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Malan responde às críticas e cobra credibilidade ao PT

Por Agencia Estado
Atualização:

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, entrevistado na noite passada no programa Roda Viva, da TV Cultura, usou de seu habitual didatismo para responder às críticas feitas pela oposição à política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso, comparou dados do que era o Brasil antes do Plano Real com os de hoje, e explicou que, quando da crise do México, em 95, se o Brasil tivesse desvalorizado sua moeda, o Plano Real teria o mesmo destino dos planos anteriores. Ele cobrou credibilidade para o discurso atual do candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, minimizou suas divergências com José Serra e, embora se recusasse a declarar seu voto no candidato tucano, sob a alegação de que "o voto é secreto", elogiou-lhe a competência e deixou subentendido que o ex-ministro da Saúde é a melhor opção para o Brasil nos próximos anos. O ministro concordou com as críticas feitas pelo presidente Fernando Henrique ao protecionismo adotado pelo governo Bush, mas sublinhou que o Brasil não deve "demonizar" os Estados Unidos, entre outros motivos pelo fato de se tratar do maior parceiro comercial do mundo contemporâneo. Manifestou sua certeza de que, passadas as turbulências atuais, a taxa de juros voltará a cair, mas não deixou claro se isso irá ocorrer já a partir de amanhã, quando da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central). E deu o seguinte recado: "A opinião pública brasileira não permitirá que futuros governos tragam, ainda sem o saber, a inflação de volta". A seguir, trechos textuais de sua entrevista: Contradições petistas "Todas as leis, numa democracia, em princípio são passíveis de aperfeiçoamento. O PT, quanto à Lei de Responsabilidade Fiscal, tem uma posição que se apresenta, agora, à décima terceira batida do relógio, como sendo de total e absoluto respeito à lei, o que é contraditado pela experiência do próprio partido. Me refiro especificamente ao principal partido da oposição. A sua posição no Congresso Nacional, quando da votação da lei, à diferença da posição do PDT e do PPS, foi de levantar inúmeras questões e questionar o seu significado e o seu espírito. É um partido que entrou com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, contra vários aspectos da lei. E é um partido que tem um texto aprovado por seu diretório nacional, em dezembro de 2000, que dizia o seguinte: ?a Lei de Responsabilidade Fiscal precisa ser radicalmente modificada?, e dizia porquê, e um porquê equivocado: porque a suposta responsabilidade fiscal ´não pode ser um preço para a irresponsabilidade social´. Isso como se as duas coisas fossem incompatíveis, que fosse impossível, na prática, compatibilizar as duas coisas. E o texto dizia mais: que essa postura (contra a LRF) ´é fundamental para o sucesso da nossa campanha em 2002?. Há muito debate ainda pela frente, mas essa questão deveria ficar um pouco mais esclarecida. É um caso típico de dissociação entre um discurso mais voltado para a proximidade do processo eleitoral e o que foi a prática, no Congresso, no Judiciário, e em vários documentos internos do partido, aprovados por seus órgãos dirigentes que, como diz o artigo 209 do seu estatuto, devem ser acatados por todos os seus membros. Eu presumo que, em algum momento, haverá uma decisão da Executiva Nacional, do Diretório Nacional, dizendo: ´olha, nós mudamos de opinião´. E não tem nada ruim mudar de opinião. É uma coisa boa, especialmente quando na direção correta?. Relações com os EUA "Eu acho que o Brasil, quem quer que seja o governante eleito, deverá continuar fazendo isso que é parte de uma visão que não é de governo, é de Estado. (...) O Brasil fez uma profunda reestruturação do seu setor siderúrgico há dez anos. Reduziu de 32 para 12 o número de empresas, perdeu 68 mil postos de trabalho, investiu 10 bilhões de dólares na modernização tecnológica; é o setor siderúrgico mais produtivo do mundo e é inaceitável que sejamos impedidos de ter acesso ao mercado americano nesse setor. (...) Mas essa posição de busca de inimigos externos é estéril. Normalmente os inimigos estão dentro. Essa idéia de que uma grande mobilização nacional, enrolar-se na bandeira porque se identificou um inimigo externo que deve ser combatido, não é uma coisa que eu acho que sirva aos interesses de médio e longo prazo do