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'Limpar nome' pode ficar mais caro

Projetos de lei que ampliam restrições para negativar devedores avançam no Congresso; cartórios podem ter receita extra de R$ 20 bi por ano

Foto do author Aline Bronzati
Por Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:

Antigos projetos de lei que ampliam para todo o Brasil as restrições para negativar devedores inadimplentes avançam no Congresso e podem reprimir ainda mais a oferta de crédito no País, em um momento em que os calotes estão em alta e longe de atingirem o seu ápice por causa da fraqueza da economia.

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Como as dívidas tendem a ser, a partir de então, protestadas, haverá ainda um encarecimento do custo para que o consumidor “limpe” seu nome, segundo especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Para os cartórios, esse quadro tem potencial de gerar receita extra anual de R$ 20 bilhões, conforme cálculo da Associação Nacional dos Birôs de Crédito (ANBC) feito para o Broadcast.

Tal montante virá, caso a lei que dificulta o nome sujo passe a vigorar em todo o Brasil, do bolso dos próprios consumidores, que terão de arcar com mais essa despesa além do pagamento em atraso, uma vez que, para bancos e empresas, não há custo para protestar títulos vencidos. A taxa pode variar de 15,89% a 21% do valor da dívida, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Caso o valor devido seja de R$ 200, por exemplo, o custo cartorário seria de R$ 31,79, considerando a menor taxa, mais R$ 10,37 se a pessoa quiser uma certidão negativa.

Paralisação. A Serasa suspende há mais de dois meses a negativação de inadimplentes Foto: Epitácio Pessoa|Estadão

Atualmente, proteger os consumidores das listas negras é o objetivo central de 11 matérias que tramitam no Congresso. Caso avancem, ao menos R$ 250 bilhões e, no pior cenário, R$ 430 bilhões podem deixar de ser emprestados no País caso a lei que dificulta negativar o nome de inadimplentes passe a vigorar em todo o território nacional, conforme parecer contratado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Boa parte das instituições financeiras e empresas ainda não recorreu ao protesto, mas segundo uma fonte do alto escalão de um grande banco, com as listas negras defasadas, não restará alternativa. Somente em São Paulo, onde as listas negras formadas por birôs como Serasa Experian e Boa Vista foram suspensas há mais de dois meses, 20 milhões de dívidas inadimplentes deixaram de ser negativadas, segundo cálculos das instituições. Antes, os devedores em atraso eram avisados pelos birôs via carta simples e negativados em paralelo.

Os projetos de lei em andamento, porém, estabelecem que previamente a isso, os inadimplentes sejam notificados por uma correspondência com aviso de recebimento (AR) que deve voltar assinada por quem a recebeu. Só depois, então, poderão negativar o consumidor em atraso.

Dos 11 projetos sobre o cadastro negativo nacional, dois deles, um de 2007 e outro de 2009, preocupam mais os bancos, uma vez que citam a necessidade da implantação do AR em todo o Brasil. O mais avançado, o PLC 85/09, do relator Romero Jucá (PMDB-RR), foi designado para a pauta no Senado há cerca de duas semanas na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA). Outro, o PL 496/07, de autoria do deputado Vinicius Carvalho (PT do B-RJ), aguarda a definição do relator e recebe emendas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, em cinco sessões, a partir de amanhã. Procurados, autores e relatores não responderam aos pedidos da reportagem.

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Cartórios. Na avaliação do vice-presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), Claudio Marçal Freire, esta receita extra avaliada pelo mercado em R$ 20 bilhões é uma "ilação que as empresas proprietárias dos cadastros de consumidores" estão fazendo. "Não sabemos a origem dos dados", ressalta. "Seja de onde for, é uma estimativa que não leva em conta as taxas resgatadas ao Estado, ao Poder Judiciário e às Procuradorias de Justiça e às Defensorias Públicas, além de todas as despesas de mais de 4 mil cartórios de protesto em todo o Brasil", afirma.

Para Freire, que também é secretário Geral do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil e da Seção São Paulo (IEPTB), a lei precisa ser analisada do ponto de vista do consumidor, já que possibilita a quitação da dívida antes da negativação. "O protesto é um instrumento legal e importante para dar publicidade ao devedor, diferente do que ocorre com a carta simples, em que o consumidor fica desprotegido, porque não existe a garantia da notificação."

Custo no crédito. Para que não afete a concessão de crédito, a Febraban estima aumento de até nove pontos porcentuais no custo de novos empréstimos, uma vez que a base de negativados é uma das estatísticas consideradas na análise de crédito. “A lei do AR foi feita com a melhor das intenções para ajudar os consumidores inadimplentes, mas na nossa avaliação não é necessária e tem impacto total negativo”, avalia o presidente da Febraban, Murilo Portugal. “Vai prejudicar o consumidor adimplente, inadimplente e quem concede crédito. Só os cartórios é que serão beneficiados”, acrescenta.

O presidente da Febraban, assim como os birôs, defende ainda que o volume de queixas em relação aos cadastros negativos é baixo. De acordo com o diretor jurídico da Boa Vista, Dirceu Gardel, representa 0,003% do total de reclamações. “Ao dificultar a negativação nas empresas de proteção ao crédito e incentivar o protesto em cartório, tornando mais burocrático e caro o processo de limpar o nome para o devedor, a nova lei paulista (que pode ser estendida a todo o Brasil) impede que o mercado saiba qual é o real risco de inadimplência do consumidor, colocando em risco o mercado de crédito”, destaca a ANBC.

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Já os órgãos de defesa do consumidor alegam que a negativação gera constrangimentos para os consumidores e, por isso, eles precisam ser informados antecipadamente. O Idec entende que tal garantia é necessária, mas admite que o AR não resolve todos os problemas. Segundo o gerente técnico do órgão, Carlos Thadeu de Oliveira, tanto no modelo atual, da carta simples, como no AR, o consumidor é impactado, sendo que o protesto em cartório é o mais oneroso.

“Os birôs estão perdendo mercado para os cartórios porque o lojista prefere protestar o consumidor – isso é de graça para ele – a usar os serviços dos birôs. Mas os birôs precisam oferecer algo mais atraente aos lojistas e baixar seus custos. Por isso, querem derrubar a exigência do AR”, avalia Oliveira, do Idec. “O debate, como sempre acontece no Brasil, está enviesado e cheio de interesses, menos o do consumidor.”

O Proteste apoia a exigência do envio da carta com AR aos inadimplentes a nível federal. Maria Inês Dolci, coordenadora institucional do órgão, diz que muitas pessoas ainda são surpreendidas ao terem seus nomes inseridos nas listas negras.

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No mesmo sentido, o Coletivo de Defesa do Consumidor argumenta que “a notificação prévia e a prova da existência de uma dívida somente tornarão as informações mais confiáveis e impedirão que se cometa injustiças, como nomes indevidamente cadastrados como inadimplentes e o constrangimento de se descobrir apenas na hora da compra que seu nome está sujo”.

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