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'Empresariado passou a defender a volta da CPMF pela 1ª vez', diz ex-secretário Marcos Cintra

Professor de Economia da FGV, que foi demitido da Receita Federal por defender um imposto nos moldes da CPMF, acredita que chegou a hora da retomada de um tributo sobre movimentação financeira no País

Foto do author Célia Froufe
Por Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - Demitido da Receita Federal em 2019 por defender um imposto nos moldes da CPMF, um tributo tido como "morto e enterrado" por muitos brasileiros, o professor da Economia da FGV Marcos Cintra acredita que chegou a hora da retomada de um tributo sobre movimentação financeira no País. Ele argumenta que seria uma troca de receitas para o governo, que abriria mão da desoneração da folha de salários para patrões. 

Na terça-feira, 12, um grupo de empresários entregou ao Congresso três propostas, incluindo a recriação da CPMF. O grupo reúne donos da Riachuelo, Madero, Centauro e Pernambucanas. No dia seguinte, com a repercussão negativa, as empresas JBS, Petz, Prevent Senior e o Giraffas disseram que não são associadas ao instituto, assim como o Hospital Albert Einstein.

Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal; ele acredita que 2022 é o momento para discutir um imposto nos moldes da CPMF Foto: Dida Sampaio/ Estadão

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"Essa base tributária (desoneração) está em erosão profunda e isso vai levar a uma falência do sistema se a Previdência não encontrar uma base mais moderna e estável", analisou, em entrevista ao Estadão/Broadcast, depois que o Instituto Unidos Brasil (IUB) lançou uma sugestão de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nesse sentido, em Brasília. "O instituto deu uma demonstração de coragem e de ousadia. Chamou pra briga", disse, salientado que alguns setores econômicos e o presidente Jair Bolsonaro têm antipatia à volta da CPMF.

Ciente de que se trata de uma proposta polêmica, vista como um palavrão, o ex-secretário enumera as qualidades desse novo tributo: simples, barato, universal, bom arrecadador e que não gera judicialização. Será, de acordo com ele, uma substituição de impostos, e não o "manicômio tributário" que já existiu no Brasil no passado.

A CPMF foi um imposto que existiu até 2007 para cobrir gastos do governo federal com projetos de saúde – a alíquota máxima foi de 0,38% sobre cada operação. Em 2015, o governo, então sob comando da presidente Dilma Rousseff, chegou a propor a volta do tributo, mas isso acabou não acontecendo pela resistência que o tema tem no Congresso.

Por que a retomada da CPMF volta agora?

A desoneração, dentro de qualquer projeto de reforma tributária, é fundamental por três razões. A primeira é que a Previdência é custeada por uma incidência sobre a folha, que é uma base em deterioração porque foram criadas outras formas de trabalho, que não necessariamente têm carteira assinada. Essa base tributária está em erosão profunda e isso vai levar a uma falência do sistema se a Previdência não encontrar uma base mais moderna e estável. A segunda é que vivemos uma crise do desemprego - que não é conjuntural, mas estrutural - e a incidência pesada sobre folha de salários prejudica e encarece o custo do trabalho, sendo um tributo extremamente nocivo para o momento em que vivemos. A terceira é que o debate sobre desoneração recebe muito apoio, tanto que 17 setores da economia foram desonerados.

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Temporariamente...

Sim. Já foi prorrogado uma vez, agora por mais dois anos, e isso acaba ficando uma tendência permanente - a maior parte é de serviços. Precisamos estender esse benefício para o resto da economia, a indústria também precisa desse estímulo, como outros setores. A redução foi um gasto tributário - e aqui não critico porque precisava ser feito -, mas o governo perdeu arrecadação, agravando a crise fiscal. Isso não pode continuar sem substituição. Então surgiram propostas de como desonerar a folha, e a que tem mais convencido o mundo empresarial é a da tributação sobre movimentação financeira para compensar encargos de 20% para a Previdência de contribuição patronal e também a zero, se possível, a de 11% do empregado. Isso estimula o emprego, gera renda e promove a solvência do sistema.

Qual potencial de arrecadação?

