20 de outubro de 2013 | 08h21
Como, pelo regime de partilha da produção, que será inaugurado com a exploração do bloco de Libra, a Petrobras vai deter no mínimo 30% do consórcio que vencer o leilão de amanhã, a estatal também terá de pagar, no mínimo, o equivalente a 30% do bônus de assinatura do contrato. O bônus foi definido em R$ 15 bilhões, e a parcela da Petrobras será de pelo menos R$ 4,5 bilhões. "A companhia tem caixa para isso", disse Mantega.
Ao tirar qualquer possibilidade de o Tesouro auxiliar a Petrobras, o ministro da Fazenda sinaliza com um objetivo maior, que é o de melhorar a situação fiscal do País. Principal alvo das críticas de economistas, investidores internacionais e agências de rating, a política fiscal brasileira tem sofrido, entre outros aspectos, pelos recorrentes repasses bilionários de recursos do Tesouro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na entrevista ao Estado, Mantega informou pela primeira vez a quantia que o BNDES receberá do Tesouro em 2013 - serão R$ 35 bilhões, ao todo.
Assim, um empréstimo de R$ 20 bilhões do Tesouro para o BNDES será autorizado nos próximos dias, uma vez que uma primeira parcela de R$ 15 bilhões já foi transferida em junho, por meio de aumento de capital do banco.
Mantega também falou sobre os rumos da política fiscal, garantiu que o ano eleitoral de 2014 não vai alterar a condução da economia em Brasília, e arriscou que o Produto Interno Bruto (PIB) do ano que vem pode crescer 4% caso a economia mundial melhore de forma mais consistente.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Muito tem se falado que, dada a situação de caixa da Petrobras, por causa do congelamento do preço da gasolina e a obrigação de realizar investimentos, que o Tesouro Nacional poderia auxiliar a estatal no leilão de Libra. É verdade?
Mantega - Absolutamente não. O Tesouro não dará nem nunca deu ajuda para a Petrobras. Não cabe a ele fazer isso. O Tesouro não vai participar da operação de Libra, não tem por que participar. Na capitalização da empresa, em 2010, foi outra história. O governo vendeu 5 bilhões de barris à Petrobras, e ela nos pagou por isso, em exploração. Mas não haverá qualquer interferência do Tesouro no leilão de Libra.
Mas, com as dificuldades de caixa, a Petrobras terá condições de pagar pelo menos R$ 4,5 bilhões pelo bônus de assinatura do contrato? Isso se ela não superar os 30% de participação mínima, o que vai exigir ainda mais recursos...
Mantega - Claro que terá condições. A Petrobras tem caixa para isso, eu sei porque sou o presidente do conselho de administração da empresa. O caixa da Petrobras tem várias dezenas de bilhões de reais. Não vou dizer quanto porque isso é confidencial. Mas posso dizer que o caixa da Petrobras é semelhante ao de empresas do seu porte e magnitude. Ela tem caixa, e quando falta ela faz captações externas, para complementar as necessidades. Neste ano ela deve investir ao todo R$ 97 bilhões, e no primeiro semestre captou US$ 11 bilhões.
O leilão de Libra é muito criticado pela esquerda, porque ele representa a entrega do petróleo para multinacionais, e pela direita, que o considera estatizante, diante da participação obrigatória da Petrobras. Como o sr. vê?
Mantega - O leilão de Libra não é estatizante. Ele será fruto de uma parceria entre o setor publico e o privado, porque a Petrobras não tem o monopólio como tinha no passado. Ela tem 30%, pode ter até um pouco mais, e deverá se juntar a grupos privados para a exploração desse poço maravilhoso que é um dos mais rentáveis do mundo. Para nós é importante não só pelo bônus, mas porque ele vai provocar um volume de investimentos inéditos, US$ 180 bilhões em 35 anos. Nos primeiros 10 anos, R$ 80 bilhões. Vai causar um grande estímulo para a economia. Vai ter que construir navios, barcos... O Brasil vai ser um grande produtor. Tem um grande potencial que vai ser aproveitado pelos brasileiros.
Um reajuste no preço da gasolina não daria uma folga para a Petrobras? O controle do preço força a empresa a vender o combustível mais barato do que ela compra no exterior, certo?
Mantega - Não há política de controle de preços, mas sim de ajuste, algo que se dá ao longo do tempo. Quando o câmbio sobe, a Petrobras fica mais apertada, mas aí ele cai e isso dá uma aliviada. A gente sempre vem buscando aperfeiçoar esses modelos de preços. O câmbio foi a R$ 2,40 e em razão da crise na Síria, o preço do barril de petróleo também subiu. Mas agora o preço do barril caiu, e também a taxa de câmbio, então houve uma aproximação dos preços.
O sr. vem falando em mudança no papel e, principalmente, no tamanho do BNDES. Como será isso, e quando começará efetivamente?