País. O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia deu uma entrevista (ao Estadão) neste fim de semana, em que ele chama a atenção para os cuidados que se deve ter em tentar caracterizar, seja um país, seja uma instituição, como o Grande Satã, o inimigo externo que deve ser combatido e contra o qual se deve mobilizar as forças políticas domésticas. O fato é o seguinte: os Estados Unidos importam quase duas vezes e meia o PIB brasileiro por ano. um trilhão e 300 bilhões de dólares são importados por ano. Portanto, é fundamental manter a perspectiva de acesso ao mercado americano. Nós temos problemas em suco de laranja, em têxteis, em algodão, em etanol, que estamos sendo impedidos de exportar, e nós somos extremamente competitivos aí; agora em aço, vamos ter problemas em agricultura (com o Farm Bill), mas não devemos perder de vista que, a médio e longo prazos, nós temos que continuar mantendo relações comerciais com os Estados Unidos. E diga-se de passagem que o protecionismo não é só lá?. Defesa do que foi feito "Defender o que este governo fez significa saber as circunstâncias em que começou a operar. A maioria dos jovens não tem memória da situação pretérita entre nós. Não tem memória de que, entre 1981 e 1992, nós tivemos sete anos de queda do PIB per capita no Brasil; não tem memória de que a inflação era menos de 100% (ao ano) e passou para uma hiperinflação de 5.000% nos 12 meses que antecederam o lançamento do Real; não tem lembrança de que o setor público estava falido; não tem lembrança de que uma boa parte do setor financeiro estadual, instituições financeiras federais e parte do setor privado não tinham a menor condição de sobreviver a um período de baixa inflação. Não tinham idéia de que o Brasil estava com sua credibilidade internacional lá em baixo, por conta da moratória de 1987". Coletânea de diatribes Então, parece, em algumas dessas análises, principalmente essas que são coletâneas de diatribes assim desorganizadas, contra tudo de ruim que ainda existe no Brasil, que tudo ia bem, no melhor dos mundos e, de repente, não mais que de repente, eis senão quando, chega o governo Fernando Henrique Cardoso e tem um comportamento que não parece razoável, porque todo mundo gostaria de crescer a 8%, 9%, 10% ao ano, com uma inflação zero, com exportações crescendo a 20% ao ano, não me parece uma crítica razoável. Toda crítica tem que partir das circunstâncias em que o governo começa a funcionar". Aumento da dívida "Essa questão do aumento da dívida, e as pessoas fazem confusão entre dívida externa e a dívida do setor público consolidado, governo federal, estados. municípios e empresas estatais, e a dívida mobiliária do governo federal. A dívida externa, depois de muita discussão, felizmente, aparentemente, alguns (da oposição) começam a dizer que não é um problema, o que nós já dizíamos há tempo. Agora, timidamente, alguns começam a dizer que ela é perfeitamente administrável, que não é um problema, que a dívida (externa) privada é uma dívida de grandes empresas privadas brasileiras e internacionais operando no Brasil. É uma estultice dizer que tem que renegociar essa dívida, para beneficiar grandes empresas privadas brasileiras e estrangeiras operando no Brasil. A dívida pública externa é de 90 bilhões de dólares. Não tem mais dívida de curto prazo. É tudo superior a um, dois, três até trinta anos. Na verdade, em termos líquidos, se você descontar as reservas internacionais, ela é 12% do PIB". Sem ingenuidade "Eu acho que é um erro esse tipo de análise que diz: olha, as coisas mudaram tanto, se consolidaram de tal forma, que não há possibilidade de acontecer nada de errado com a economia brasileira, independentemente do que farão os futuros governantes, porque em nenhum país do mundo é assim. Futuros governos podem fazer descarrilar determinado. Não quero entrar em detalhes, porque sempre haverá um amplo espaço para o debate político, para a divergência. Mas o rumo definido como o mínimo de estabilidade macroeconômica, responsabilidade fiscal, não a da retórica, mas responsabilidade fiscal com tudo aquilo que ela significa, compromisso com a inflação sob controle, não o da retórica passageira nos meses que antecedem a eleição, mas o compromisso com tudo aquilo que ela significa". Distribuição de renda "O Índice Gini (usado para medir a distribuição de renda entre uma população) encobre tanto quanto revela. Vou dar uma ilustração apenas: (nome inaudível), Prêmio Nobel da Economia, um dos maiores estudiosos do mundo dessa