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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Lá vem facada

Esse foi o recado do futuro superministro da Economia Paulo Guedes aos empresários do Sistema S

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Atualização:

“Tem de meter a faca no Sistema S” – avisou aos empresários o futuro superministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes. E deu a entender que as proporções da facada podem ser de 50%, ou podem ser menos, desde que os empresários colaborem.

O futuro secretário da Receita Federal do Ministério da Fazenda, professor Marcos Cintra, explicou que o objetivo é reduzir as alíquotas das contribuições ao Sistema S para, com isso, ajudar a reduzir os custos de contratação de pessoal e, dessa maneira, abrir espaço para aumento do emprego. Ninguém falou até agora em acabar com as distorções.

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Mas, antes, vamos aos antecedentes. O Sistema S é o nome do conjunto de serviços sociais administrados pelas instituições oficiais dos empresários, a maioria deles com inicial em S, daí o nome: Sesi, Senai, Sesc, Senar, Senae, Sest, Senat, Sebrae, Sescoop. Seu orçamento é alimentado pelas contribuições (de 0,2% a 2,5%, dependendo do setor) proporcionais ao tamanho da folha de pagamentos das empresas. Compõem um cestão 6,5 vezes maior do que a antiga contribuição sindical. 

Em geral, os serviços do Sistema S têm nível de excelência. É o que se pode dizer do Senai, do Sesi, do Sebrae e do Sesc. É à exibição dessa excelência que os empresários se apegam sempre que são ameaçados por avanços das autoridades ou, até mesmo, dos sindicatos nessa mesada: “Querem precarizar a qualidade desses serviços, justamente quando o País mais precisa de ensino e de treinamento”, argumentam.

Até agora, esse sistema vinha recebendo dos especialistas diferentes críticas. A primeira tem a ver com a falta de transparência na administração dos recursos que, afinal, são públicos, embora não passem pelo Orçamento da União, o que, por si só, pode ser considerado uma situação anômala. Os empresários sempre se recusaram a reconhecer a existência dessas caixas-pretas. Alegam que as demonstrações contábeis são divulgadas por meio da internet, que são submetidas à auditoria externa e ao crivo do Tribunal de Contas da União. Mas essas demonstrações nunca vêm acompanhadas dos pareceres técnicos dos auditores, condição necessária para avaliar o nível dessa transparência. Além disso, indício de que há coisa errada é o fato de que em maio de 2017 o Congresso solicitou ampla auditoria do Tribunal de Contas nas 229 principais unidades do sistema, o que envolve não apenas as demonstrações financeiras, mas desce a pormenores como condição dos aluguéis de imóveis, relação com fornecedores e contratos de exploração de restaurantes.

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Outra crítica é a de que boa parte dos recursos do Sistema S é desviada de sua finalidade original. Alguns exemplos deixam isso mais claro. O suntuoso edifício da Fiesp na avenida Paulista, em São Paulo, que abriga as entidades representativas da indústria do Estado, foi construído inteiramente com recursos do Sesi e do Senai. O Sesi sustenta ótimos times profissionais de voleibol e de basquete, alguns deles com atletas estrangeiros, atividades que nada têm a ver com seus objetivos originais. E o Sesc se notabilizou pelo patrocínio de grande número de shows artísticos e culturais, quase sempre de ótima qualidade, que, no entanto, também não têm a ver com a finalidade para o qual foi criado.

Outra ordem de críticas vêm da própria área empresarial. Observam que cursos, programas de treinamento e mesmo realização de espetáculos são tão fortemente subsidiados que fazem concorrência predatória a interessados em atuar nesses setores. 

Afora isso, essas instituições pagam generosas taxas de administração para entidades empresariais, recursos que depois são usados para financiar seus lobbies, sua atuação política ou, simplesmente, para cobrir viagens, serviços de hospedagem, distribuição de mordomias a gente do seu interesse, financiar eventos destinados a produzir contatos e relacionamentos de alto nível. Em 2016, essas entidades patronais receberam mais de R$ 1 bilhão em taxas de administração.

Tanto o futuro ministro da Economia como o futuro secretário de Política Tributária se limitaram a indicar que pretendem reduzir o bolão arrecadado, sem mesmo sugerir que o Tesouro quer abocanhar mais do que já abocanha. Se conseguirem apenas o que pretendem, perderão a oportunidade de corrigir essas e outras distorções. Se for isso, o que está errado no mais permanecerá errado no menos.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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