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Marcelo Caetano: Reforma da previdência, é hora de agir

Um regime onde sai mais dinheiro do que entra, todo mês, não oferece segurança

Por Marcelo Caetano
Atualização:

A reforma da Previdência proposta pelo governo do presidente Michel Temer deixa um legado extremamente útil a seu sucessor: a sociedade brasileira está consciente, cada vez mais, da necessidade e da urgência da reforma. Vozes contrárias movidas pela desinformação, pelo corporativismo ou por outros interesses perderam força. Sem dúvida, o debate público jogou luz sobre os números da Previdência – e eles falaram mais alto.

O sistema previdenciário produz desigualdade, o que chega a ser assustador em um país já cindido por tantas disparidades socioeconômicas. Em vez de ajudar a tornar a sociedade mais igualitária, uma parte significativa da Previdência opera em sentido inverso, alargando o fosso entre ricos e pobres. Falo, claro, das diferenças entre os valores e as regras de aposentadorias no serviço público e na iniciativa privada.

Estrutura. O Brasil está envelhecendo de forma rápida Foto: Monalisa Lins/AE

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Não à toa, a equidade é um dos princípios da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que enviamos ao Congresso Nacional em dezembro de 2016. É injusto que servidores públicos que ingressaram na carreira antes de 2003 continuem se aposentando com vencimentos integrais, sem idade mínima, enquanto os segurados do INSS recebem, em média, R$ 1,3 mil mensais.

Outro princípio da reforma é o da sustentabilidade. Um regime de onde sai mais dinheiro do que entra, todo mês, não oferece segurança. Para garantir que cada trabalhador receberá seu benefício no futuro, é preciso mexer nas regras. Quanto antes, melhor. 

Estima-se que o governo federal desembolsará R$ 292,2 bilhões para cobrir o déficit previdenciário de 2018, sendo R$ 201,7 bilhões no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), responsável pelas aposentadorias e pensões de segurados da iniciativa privada e de servidores públicos em municípios onde não há regime próprio; e R$ 90,5 bilhões do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União, que inclui servidores federais civis e militares.

A conta que não fecha. E olha que nem estamos levando em consideração o déficit anual dos RPPS dos Estados, que, na soma das 27 unidades da federação, superou R$ 93 bilhões em 2017. Não à toa, servidores da ativa, aposentados e pensionistas de alguns dos mais populosos Estados brasileiros já convivem com atrasos e parcelamentos na folha de pessoal.

Minha preocupação com problemas previdenciários vai muito além dos últimos dois anos e meio em que estou à frente da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda. Acompanho o tema desde 1997, como pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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Como servidor do Estado brasileiro, participei das principais iniciativas de reforma da Previdência nos governos dos então presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Nesses mais de 20 anos, vi surgirem argumentos de todo tipo contra qualquer reforma. Até iniciativas sabidamente incapazes de solucionar o problema surgem como alternativa. É o caso da cobrança de dívidas previdenciárias, ação desejável e necessária, mas insuficiente. Quem faz referência a isso parece desconhecer que muitos dos débitos envolvem empresas falidas, com chances remotas de recuperação.

Outro argumento equivocado é o da venda de patrimônio da União. Ora, nem mesmo uma estatal do porte da Petrobrás, considerando-se inclusive a parte da empresa que pertence a acionistas privados, teria o condão de estancar a sangria de um único ano do RGPS e do RPPS da União. Vale repetir: a venda da maior estatal brasileira não seria suficiente para cobrir o rombo de um ano do INSS e do RPPS da União.

O problema da Previdência no Brasil é estrutural. Logo, não há mudança na conjuntura econômica que resolva. O Brasil envelhece em velocidade muito rápida, o que significa que o número de quem recebe benefícios aumenta, ao passo em que diminui a base de quem contribui para a Previdência. 

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Não resta dúvida de que o aumento da expectativa de vida dos brasileiros é motivo de comemoração. Até porque reflete políticas públicas que têm melhorado as condições de vida no País, em termos de saúde, saneamento básico e segurança alimentar. Mas também impõe novos desafios. Principalmente depois que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou o fim do bônus demográfico, isto é, do período em que a população em idade economicamente ativa (15 a 64 anos) superava a de crianças e idosos.

Para a Previdência, o significado é inequívoco: um número cada vez menor de trabalhadores terá de sustentar um grupo crescente de aposentados e pensionistas. Em termos absolutos, os idosos passarão dos atuais 9,2% da população total (19,2 milhões de pessoas com 65 anos ou mais) para 25,5% do total (58,2 milhões de idosos) em 2060.

É para enfrentar essa realidade que a PEC 287 propõe uma idade mínima de aposentadoria (62 anos para mulheres, 65 anos para homens, com transição de 20 anos), válida tanto no serviço público quanto no privado. O Brasil é dos poucos países no mundo sem idade mínima.

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Muito se tem falado sobre a proposta de capitalização da Previdência, como se fosse a chave para o problema. É importante esclarecer: a adoção de um regime de capitalização, em que os segurados somente receberão aquilo que pouparem ao longo da vida, não dispensa a realização de uma reforma nos moldes da proposta pelo governo Temer. Não há como escapar das chamadas mudanças paramétricas, isto é, os parâmetros de concessão (idade mínima) e do valor dos benefícios (equidade).

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A migração de um sistema para outro envolve elevados custos de transição, visto que os trabalhadores que aderirem ao regime de capitalização deixarão de contribuir para o atual, que é de repartição (quem está na ativa banca os benefícios dos inativos). Ao abrir mão da arrecadação que antes ia para a repartição e passará a ser depositada em contas individuais dos segurados, o governo ampliará o déficit do atual regime.

Reformar a Previdência não é mais uma escolha. Os números falam alto, e o País terá de tomar uma decisão o quanto antes. Ainda é possível evitarmos rupturas como as de Portugal e Grécia, onde se chegou ao ponto de cortar benefícios. Para isso, é hora de agir. O Brasil já sabe o tamanho do problema. Mãos à obra. SECRETÁRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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