questão, tem um trabalho recente, que é uma comparação entre China e Índia. Ele mostra que o Índice Gini da Índia é maior do que o da China, no sentido de que a renda na Índia é mais bem distribuída, de acordo com os índices agregados, do que na China. Só que ele aprofunda a discussão e pede a atenção para uma série de outros indicadores sociais, como taxa de alfabetização, grau de universalização de acesso à escola primária, secundária e universitária, mortalidade infantil, mortalidade materna, e chega à conclusão de que a China está melhor do que a Índia, apesar do Gini ser pior. Na verdade, o Gini na China piorou na última década, ficou mais desigual por conta do tipo de desenvolvimento que experimentou". Visão caolha "Aqui no Brasil, eu acho que é triste observar que há pessoas que só olham o Gini e fazem questão de ignorar as outras mudanças numa série de indicadores sociais, nos quais o Brasil teve movimentos, na década dos 90, superiores à média de outros países de desenvolvimento relativo. O Banco Mundial acabou de fazer um trabalho que compara o que aconteceu de mudança no Brasil na década de 90 e no ano 2000. Mortalidade infantil, mortalidade materna, redução de analfabetismo, acesso ao ensino fundamental, no Brasil, essas mudanças foram superiores às observadas nos outros países da mesma categoria. Isso serve para mostrar o equívoco dessa visão de que responsabilidade fiscal é incompatível com responsabilidade social. Nenhum governo na história deste País destinou um porcentual tão elevado de recursos de custeio e investimento do governo federal para a área social. Nenhum. E os resultados aparecem nos indicadores da educação, da saúde..." Lengalenga "E, no entanto, essas pessoas pretendem ignorar, a repetir a mesma ladainha, a mesma lengalenga do (índice) Gini, que não piorou, melhorou na margem. E digo mais: quem quer que seja o presidente eleito, daqui a quatro anos o Gini estará provavelmente onde está hoje. Isso é trabalho não de uma geração, mas de gerações. Sabem qual foi o pior ano de distribuição de renda no Brasil, em termos de concentração no 1% mais rico? Foi em 1993, quando chegou a ter 16% da renda. Hoje tem 13%. Por que 1993? Porque foi o ano em que a inflação chegou a 3000%. E a inflação é um mecanismo incrivelmente poderoso para a concentração de renda. A distribuição de renda - em qualquer país do mundo que não experimenta guerras, revoluções, drásticas reformas agrárias, geralmente impostas do exterior numa potência ocupada, como foi o caso do Japão e da Coréia - não se move com a rapidez de um relâmpago, no curto espaço de uma administração. Não ocorrem em quatro, em oito anos, dramáticas mudanças. É preciso ter uma tendência gradual de melhora ao longo do tempo". Visão da realidade "É fundamental olhar os outros indicadores sociais. E aqui se olha muito menos do que se deveria. É preciso ter o senso de perspectiva, olhar onde nós estávamos. Nós, hoje, estamos melhor do que estávamos, embora estejamos aquém do que queremos e do que podemos chegar como país e como sociedade. Agora, não é a pirueta, não é a força de vontade de um indivíduo, por mais desejo que ele tenha, que vai resolver problemas complexos de natureza econômica, política e social, de legados do passado que este País tem". Anti-petismo? Eu respeito o partido (dos Trabalhadores). O que é respeitar o partido? O partido (dos Trabalhadores) é organizado, produz textos, reúne sua diretoria executiva, seu diretório nacional e toma decisões. (...) Eu não sou anti-petista. Eu sou pró-Brasil e pró algumas coisas que acho que interessam à maioria. De novo: a inflação sob controle, responsabilidade fiscal, estabilidade macroeconômica, criação das bases para um crescimento sustentado, não uma bolha de surto de crescimento que qualquer um é capaz de gerar no curto prazo, e por curto prazo. Mas que não resolve os problemas do País. Eu acho que o combate à pobreza e à desigualdade se resolve com estabilidade macroeconômica, crescimento sustentado ao longo de décadas e rediscussão da estrutura de gastos do governo. Nós temos hoje muito gastos no governo que não beneficiam os pobres. E há muita gente participando deste debate que, hoje, com o mesmo diapasão, defende essa questão e defende interesses corporativistas. E tem dificuldade em dizer exatamente o que fará, se governo for, para lidar com problemas, por exemplo, de previdência do setor público, de salário de funcionalismo público, no quadro da sua recém descoberta preocupação com a