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Mais uma crise

Por Roberto Rodrigues
Atualização:

O setor canavieiro vive um momento de grandes desafios. Analistas já vêm estudando esse cenário e o ponto que chama a atenção é a velha e recorrente falta de planejamento, tanto do setor público quanto do privado. A promessa de um mercado global para o etanol ainda não se materializou, apesar dos fortes investimentos feitos nas áreas agrícola e industrial. O fato real é que hoje o consumo do etanol ainda é sustentado pelo mercado interno, graças ao carro flex e aos preços muito baixos do produto em comparação com a gasolina. Enquanto países potencialmente consumidores não se abrem e os preços do etanol no mercado interno e do açúcar no mercado externo continuarem baixos, as usinas não terão os investimentos compensados e o seu endividamento trará reflexos dramáticos para toda a cadeia produtiva. Dentre esses reflexos, um dos piores é o preço da cana, que, em parte, é produzida por agricultores autônomos, os "fornecedores de cana". As usinas com dificuldades financeiras severas repassam seu problema a eles, deixando de pagá-los, mesmo aos preços vigentes, que mal empatam com os custos de produção fortemente aumentados neste ano pela elevação dos preços dos insumos principais. Não existe um mercado para cana-de-açúcar. Os fornecedores - que só podem vender para uma determinada usina que esteja a uma distância economicamente viável - não têm para quem repassar seu prejuízo, pois não vão deixar de pagar os serviços de corte, carregamento e transporte. E entram em inadimplência sem ter culpa alguma no processo, o que é, no mínimo, uma perversidade e uma injustiça. São vítimas de um modelo que precisa se modernizar, e com planejamento integrado. São milhares de produtores, de todos os tamanhos, que sofrem pela inadequada gestão de umas poucas unidades industriais. Essas, as ineptas, por sua vez, prejudicam as boas e eficientes usinas ao venderem sua produção a preços vis para resolver problemas emergenciais de caixa. E o setor todo vai se enfiando num grande buraco negro. É claro que é uma fase e vai passar. Mas, enquanto isso, muitos ficarão pelo caminho, castigados pela incompetência de poucos. É claro que o mercado vai se desenvolver. A segurança energética exigirá uma grande produção de biocombustíveis e evidencia o fato de que a produção de agroenergia é diferente da produção de alimentos, pois depende da relação fundamental entre sol, planta e solo, com tudo o que este contém (como nutrientes e água). Portanto, é nos países tropicais que a agroenergia se desenvolverá, inclusive com financiamento dos países ricos - grandes consumidores de biocombustível, bioeletricidade e de outras formas de energia de origem agrícola, o que pode mudar a geopolítica global de forma positiva. Também está claro que novas tecnologias, como inovações para modernizar o sistema de plantio, variedades de cana mais produtivas, o uso do bagaço e das folhas cruas resultantes da colheita mecanizada, novos processos industriais e melhores sistemas de transporte tornarão nosso etanol ainda mais competitivo. O Brasil deverá liderar uma fantástica mudança da matriz energética mundial, contribuindo decisivamente para mitigar o aquecimento global. Tudo isso será maravilhoso, mas temos de atravessar este difícil momento com ações concretas, inclusive do Estado, que pode financiar a estocagem do álcool e do açúcar, financiando o capital de giro das usinas e até mesmo dos fornecedores de cana por meio de suas cooperativas de crédito. Isso já aconteceu em crises anteriores e ajudou o setor a sair delas. O que não podemos mais é viver nestes altos e baixos. É necessário um grande planejamento para o futuro, em que se discuta o papel dos setores público e privado, definindo o modelo de produção, quem cuida de estocagem, logística, tecnologia, formação de recursos humanos, alcoolquímica e outras questões. Afinal, liderar a mudança da matriz energética mundial, reduzir o aquecimento global, gerar empregos, renda e riqueza nos países mais pobres, difundindo a paz e a democracia, são tarefas belíssimas e ciclópicas. Precisaremos de muito trabalho e entendimento entre todos os atores. *Roberto Rodrigues, professor do Departamento de Economia Rural da Unesp, co-chair da Comissão Interamericana do Etanol, foi ministro da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento

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