Mantega - Temos desenvolvido o mercado de capitais, que a meu ver é a melhor fonte de financiamento das empresas. Desde, é claro, que a Selic não esteja em patamar elevado, como houve nas últimas décadas, porque ela inviabiliza o mercado de capitais. Então uma reforma importante que nós fizemos foi baixar a taxa, e isso permite que o mercado de capitais ganhe força. Temos criado novos produtos, como um mercado forte de debêntures e também de FIDCs. O movimento da Bovespa aumentou dez vezes de 2002 para cá. A essa altura o BNDES pode diminuir o seu raio de ação e se concentrar no seu básico, no seu ideal. Em infraestrutura ele estará presente, mas temos conversado com todos os bancos privados e eles vão entrar na infraestrutura também. Há uma evolução no papel dos bancos privados. Então, estamos caminhando muito na expansão do mercado de capitais, e o BNDES vai ficar para trás. Você acha que eu gosto de dar subsídio para o BNDES? Isso afeta o Tesouro e me dá uma dificuldade maior para fechar as contas, e para nós fechar as contas é fundamental.
Ainda assim, um novo aporte do Tesouro ao BNDES terá de ocorrer nos próximos dias, para completar as necessidades para o fim do ano...
Mantega - É verdade. Este ano vai chegar a R$ 35 bilhões, ao todo. Vamos seguir nossa trajetória de repasses menores, ano a ano. Foram R$ 100 bilhões em 2009, seguidos de R$ 80 bilhões em 2010, R$ 55 bilhões em 2011, e R$ 45 bilhões no ano passado. O BNDES deve ficar mais focado, e onde ele não for mais necessário, ele vai sair. Temos de dar condições do setor privado entrar.
O Brasil ainda precisa fazer superávit primário tão alto?
Mantega - Temos sempre de fazer esforço fiscal, tem de ser permanente. Temos de entregar um superávit que seja suficiente para estabilizar e reduzir a dívida pública. Mas há flutuações na economia ao longo do tempo. Tivemos uma flutuação em 2012 a partir de um benefício que demos na economia. Fizemos muitas desonerações e isso pesou na nossa arrecadação, é claro. Agora, é importante ou não desonerar a folha de pagamentos, a cesta básica e outros itens? Todo mundo não reclamava dos tributos no Brasil? Aí faço desonerações e passam a reclamar que o superávit primário não foi o mesmo.
O sr. é favorável à proposta do seu ex-secretário executivo Nelson Barbosa, de criar uma banda para o superávit primário?
Mantega - Sou tão favorável que ela já existe. A banda já está formalizada na LDO. Ela estipula que o superávit primário será de 3,1% do PIB, mas dele posso abater até determinado volume em investimentos e desonerações. Com isso, você sabe qual é a banda inferior e a banda superior da meta fiscal. Não é um sistema de banda? Já temos isso há muito tempo. Sempre estamos atentos à questão fiscal, aqui não tem moleza nem com a inflação nem com a política fiscal.
Essas medidas todas têm sido tomadas por causa dos alertas recentes das agências de classificação de risco, que ameaçam reduzir a nota do Brasil?
Mantega - Eu não fico olhando para elas, não é isso que pauta a nossa política econômica. Seria ridículo. Nós fazemos a mesma política fiscal de sempre. Em alguns momentos tivemos dificuldades, e elas foram por causa das desonerações. Nós demos uma desoneração de R$ 50 bilhões no ano passado. Os Estados e municípios também fizeram um esforço menor. A situação vai melhorar.
A meta fiscal então será maior em 2014 do que em 2013?
Mantega - Nós paramos de fazer desonerações, não haverá novas desonerações. O custo vai diminuir e a economia vai crescer mais, e quando ela cresce mais a arrecadação aumenta. Em 2012 a economia cresceu pouco, e minha arrecadação sofre quando crescemos apenas 0,9%. Agora vai crescer 2,5%, e continuamos em ritmo ascendente, então certamente 2014 será melhor em termos fiscais.
Dá para crescer mais que 3% no ano que vem?
Mantega - É claro que dá. Mesmo sem grande recuperação da economia mundial, o PIB vai crescer 3% no ano que vem, e se houver uma boa recuperação pode chegar a 4%.
Como o sr. vê o horizonte para a taxa de câmbio e o papel do Banco Central?
Mantega - O papel do BC é o de diminuir a volatilidade no mercado. O câmbio é flutuante, e ele deu sinais positivos nesse sentido. A turbulência arrefeceu, mas se o BC vai continuar ou não isso é assunto dele, não meu. Sei que aquele dólar a R$ 2,40 era um câmbio estressado. Espero que o mercado seja sábio e com a ajuda do BC deixe o câmbio em um patamar adequado.
A condução da política monetária e da política econômica como um todo pode mudar em 2014, por ser um ano eleitoral?
Mantega - A gestão da economia não vai mudar. Quero deixar isso muito claro: em 2010, por exemplo, nós subimos os juros. Se precisar, sobe. Este ano, que já é quase eleitoral, os juros estão subindo. O que tem de ser feito, mesmo que não seja algo popular, será feito. Não nos pautamos pelo ciclo eleitoral.
Se o BC precisar elevar a Selic para dois dígitos, como ele sinaliza que precisará, ele vai poder?
Mantega - Se ele precisar elevar, ele vai. Agora é preciso saber se ele quer elevar. O mercado é que está dizendo. Eu não vi o BC falar nada disso. Você viu o BC? Não confunda o BC com o mercado. Mas é claro que o BC tem a liberdade para fazer o que achar o necessário. (João Villaverde, Adriana Fernandes, Lu Aiko Otta e Marcelo Moraes)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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