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Lendas urbanas tributárias

Modelo tributário da Carta de 1988 não foi responsável pelo caos, mas sim a sua gestão irresponsável

Por Clovis Panzarini
Atualização:

Complexo, injusto, ineficiente, ofensivo à competitividade, não transparente e juridicamente inseguro são alguns dos insultos repetidos como mantra para qualificar nosso sistema tributário. O diagnóstico é perfeito, mas as causas da doença muitas vezes se assentam em lendas urbanas, certificadas por renomados tributaristas, economistas e empresários. Vejamos algumas:

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1) “A elevada carga tributária (cerca de 34% do PIB) compromete a competitividade da economia brasileira.”  Nada mais falso. Não é a magnitude da carga tributária, mas a qualidade dos impostos e das administrações tributárias que ofende a competitividade da economia. Carga tributária elevada incomoda e reduz a renda disponível, mas um modelo tributário neutro, infenso à cumulatividade, gerido por administrações tributárias conscientes dos efeitos perversos do custo de conformidade, onera de forma isonômica – qualquer que seja sua magnitude – a produção nacional e a importada. E, nas vendas ao exterior, permite a desoneração plena do produto exportado, anulando o custo tributário interno no mercado internacional. As propostas de reforma em debate não objetivam a redução da carga tributária – o desastre fiscal do País não permite considerar essa hipótese –, mas sim a melhoria da qualidade do sistema.

2) “A Constituição de 1988, ao delegar aos Estados a competência para estabelecer as alíquotas internas do ICMS, abriu as portas da guerra fiscal.”

Outra lenda urbana. A munição da guerra fiscal não é a alíquota interna, é a interestadual, fixada por resolução do Senado. Ademais, não se faz guerra com a redução de alíquota, que, quanto maior, mais octanagem terá do combustível da guerra: ela é o agente transmissor do benefício espúrio para o Estado destinatário da mercadoria, que suporta o peso financeiro da guerra.

duas formas relevantes de promoção da guerra fiscal são: 1) concessão irregular de créditos simbólicos de ICMS ao contribuinte beneficiado, que, sem pagar, ou pagando apenas parte do imposto, transfere integralmente o crédito do ICMS ao destinatário interestadual; e 2) concessão de prazo absurdamente longo para o pagamento do ICMS incidente na operação interestadual, devolvido à vista ao destinatário. Guerra fiscal existe desde o início dos anos 1970 (programa Fundap-Porto de Vitória é um exemplo), e a regra nacional para concessões de benefícios fiscais é a mesma desde janeiro de 1975: Lei Complementar Federal (LCF) 24/75. É a desobediência a essa regra (a LCF 160/2017 perdoou tais desobediências), e não a própria regra, que promove a guerra. 3) “A complexidade do ICMS decorre da existência de 27 diferentes legislações estaduais.”

Outra conclusão míope. Fosse o ICMS um bom Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – sim, o ICMS é um IVA! – sem os garranchos da guerra fiscal e da substituição tributária (ST), a existência de 27 ou de 270 legislações em nada aumentaria a complexidade do modelo. Cada contribuinte se submeteria unicamente à legislação de seu Estado e suas obrigações, principal e acessórias, se ateriam às fronteiras de seu Estado. Claro que cada uma das filiais de empresas multiestaduais teria de obedecer à legislação local, como o fazem seus concorrentes em cada Estado. Não é o número de legislações que promove a complexidade, mas o desvirtuamento do ICMS com a guerra fiscal e a ST, que transformaram o ICMS neste indecifrável enigma. E, claro, a absurda complexidade de cada uma das 27 legislações estaduais.

É importante que a reforma avance na busca de um sistema funcional, simples e neutro para substituir o modelo tributário da Constituição de 1988, que não foi o responsável pelo caos, mas sim a sua gestão irresponsável ao longo das décadas.*ECONOMISTA, SÓCIO-DIRETOR DA CP CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA (CLOVIS@CPCONSULTORES.COM.BR), FOI COORDENADOR TRIBUTÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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