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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Marcha contra o quê?

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Estamos diante de manifestações nacionais confusas cujo único ponto em comum é a enorme insatisfação provocada pela nova rodada de contas a pagar em consequência das distorções da economia, que passam a ter dimensão política.São eventos cujas palavras de ordem refletem baixa consistência interna. Pedem consequências de viabilidade difícil.A manifestação de sexta-feira, convocada pelas centrais sindicais e pelos chamados movimentos sociais, foi declaradamente a favor da presidente Dilma, mas contra sua política econômica de ajuste e distribuição de sacrifícios. O ex-presidente Lula teve atuação ambígua. Chegou a incentivar o movimento, mas pareceu desaprová-lo, quando disse que não iria e não foi.Os sindicatos que o convocaram defendem o respeito a direitos trabalhistas. Se há alguma ameaça aparente contra eles, só pode provir das decisões da presidente Dilma, que propôs ao Congresso limitações ao programa de desonerações das folhas de pagamento.O contra-ataque "aos inimigos da Petrobrás" é um discurso vazio. Nenhum estrago foi maior do que a política do governo Lula e a do primeiro mandato Dilma, que represaram os preços dos combustíveis, sangraram o caixa da Petrobrás e usaram postos de diretoria para comprar apoio político. Algumas bandeiras de inspiração paranoica - do tipo "tirem as mãos do nosso pré-sal" - tentam explicar a derrubada internacional dos preços do petróleo como resultado da conspiração dos grandes capitais cujo único objetivo é desestabilizar a Petrobrás. Ficou a impressão de que o movimento se omite em relação à corrupção e os saques amplamente conhecidos pelas denúncias da Operação Lava Jato.As manifestações de hoje não têm instituições patrocinadoras. Estão sendo convocadas pela internet e pelo Facebook. É um movimento declaradamente contra a presidente Dilma mas, porque de oposição, em princípio é favorável à nova política econômica, na medida em que na última campanha eleitoral defendida pelos partidos da oposição.Um importante segmento dessas forças que deverão marchar neste domingo está erguendo a bandeira do impeachment, aparentemente sem avaliar as implicações desse gesto. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais líderes da oposição, avisou que é contra, porque o julga uma saída descabida.Enfim, estamos diante de uma situação esdrúxula em que a primeira manifestação é a favor da presidente Dilma, mas, ao mesmo tempo, contrária à sua política econômica e a outra, a favor de sua política econômica, mas contra a presidente.Em todo caso, estes são movimentos de natureza política e, como tudo em política, podem começar de um jeito e terminar de outro. Hoje, os protestos estão à procura de alguma coerência. Se não a encontrarem, ou se esvaziarão naturalmente ou poderão tomar outra direção. Como faltam lideranças, o risco é o de que essas bandeiras caiam em mãos de demagogos e de aproveitadores que ponham a perder os valores democráticos que se quer consolidados.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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