Mais um PIB medíocre nos espera no fim do governo; leia análise

Mesmo que economia cresça 5% este ano, será, mais uma vez, um 'voo de galinha'

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Por Alexandre Calais
4 min de leitura

O gráfico trimestral da economia brasileira terá mais uma barrinha vermelha. O PIB do segundo trimestre do ano caiu 0,1%, enquanto os especialistas esperavam uma alta de 0,2%. Mais uma vez, efeito da pandemia do coronavírus. Mas o número negativo no trimestre nem chega a ser uma novidade. É uma tônica da economia brasileira já há bastante tempo - desde 2018, é o quarto trimestre com PIB em queda. Os "voos de galinha" são uma constante, e assim nós vamos acumulando décadas perdidas, desde os anos 1980 - de péssima lembrança -, com alguns intervalos de crescimento e esperança no meio.

O resultado divulgado nesta segunda-feira pelo IBGE não deve alterar muito as projeções de crescimento da economia para o ano. Por enquanto, o que se aponta é algo como 5% de aumento, um pouco mais, um pouco menos. Boa parte disso, porém, é efeito estatístico, a recuperação da queda de 4,1% no ano passado. As discussões, na verdade, já estão muito mais concentradas em 2022. O ano em que realmente saberíamos se a recuperação em 'V' alardeada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, teria realmente força para se sustentar.

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Não parece ser o caso. O Boletim Focus, do Banco Central, ilustra esse quadro. Em dezembro, a expectativa do mercado para o crescimento do PIB em 2022 era de 3,5%. No último boletim, esta semana, essa projeção já havia caído para 2%. E mesmo esse número já é considerado muito otimista. Para muitos analistas, o cenário mais factível é algo mais perto de 1%. E, a depender do desenrolar de algumas variáveis, não seria nem possível mais descartar uma queda do PIB.

O que aconteceu para essa deterioração das expectativas? A questão fiscal, sem dúvida, é um ponto fundamental. Há meses pairam no ar indicações de que o teto de gastos - a regra que limita o crescimento dos gastos do governo ao aumento da inflação - será rompido, de alguma forma. E o teto é a única âncora fiscal que resta, é o único indicativo de que o governo será responsável com o dinheiro que arrecada de cada um de nós. Se esse último dique se romper, a confiança, principalmente dos investidores externos, sofrerá um abalo difícil de se consertar.

Paulo Guedes alardeou uma recuperação em 'V', mas não parece ser o caso. Foto: Dida Sampaio/Estadão - 27/7/2021

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Nesse sentido, a antecipação do calendário eleitoral claramente não ajuda em nada. Temos um presidente há tempos em campanha aberta pela reeleição, apesar de faltar ainda bem mais de um ano para a votação. E o temor de todo mundo é como conciliar responsabilidade nos gastos públicos com a necessidade de benesses eleitorais capazes de reverter uma queda forte de popularidade, como a que vem sendo constatada. Não há fórmula mágica. 

A apresentação do projeto do Orçamento para o ano que vem mostra que as expectativas poderiam estar melhores. As contas apresentadas pelo próprio governo apontam que todos os gastos estariam contemplados, não fossem as necessidades eleitorais. Uma das obsessões do presidente é aumentar o valor do Bolsa Família, mas isso não cabe no Orçamento. Para cumprir essa vontade, só dando um jeitinho, como deixar para depois o pagamento de precatórios - desobedecendo, no fundo uma ordem judicial de pagamento de dívidas. É uma pedalada, que vai deixar um buraco ainda mais gigantesco nas contas para as próximas administrações. Um descontrole que poderia ser evitado.

Há uma tempestade perfeita no horizonte. A inflação, persistentemente alta, corrói a renda e prejudica, ainda mais, os mais pobres. Para combatê-la, o Banco Central sobe os juros, retirando o estímulo de uma economia já combalida. O desemprego segue em patamar muito alto, e, sem recuperação firme da economia, os empregos simplesmente não voltam. O cenário internacional começa a ficar um pouco mais turvo, com dúvidas sobre o ritmo da recuperação global. E temos agora entre nós uma crise hídrica que pode culminar num racionamento de energia. No final de quatro anos de governo, teremos acumulado mais um período de crescimento medíocre. E seguimos à espera de um projeto de País que consiga nos tirar dessa armadilha da qual, às vezes, temos a impressão de que nunca conseguiremos escapar.

*EDITOR-COORDENADOR DE ECONOMIA

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