 A ideia é usar a movimentação financeira, como um instrumento com elevadíssima potencialidade de arrecadação, como já foi comprovado lá atrás. Segundo estimativas da Receita, 1% de aumento gera R$ 300 bilhões de arrecadação. É impressionante.

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E seria carimbado para a Previdência, certo?

Isso. Acaba com os 20%, os 11%, com uma alíquota (por operação) de, no máximo, 0,50%, 0,35%, 0,40% por aí... Isso precisa ser mais detalhado, mas a ideia é, gradativamente, ir substituindo a folha. Além de arrecadar bem, esse tributo é de uma simplicidade importante, não deixou uma única ação na Justiça, não teve contencioso e uma grande vantagem é que é 'insonegável'. Outra coisa: 30% da economia não é alcançada por nenhum tributo. O que são esses 30%? Informalidade, sonegação, elisão... e pega até o crime organizado. Resumindo: é simples, barato, não gera contencioso, não tem custo e arrecada bem.

Como o IUB conseguirá convencer um parlamentar a ressuscitar a CPMF? Politicamente, não é muito difícil?

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O que estamos propondo não tem nada a ver com a CPMF. A CPMF criou uma profunda antipatia popular porque surgiu como um custo a mais.

E como vamos ter garantia de que isso não vai acontecer de novo?

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Porque agora vai substituir outros. Nos anos 90, ela foi criada e mantida na faixa de 0,25% a 0,38%. Neste caso agora há uma característica tremendamente diferente: não terá a mesma rejeição porque eliminará a tributação sobre a folha, que tem viés antissocial. Não terá antipatia porque não vai aumentar a sua carga tributária. Esse tributo acabou virando um palavrão, ainda que qualquer análise objetiva mostre que a CPMF não acabou com os bancos, não remonetizou ou dolarizou a economia, não verticalizou a produção, ainda que a acusem disso. Foi um bom tributo utilizado para o mal, para o aumento da carga tributária.

A CPMF foi criada para sanar problemas na Saúde.

Foi criada para resolver o problema da Saúde e não resolveu nada. Então, é uma questão de superar esse preconceito. Mais de 70 países usam variações de impostos sobre movimentação financeira, como Hungria, Argentina, Inglaterra - este país, sobre ativos financeiros. Não é uma forma de tributação nova, não é um grande invento. Agora, finalmente, o meio empresarial publicamente manifestou a vontade de trazer de volta a CPMF.

Sendo uma demanda que chega pela sociedade, e não uma imposição a partir do governo - seja do Executivo ou do Legislativo -, o senhor acredita que o processo de convencimento fica mais facilitado?

Estive na Receita Federal do Ministério da Economia e sempre fui a favor desse projeto. Quando saí do governo, estava pronto para ser apresentado. Então, o apoio do governo é muito bom, só que a imprensa, alguns setores e o presidente da República (Jair Bolsonaro) não queriam. Então, o Instituto deu uma demonstração de coragem e de ousadia. Chamou pra briga.

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O senhor saiu da Receita justamente por causa de uma proposta similar, como disse há pouco...

Foi exatamente por isso. Eu sabia da posição do presidente e nunca falei publicamente sobre isso, mas um técnico foi me substituir numa palestra e tocou no assunto. Foi o suficiente para o presidente ficar bravo... Então, não tinha mais ambiente para ficar.

Apesar disso, o senhor continua a defendê-la...

Sim, eu continuo acreditando que é uma solução maravilhosa para qualquer reforma tributária. E, pela primeira vez, o empresariado brasileiro passou a defender o tributo. Era algo quase intimidador, com o assunto CPMF morto e enterrado, e agora voltou com força.

Mas neste ano eleitoral não tem chance de ser votado pelo Congresso...

A oportunidade é melhor hoje. Quem sabe se, com uma discussão menos preconceituosa, a gente consiga avançar? Em 2022 não deve ter espaço para votar porque é preciso uma PEC, mas é um ano que pode ser muito produtivo para se discutir. E outra coisa: a reforma tributária tem sido baseada no confronto. Confronto do serviço com o comércio, do comércio com a agricultura, da agricultura com a indústria... Essa tática do confronto existe há 30 anos e a reforma não anda, cada um olha para seu umbigo.

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