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Juro é arma contra freada global

Altas taxas reais (descontada a inflação) abrem grande espaço para reduções, se BC decidir estimular demanda

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Por Fernando Dantas
Atualização:

O Brasil entra com bala na agulha no forte ciclo de desaceleração global que se inicia. Com a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano, decidida ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), o País segue com uma das mais altas taxas básicas do mundo e um juro real (descontada a inflação) igualmente nas alturas. Assim, há amplo espaço para estimular a economia com a política monetária, isto é, reduzindo os juros. O limite para qualquer estratégia de estímulo à demanda é a alta do dólar, que pode provocar pressões inflacionárias mesmo com a economia em desaceleração. De outro lado, o anúncio de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano)estendeu ao Brasil um programa de troca (swap) de reais por dólares de US$ 30 bilhões aumenta o fôlego do BC para intervenções e ajuda na tentativa de estabilizar o câmbio. Mais bala na agulha, portanto. Supondo-se a manutenção do atual nível da Selic por 12 meses, o juro real da taxa básica, descontada a inflação projetada para esse período, é de 8%. Quando se toma o piso das taxas praticadas no mercado para os próximos 12 meses, o juro real sobe para 9,4%. O espaço para redução de juros, portanto, é enorme, comparado com os países ricos, em vários dos quais (como os Estados Unidos) a taxa real já está negativa. Soma-se a esse trunfo o nível elevado de depósitos compulsórios no sistema financeiro, mesmo depois das reduções dos recolhimentos obrigatórios decididas pelo BC. Embora sejam mais tipicamente um instrumento para prover liquidez, eles têm impacto no crédito e, portanto, na demanda. Segundo estimativas de Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, em relatório recente, os depósitos compulsórios totais, que somavam R$ 259,4 bilhões em agosto, tiveram redução - em razão das medidas do BC - de R$ 87,9 bilhões entre 24 de setembro e 13 de outubro. Assim, até aquela segunda data, ainda havia um potencial de liberação adicional de R$ 171,5 bilhões. Esse nível alto de depósitos compulsórios distingue o Brasil da maioria dos países. A alíquota brasileira regular de compulsório sobre depósitos à vista é de 50%. O levantamento do Credit Suisse mostra que o segundo maior compulsório sobre depósito à vista, numa lista de países relevantes, é o da China, com 17,5%. Vários países têm este compulsório zerado. Para o economista Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas no Rio (FGV-Rio), "a taxa básica de juros americana já foi cortada o que dá para cortar, já está abaixo da inflação". Ele observa que, se de fato a economia americana estiver entrando numa "crise keynesiana clássica", de carência de demanda efetiva, o instrumento que restou ao governo do país para estimular a atividade é a política fiscal expansionista. Joel Bogdanski, economista do Itaú, diz que "o Banco Central tem muitos instrumentos na mão, muita margem de manobra". Ele cita os juros altos e os depósitos compulsórios, mas acrescenta que a crise global pegou o País num momento bem diferente do ciclo econômico, quando comparado com EUA, Europa e Japão. Essas economias já vinham dando sinais de desaceleração mesmo antes da fase mais violenta da turbulência, após a concordata do Lehman Brothers, em setembro. Bogdanski nota que o Brasil vinha crescendo 6% ao ano até o segundo semestre de 2008 e havia até mesmo uma preocupação do Banco Central com as pressões inflacionárias derivadas do descompasso entre a demanda muito aquecida e a capacidade da economia de ofertar produtos e serviços. "Nós vivíamos quase em outro planeta", diz o economista. Ele ressalva, porém, que esse quadro mudou quando o Brasil foi pego de surpresa, a partir da quebra do Lehman, pelo corte das linhas internacionais, o que provocou um congestionamento de crédito no mercado doméstico - na prática, um freio na economia similar ao provocado pela alta da Selic.

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