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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Mais uma proposta de reforma tributária

O projeto anunciado pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, despenca sobre a sociedade na hora errada e com a prioridade equivocada

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Atualização:

Há divergências até mesmo sobre se Judas deve ou não ser classificado como traidor. Mas não há discordância sobre o diagnóstico do sistema tributário brasileiro: é caótico, injusto e maluco.

A partir daí, também não há divergência sobre a necessidade de uma reforma que simplifique, desburocratize, desjudicialize o sistema e, ao mesmo tempo, reduza a asfixiante carga tributária brasileira.

Marcos Cintra, secretário nacional da Receita Federal e responsável pela proposta de reforma tributária do governo Foto: Dida Sampaio/Estadão

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E foi o que nesta quinta-feira anunciou o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, ele próprio um cruzado obcecado pelo imposto único. Trata-se, desta vez, de um plano de ampla envergadura que não só ataca a confusão do ICMS vigente no Brasil, mas que, também, unifica cinco impostos federais: PIS, Cofins, IPI, a parcela do IOF com fins arrecadatórios e, dependendo não se sabe ainda do quê, a CSLL.

O problema está na maneira como essa proposta “para já” está sendo feita. Ela despenca sobre a sociedade na hora errada e com a prioridade errada, como a atitude do casal que decide tratar do divórcio, ainda que inevitável, no dia do casamento da filha.

O governo já tem pela frente uma agenda tremendamente tumultuada, a do projeto de reforma da Previdência, que vai demandar enorme capacidade de foco e de articulação política. Tanto é assim que até mesmo o anúncio do também necessário projeto anticrime do ministro Sergio Moro em janeiro foi considerado inoportuno porque criou nova e desnecessária zona de tumulto político na Câmara.

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Essa ampla reforma tributária, que o secretário quer ver fechada ainda neste semestre, vai mexer com Deus e o diabo. Como o próprio Marcos Cintra avisou em entrevista ao Estado, implicará todas as formas de pagamento da população, das empresas e das instituições; envolverá todas as formas de renda do País; e exigirá ampla e minuciosa negociação com políticos, administradores públicos e privados.

Antes mesmo das eleições em segundo turno, o então futuro secretário da Receita havia trazido à tona a recriação da CPMF e, nisso, foi prontamente desmentido pelo então candidato Bolsonaro. A nova proposta chega numa hora ainda mais imprópria.

Independentemente do conteúdo do pacote detalhado por Marcos Cintra, cabem outras observações.

Não ficaram claras nem a natureza nem a forma de cobrança desse imposto unificado que pretende ser um inédito Imposto sobre Pagamentos. Desta vez, o secretário da Receita parece não beber do vinho favorito, o da velha CPMF, pois fala em tributo agregado, como é hoje o ICMS, que gera créditos sucessivos à medida que é recolhido em cada etapa da produção. Mas não é prático adotar esse sistema de créditos quando se trata de pessoas físicas. Imagine a trabalheira que o consumidor teria para juntar um montão de notas fiscais e tíquetes de cartão para cobrar créditos ao fim de cada mês.

Outra observação tem a ver com outra intenção da reforma, a de alcançar as atividades econômicas digitais e/ou informais, que hoje escapam da tributação. Não parece que esse objetivo possa ser atingido unilateralmente, sem certa coordenação internacional. Não se trata apenas de coibir a economia paralela, a sonegação, a lavagem de dinheiro e o crime organizado. Trata-se de coordenar a adoção de um sistema global (ou até mesmo regional) que permita a caracterização de fatos geradores de tributos sobre negociação de mercadorias e serviços online, feita “na nuvem”, sem definição nem de origem nem de destino. Montar um sistema tipo jabuticaba, que só funcione no Brasil (se é que funcionará), além de perda de energia política, parece pouco realista.

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Também não faz sentido pretender a aprovação a toque de caixa de matéria de tamanha importância. Desde meados dos anos 70, quando foi colocado em prática o atual sistema, fala-se em reforma tributária. E, no entanto, até mesmo projetos muito bem elaborados acabam enroscados em alguma repartição pública. De todo modo, alguém tem mesmo de enfrentar essa encrenca. Mas, como dizia Santo Agostinho, “dai-me a Castidade, Senhor, mas não agora”.

Outra questão tem a ver com o outro objetivo da reforma tributária no Brasil: o da redução da carga. Não basta ampliar o universo tributável e criar um sistema de ganchos e de alçapões com o qual a Receita possa capturar a sonegação, a elisão tributária, os descaminhos ou o que seja. É preciso garantir também a redução do tamanho do Estado, cujo agigantamento foi a principal causa do aumento sufocante da nossa carga tributária.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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