responsabilidade fiscal". Taxa de juros "Eu também acho que os juros brasileiros são altos. E acho que a tendência, quero registrar aqui, a tendência, e não estou me referindo à reunião do Copom de depois de amanhã, olhando adiante, é claramente uma tendência declinante, tanto dos juros nominais quanto dos reais. Quando isso vai se materializar e com que intensidade, eu não quero especular sobre o que o Banco Central fará, ou não depois de amanhã (quarta-feira). Especular não é a minha função. Eu acho que a tendência é declinante, e tanto mais intensa e mais significativa, quanto mais nós estejamos conseguindo consolidar esta idéia que tem um compromisso com certas coisas básicas, que é o que permite as pessoas olharem com confiança para o futuro, e não com um certa dúvida e incerteza". A atenção dos candidatos "Eu insisto na importância de mostrar, primeiro, que nós temos condições, como País e como sociedade, de equacionar os nossos problemas, ainda que numa perspectiva de médio e longo prazo. E, segundo, que nós somos uma democracia consolidada e que vamos atravessar esta turbulência de agora sem maiores impactos. O discurso dos candidatos ajudaria a reduzir o grau de turbulência". Erros e acertos "Seria de uma ingênua arrogância da minha parte dizer que nenhum erro foi cometido. Mas já que você mencionou (a política cambial até janeiro de 1999), eu queria dizer o seguinte: não existe país nenhum do mundo que tenha derrotado uma hiperinflação - o Brasil estava em hiperinflação e, ao que parece, já se esqueceu -, não existe nenhuma experiência bem sucedida de derrota da inflação, em que, entre outros componentes, o câmbio não tenha sido usado, num primeiro momento, como um mecanismo de ancoragem de expectativa quanto ao futuro dos preços e dos contratos. O Brasil não foi exceção, e essa regra foi assim em todos os países. Tanto é assim que, no início de 1995, havia uma pressão grande no Brasil, inclusive dentro do governo, recomendando, no bojo da crise mexicana, que desvalorizássemos nossa moeda. Eu fui contrário, e convictamente sou até hoje. Em janeiro de 95, se nós tivéssemos desvalorizado o real, o Plano Real teria se juntado à experiência malograda do Cruzado, do Bresser, do Verão, do Collor I e II. Seria uns seis meses depois mais uma pálida memória do que poderia ter sido mais um programa de estabilização no Brasil. A economia estava superaquecida, a indústria estava crescendo a 14% e o PIB a 10%. No começo de 95, as vendas a mais de 20% e a economia ainda era totalmente indexada. Nós precisamos de um ano e meio para desindexar a economia. Portanto, teria sido um erro. O Real teria acabado em 95 se tivesse sido desvalorizada a nossa moeda". Flexibilização gradual "O processo, desde então, foi de gradual flexibilização do câmbio ao longo do período. Tanto é assim que, no biênio 97/98, o câmbio brasileiro se desvalorizou, em termos reais, mais de 10% em relação ao dólar. O que aconteceu foi uma seqüência de crises: a crise da Ásia, no segundo semestre de 97, a crise russa, a falência daquele grande hedge fund (Long Term), e as nossas próprias dificuldades no final de 98. Assim como nós tivemos que dar uma acelerada no gradualismo que vinha prevalecendo na parte fiscal, a mesma coisa aconteceu no câmbio". Responsabilidade agora "Há tempos que eu venho dizendo que essa questão (cobrança de posturas do PT) não é trivial. O Brasil não tem muita experiência nessas transições (de políticas de governo). Fernando Henrique vai ser o único presidente, na história deste País, nos últimos 75 anos - o outro foi Kubitschek -, a passar o cargo a um outro presidente civil eleito pelo voto popular. Eu venho dizendo há tempos que é um erro isso que eu vejo em alguns candidatos, quando eles dizem que só terão alguma responsabilidade a partir de 2003. Isso é um equívoco. Todos eles têm responsabilidade hoje. Isso porque o que vai acontecer este ano será afetado por expectativas sobre o que farão os nossos sucessores. Portanto, a responsabilidade é grande, de todos os envolvidos. É preciso um cuidado com os termos, o tom, o teor e a forma do debate. A beleza da democracia é essa". E as militâncias? "Eu vejo que algumas mudanças vêm ocorrendo, a passo de tartaruga. É difícil imaginar sua extensão. E se elas têm respaldo nas militâncias respectivas. Mas eu vejo que o debate não foi em vão, e que erros claros, crassos, estão sendo reconhecidos como tais, para o bem do País."

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