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Lento Retrocesso

Por Eduardo Yuki e Roberto Padovani
Atualização:

O ambiente econômico internacional tem sugerido que podemos assistir a um lento e gradual retrocesso na gestão econômica no Brasil. Há vários motivos para preocupação. Os próximos anos devem trazer um crescimento global medíocre. Há uma enorme dívida pública a ser paga nas economias desenvolvidas e as condições de renda e crédito continuam frágeis. Ao mesmo tempo, o País vem mostrando forte crescimento e atraindo capitais, apesar da piora nas contas externas. Como resultado, o dólar se mantém globalmente fraco e o real se fortalece ainda mais.Do ponto de vista do consumo doméstico, a apreciação cambial é uma boa notícia, na medida em que preserva o poder aquisitivo da população e estimula o crédito. Mas, por outro lado, é provável que a indústria pague a conta da festa. Com governo e famílias ávidos por consumir, as importações de bens e serviços devem continuar em alta. Considerando-se nossa baixa produtividade, resultante da carga tributária elevada, da falta de mão de obra qualificada e do caos logístico, a apreciação cambial tornará ainda mais intensa a concorrência internacional.Seria sensato, neste cenário, promover uma reforma do Estado. Com despesas correntes do governo menores, haveria espaço para mais investimentos públicos, menor carga tributária, juros mais baixos e câmbio menos apreciado. Com isso, as condições de produtividade e competitividade poderiam se elevar, reduzindo os danos gerados pelo câmbio. Ao mesmo tempo, a definição de um quadro regulatório de boa qualidade e estável teria o mérito de atrair parceiros privados para os investimentos em infraestrutura, elevando a competitividade local. Eventos como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e a exploração de novos campos de petróleo são um poderoso incentivo para criar as condições para maiores investimentos públicos e privados.Mas há uma chance de o País escolher a agenda errada e o Estado não ser reformado. Pelo contrário, os bancos públicos e as estatais podem continuar sendo reforçados, além de a política fiscal - agora não mais anticíclica - poder continuar a todo vapor. Isso porque a crise global recente e as bem-sucedidas medidas de estímulo fiscal adotadas fortaleceram a arriscada tese de que um Estado forte é fundamental para o crescimento econômico.Essa visão do papel do Estado na economia também tem sido reforçada pelo fato de a política fiscal não ser hoje um problema de solvência de dívida. É, de fato, pouco provável que o governo não tenha condições ou vontade de honrar a dívida pública. Com os investidores internacionais confiantes na capacidade de pagamento da dívida, como indica o historicamente baixo prêmio de risco do País e o fato de sermos grau de investimento, os gastos públicos em elevação representam um baixo risco de mercado e, portanto, econômico.Como resultado, os juros podem continuar elevados e o câmbio, apreciado. Neste caso, crescem as chances de que as questões de competitividade do País sejam tratadas como um problema de "erro" de gestão do Banco Central. Justamente por isso, a agenda econômica dos anos 80 pode ser tentadora: intervenções crescentes no mercado cambial, fechamento comercial e novos estímulos fiscais setoriais. A qualidade dos gastos públicos e o ambiente regulatório devem manter-se longe de qualquer debate, mesmo sendo claro que não temos portos, estradas, aeroportos e mão de obra suficientes para impulsionar o crescimento de longo prazo. O resultado, como já aprendemos no passado, é o baixo crescimento.Deste modo, a oportunidade que o mundo tem nos dado para sonharmos com taxas mais elevadas de crescimento pode se transformar em pesadelo. Não apenas poderemos ser lentos em superar os graves problemas de competitividade e infraestrutura, mas também é possível que a condução da política econômica se torne menos responsável e a reputação duramente construída nos últimos 15 anos seja a senha para um retrocesso na gestão econômica.RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA-CHEFE DO BNP PARIBAS ASSET MANAGEMENT E ESTRATEGISTA-CHEFE DO BANCO WESTLB

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