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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Bolsonaro depende do câmbio nesta eleição para fazer frente à deterioração da renda e do emprego

Fluxo caudaloso de parvoíces do governo engorda todos os dias a lista de disparates que servirão de munição durante a campanha – e pode também ser motivo de nova escalada do dólar

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Atualização:

 H á trabalhos tão fáceis que chegam a ser difíceis. Imaginemos o militante de algum candidato da oposição encarregado de selecionar as frases que sintetizam os pensamentos mais esdrúxulos do presidente Bolsonaro. Será penoso listar tantas estultices. Mais do que por causa de ideias equivocadas, no entanto, a popularidade do governo está se arruinando por conta da exposição à chuva ácida da deterioração da renda e do emprego. O eleitor médio vota com o bolso.

Jair Bolsonaro, presidente da República; mais inflação significa queda da renda real e mais dificuldades para a reeleição do presidente Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

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E o bolso está furado. A massa de rendimentos habitualmente recebida, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), caiu 2,8% em termos reais no ano passado. A guerra na Ucrânia acirrou a pressão inflacionária, em especial sobre combustíveis e alimentos, itens que têm peso significativo nos índices de custo de vida. A expectativa do mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022 começou o ano com 4,98%, mas já estava em 5,65% na semana passada e deve subir mais com o aumento dos combustíveis. 

Mais inflação significa queda da renda real e mais dificuldades para a reeleição do presidente. O quadro só não é mais grave porque, contrariando novamente as previsões dos economistas, o câmbio derrete. Na virada do ano, a previsão da Pesquisa Focus era que o dólar fecharia o ano a R$ 5,60. A estimativa já caiu para R$ 5,40, mas a taxa hoje já ronda os R$ 5,00. 

Os economistas são particularmente ruins para prever o câmbio. Nos últimos 12 anos, o valor real do dólar foi, na média, 9,4% superior ao valor previsto um ano antes. Em geral, erra-se para baixo, o que não deve ser o caso em 2022 (como não foi em 2016). É fácil errar. Uma pequena alteração no humor dos grandes investidores internacionais pode deflagrar rodadas sucessivas de entrada de recursos. O mercado, já se disse, é um cardume de sardinhas. Lá fora, o Brasil é visto muitas vezes como uma economia que depende das commodities. Não é verdade, mas o preço das commodities subiu com a guerra, e os investidores, na falta de tempo para discussões acadêmicas, compram ativos brasileiros. Caso clássico de uma profecia autorrealizável.

A queda inesperada do dólar amortece o choque de preços, mas não é suficiente para conter o aumento da inflação esperada. Sem falar que o fluxo caudaloso de parvoíces do governo engorda todos os dias a lista de disparates que servirão de munição durante a campanha – e pode também ser motivo de nova escalada da moeda americana. A guerra da eleição depende da batalha do câmbio.

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* ECONOMISTA. FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA FGV-SP 

Opinião por Luís Eduardo Assis
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