PUBLICIDADE

Publicidade

Liquidez, greenspeak e capital de risco

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

Saudades de Alan Greenspan? O banqueiro central de maior sucesso do século 20, durante o tempo em que convencia seus pares de que os juros deveriam cuidar da recessão enquanto ele moldava as expectativas de inflação, criou também um patois, hoje conhecido como "greenspeak". Segundo o criador, trata-se de uma linguagem que "permite obscurecer de forma conveniente as respostas a perguntas que você sabe que não pode responder" (purposeful obfuscation to avoid certain questions that come out and you know can?t answer). De qual Greenspan o mundo terá saudade em 2008? Do habilidoso banqueiro central expansionista ou do lingüista? Precisa-se de algo mais para lidar com a ameaça dupla de inflação e recessão que está a caminho. Autoridades monetárias, menos charmosas do que o maestro, esforçam-se para lidar com a crise de liquidez bancária que se desdobra desde agosto. Entre baixar os juros com inflação crescente e manter os juros e conviver com os riscos derivados da iliquidez interbancária, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) parece ter encontrado um caminho: tentar moldar as curvas de juros, cujos formatos, que definem as diferenças (prêmios) entre as taxas de juros básicas nos diversos prazos, não dependem só deles. Esta estratégia costuma ser frustrante. Nesta semana, teve início uma nova etapa da operação de irrigação coordenada dos mercados, conforme prometido no dia 12 de dezembro. No dia 18 de dezembro, o Banco Central Europeu financiou 390 bancos privados à taxa fixa de 4,21% (50 pontos abaixo da Libor), injetando um total de 350 bilhões de euros, cerca do dobro do que estimava para fazer frente às necessidades de final do ano. Nos EUA, depois da maior flexibilização do redesconto e dos prazos de financiamento, ocorreu o leilão dos primeiros US$ 20 bilhões por um mês. Noventa e três bancos se candidataram aos fundos, com uma demanda virtual de US$ 61,6 bilhões. O resultado foi um custo de reservas de 4,65% ao ano, 40 pontos acima da taxa básica, mas abaixo da taxa de 4,75% que prevalece no redesconto normal, e principalmente abaixo do custo no mercado interbancário de reservas. Outros leilões se seguirão. Será suficiente para tirar os bancos da UTI e afastar os temores de uma crise de crédito de dimensões globais? Creio que não. Injeta-se soro na veia, mas não se sabe se ele chegará aos órgãos vitais. Pois não desentope os mercados interbancários bloqueados pela desconfiança, porque não resolve os problemas da exposição dos grandes bancos a créditos de qualidade duvidosa. Mercados de reservas continuam sobrecarregados pela falta de prudência dos bancos que financiavam a curtíssimo prazo operações de longa maturidade, não apenas relacionadas com derivativos de créditos imobiliários, mas também com o financiamento a fusões e aquisições e crédito ao consumidor. Com a virada do ciclo, prejuízos erodem a base de capital dos bancos. Diante das perdas sofridas por instituições respeitadas, ainda que não tão bem controladas quanto se supunha, as suspeitas de insolvência retardam o retorno à normalidade. A injeção coordenada de liquidez não garante a recomposição da base de capital dos bancos. Permanece, assim, o risco de contração drástica do crédito em 2008. O crescimento exagerado da oferta de crédito dos últimos anos foi alimentado pelo expansionismo monetário de Alan Greenspan e justificado pelo otimismo generalizado com a economia real, graças à onda extraordinária de crescimento com abertura comercial e financeira desde os anos 90. Uma combinação que resulta em maior inflação. A correção súbita provoca a recessão. O otimismo de muitos analistas repousa no sucesso das injeções de liquidez e na idéia de desacoplamento do crescimento mundial com relação aos EUA. Infelizmente, os canais de integração financeira mundial não justificam esses desdobramentos positivos. A contração de crédito requer mais do que empréstimos de emergência ou uma onda de greenspeak. A razão? Além de liquidez, os bancos precisam de capital para repor prejuízos e de tempo para recompor seus canais desmoralizados de controle interno. Os fantasmas da insolvência bancária poderiam ser afastados pelo socorro dos detentores de reservas abundantes, capazes e dispostos a oferecer capital de risco. Mas estes não parecem ser considerados sócios confiáveis pelos governos dos países atingidos pela crise bancária. Um obstáculo e tanto para quem tenta desarmar a bomba de retardo para os primeiros meses de 2008. *Dionísio Dias Carneiro, economista, professor do Iapuc, é diretor do Iepe/CdG

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.