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Justiça já dá parecer favorável a vítimas de atrasos

Em abril, a Justiça de São Paulo condenou duas construtoras a ressarcirem clientes por não entregarem os imóveis no prazo

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Casado e com dois filhos, Marcos, de 41 anos, decidiu em 2008 que estava na hora de deixar a casa da mãe. Para apartar as brigas entre nora e sogra, comprou um apartamento em outro bairro de São Paulo e fez planos para se mudar em novembro do ano seguinte. Mas o projeto de apaziguar a família teve de ser adiado pelo boom imobiliário, do qual Marcos, a mulher e os filhos acabaram virando vítimas.

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Por problemas de gestão, falta de mão de obra e de materiais, o imóvel comprado por ele está com previsão de entrega para setembro de 2011: quase dois anos de atraso. Há duas semanas, a Justiça decidiu, em primeira instância, que o caso de Marcos merecia uma reparação e determinou que a incorporadora Ecoesfera, responsável pela obra, pagasse a ele uma indenização por danos morais e materiais, equivalente a mais de R$ 100 mil. A decisão é uma das primeiras a beneficiar as vítimas do chamado boom imobiliário.

Na sentença, o juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini exige da incorporadora o pagamento de 0,84% do valor do imóvel (R$ 213 mil) por mês de atraso até a entrega das chaves. A multa começa a valer em novembro de 2009, quando o empreendimento deveria ter sido concluído. Com isso, o juiz desconsiderou o prazo de seis meses garantido em contrato às construtoras para eventuais atrasos. "Apesar de estar previsto contratualmente, o atraso é incompreensível e inaceitável. Por isso, a Justiça ignorou o prazo de carência que resguarda a construtora", afirma Maria Inês Dolci, coordenadora institucional do Pro Teste. Ela aconselha os consumidores a tomarem providências judiciais assim que os 180 dias expirarem. "O comprador fica com a esperança de que o imóvel será entregue no mês seguinte e quando percebe já se passou mais de um ano", alerta.

Transtornos. No caso de Marcos, como compensação pelos danos morais, o juiz determinou que 20% do valor do imóvel sejam abatidos do saldo devedor. "Estamos satisfeitos com a decisão, mas o transtorno não tem preço", diz Marcos. Esse é um nome fictício porque o cliente beneficiado pela ação pediu para não ser identificado com medo de represália por parte de consumidores que também estão esperando pelo imóvel. Segundo ele, alguns compradores temem que a incorporadora vá a falência caso os atrasos sejam divulgados. "Mas todos estamos vivendo um absurdo. Na esperança de me mudar este ano, matriculei meus filhos numa escola mais próxima da nova casa: além de a mensalidade ser mais cara, continuamos longe da escola e gastando com deslocamento."

Em outra decisão, também de duas semanas atrás, a juíza Adriana Porto Mendes, condenou a construtora MVG, de Guarulhos, a indenizar em R$ 45 mil, um dos clientes que ainda espera para entrar no apartamento que deveria ter ficado pronto em dezembro de 2009. "Alguns dos moradores se mudaram em fevereiro, mas só vou quando tudo estiver no lugar", diz o cliente beneficiado pela Justiça, que também pediu para não ser identificado. "Eles estão vivendo numa obra e não num condomínio."

Procurada, a MVG não retornou às ligações da reportagem e a Ecoesfera informou, por e-mail, que "os contratos, na sua quase totalidade, foram renegociados com sucesso e todos os clientes informados do novo cronograma de entrega".

Decisões. Também chama a atenção outra manifestação recente da Justiça feita pelo juiz Danilo Mansoni Barioni, da 3.ª Vara Cível de São Paulo, num despacho anterior a uma sentença contra a Gafisa. Em resposta à defesa da construtora, que se compromete apenas a antecipar a vistoria das unidades, o juiz escreveu: "Noutras palavras, a ré diz que descumpriu o contrato, e para atenuar os transtornos decorrentes do descumprimento, vai tomar medidas que visem a atrasar um pouco menos. Seria cômico se não fosse triste".

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Para o advogado Marcelo Eduardo Tapai, que se dedica a ações de consumidores contra empresas do mercado imobiliário, as decisões são um sinal de como o judiciário está vendo os atrasos generalizados. "São três pareceres diferentes, de juízes diferentes, em fóruns diferentes, mas que demonstram uma harmonia da Justiça em torno dessa questão."

É justamente para evitar esses desgastes que as empresas estão estendendo os prazos das obras. Até o início da década de 90, o período de espera superava 48 meses, porque o caixa dependia da parcela dos clientes. Após o Plano Real, o prazo foi sendo reduzido até atingir, em 2001, ciclos inferiores a 24 meses. Agora, mesmo com tecnologias mais avançadas de construção, os atrasos obrigaram as incorporadoras a colocar o pé no freio.

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