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Marco Civil da Internet é constitucional

Para evitar a barbárie, o Direito salva; e cabe ao Poder Judiciário julgar o que é (i)lícito

Por Lenio Luiz Streck
Atualização:

Existe uma celeuma jurídica no ar. E quem decidirá é o Supremo Tribunal Federal (STF). Como sempre, tudo acaba no STF. Mesmo quando a matéria não seja, claramente, de índole constitucional. Por vezes, uma coisa parece inconstitucional, mas, olhada de perto, descobre-se que é uma questão restrita ao âmbito do Direito infraconstitucional, no caso, o Direito Civil.

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Explico. Não se deve desprezar o Direito Civil e seu caráter regulatório do âmbito das relações privadas. Professores como Otavio Luiz Rodrigues Jr., da USP, chamam isso de “estatuto epistemológico do Direito Civil”. Parece ser o caso em discussão, em que o marco civil foi uma escolha bem feita pelo Direito Civil.

Pois bem. A Lei n.º 12.965, também conhecida como Marco Civil da Internet, está em vigor desde 2014. O assunto empolga. Para ter uma ideia, já foram produzidas mais de 70 teses e dissertações apenas na área do Direito. Isso se intensificou ainda mais nos últimos meses, em razão do julgamento da constitucionalidade do artigo 19 da lei, por meio da Repercussão Geral n.º 987, no Supremo Tribunal Federal.

Há um recurso extraordinário com repercussão geral. Quer dizer: se o STF decidir esse recurso, todos os demais assuntos semelhantes deverão ser decididos do mesmo modo. No caso, uma pessoa pede a responsabilização do Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. por não ter removido da plataforma uma conta de perfil falso criado em nome dessa pessoa, após a denúncia no sistema interno da rede social.

Vejamos. O artigo 19 diz que, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, os provedores de aplicações de internet somente poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências cabíveis relativas à remoção do conteúdo.

Na minha opinião, o artigo 19 é constitucional, porque consagra a liberdade de expressão e inibe a censura. Sei que há opiniões contrárias. Uma delas contesta a parte da lei que exige a ordem judicial. Os argumentos a favor da constitucionalidade do artigo da lei são os seguintes, resumidamente: primeiro, a liberdade de expressão é condição da democracia, ocupando posição preferencial diante de outros direitos fundamentais, conforme já sinalizou o STF em vários precedentes. Segundo, o artigo 19 do Marco Civil da Internet constitui uma opção legítima do legislador, que não obstaculiza o exercício de quaisquer direitos fundamentais, devendo, portanto, ser respeitado o estatuto epistemológico do Direito Civil. Terceiro, o sistema legal que restringe a responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet ao descumprimento de ordem judicial para remoção de conteúdo de terceiros encontra amparo em normativas, recomendações e experiências internacionais e estrangeiras. E quatro, porque as normas de “responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros” implementadas pelo Marco Civil da Internet não excluem, de maneira nenhuma, a possibilidade de coexistirem procedimentos internos de remoção de conteúdo pelos provedores de aplicação de internet, como previsto nos termos e condições da comunidade.

Todavia, há um argumento que considero o mais relevante. É de que o Direito desempenha a função institucional de resolução dos desacordos nas sociedades democráticas. Para evitar a barbárie, o Direito salva. E deve ser aplicado por uma instância não privada. Cabe, pois, ao Judiciário julgar o que é (i)lícito. E nisso acerta o Marco Civil no artigo 19.

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Admitir o contrário equivaleria a privatizar/despublicizar a deliberação acerca de um dos temas mais caros nas democracias constitucionais, que envolve os limites da liberdade de expressão.

Nem tudo é inconstitucional. O Brasil tem de cuidar para não incorrer numa espécie de panconstitucionalismo, retirando um necessário grau de autonomia que deve ter o Direito Civil.

*ADVOGADO, DOUTOR EM DIREITO, É PROFESSOR DA UNISINOS-RS E DA UNESA-RJ

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