falou sobre a crise financeira global iniciada em 2008, da economia brasileira e do setor bancário, do conflito no Oriente Médio, de religião e do Corinthians, time para o qual torcia - até frequentava estádios com os netos.

De poucas palavras, ao ser questionado sobre a crise que o mundo ainda enfrentava, limitou-se a dizer: “Ela vai se resolver”. “O mundo não vai acabar e as finanças internacionais já estão em processo de recuperação.” Disse ainda que o sistema financeiro brasileiro era “sólido e bem regulamentado” e a autoridade monetária “soube avaliar a extensão e os efeitos da crise”.

Sobre o futuro do Banco Safra, disse que o enxergava “tão sólido quanto foi no passado” - o início das atividades no Brasil foi em 1957. Segundo ele, o banco sempre se caracterizou como uma instituição financeira “bem controlada, ágil e conservadora”.

Safra ressaltou que acompanhava o trabalho dos filhos Jacob, Alberto e David na instituição e “estava certo de que continuariam seguindo a tradição de sucesso”. E falou com orgulho da única filha, Esther, que fundou a escola judaica Beit Yaacov, em São Paulo.

A história da humanidade tem mostrado que qualquer tipo de preconceito é inadmissível.

O libanês e brasileiro, “plural”, como se definiu, não deixou de falar também sobre o repúdio à intolerância religiosa. Sonia Racy descreve em seu texto que peças de arte do mundo inteiro decoravam o ambiente da entrevista, mas uma belíssima série de gravuras do Vaticano, de Raffaello, era “o que mais chamava a atenção”. “Sou judeu religioso, mas aceito todas as religiões”, justificou o banqueiro, que estudou, durante a Segunda Guerra, num colégio católico por dois anos, em Beirute (onde nasceu, em 1938, e viveu até os 13 anos). “A história da humanidade tem mostrado que qualquer tipo de preconceito é inadmissível”, acrescentou.

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Conhecido pelas ações filantrópicas, ele foi um dos maiores doadores dos hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, em São Paulo. “Representa muito e com o meu passado não poderia ser diferente”, disse Safra sobre o significado da filantropia na sua vida.