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Marketing versus mundo real

Sem ajuda da União, esticar-se-á a crise de alguns Estados ao limite do razoável

Por Raul Velloso
Atualização:

No penúltimo dia de 2016, e em que pese a crise fiscal, a face gastadora do governo Temer anunciou na TV mais um capítulo da novela dos compromissos de reajustes salariais firmados ainda na administração anterior. Curiosamente, no mesmo anúncio, mas representando a banda controladora do novo governo, seguiram-se dois alertas do atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

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Primeiro, veio o recado para o resto do governo de que, sob a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos, qualquer aumento imprevisto de gasto da União – como aqueles reajustes – terá de ser compensado por cortes em outros segmentos do Orçamento federal. Ou seja, preparem-se os que estão por trás das minguadas verbas discricionárias – especialmente o investimento – para o chumbo grosso que supostamente virá.

Depois, mirando principalmente os governadores de Estado em maiores dificuldades financeiras, hoje em permanente romaria a Brasília, foi dito que, em princípio, não haverá qualquer socorro que prejudique a obtenção das metas de déficit público primário que a área federal havia fixado para o País. Por isso, não se deve esperar mudança de comportamento, ainda que o vulcão social entre em erupção.

Para a União, a Fazenda fixou uma meta de déficit primário de R$ 170 bilhões em 2016 e outra de R$ 137 bilhões em 2017. Já para os Estados e municípios, um surpreendente superávit de R$ 7 bilhões este ano (diante da recessão) e um déficit de no máximo R$ 1 bilhão no ano que vem. Sob os controles em vigor, os Estados seriam meros departamentos da União, embora sem a vantagem de poder financiar déficits tidos como inevitáveis, como ela faz para si própria, ou seja, com base em emissão clássica de moeda.

Para eles, o recado implícito é adiar pagamentos até de aposentados e de prestadores de serviços essenciais, se for necessário. (Acredito mais que, na hora de fixar essas metas, se esqueceram de que os Estados seriam igualmente atingidos pela maior recessão da história e por outros estragos similares aos que ocorriam na própria União, e agora não sabem como explicar a correção desse erro aos mercados.)

A verdade é que a Fazenda vendeu muito bem uma meta global de crescimento dos gastos primários igual à inflação, ainda que tivesse de financiar com moeda cerca de R$ 300 bilhões de déficit primário em 2016-2017 e que boa parte dos itens do gasto estouraria o teto por estarem sujeitos a regras ainda não ajustadas. Esses déficits seriam impensáveis até bem pouco tempo atrás, mas se mostraram como um preço razoável a pagar, mesmo diante da dívida pública resultante, pelo afastamento do desastroso governo Dilma Rousseff.

Convenceu a todos, inclusive, de que a meta de crescimento real zero dos gastos forçaria os parlamentares a aprovarem, na sequência, a reforma da Previdência, para não porem a PEC do Teto em risco, dedução discutível diante do Congresso Nacional que temos. Além disso, vendeu a ideia, prontamente aceita pelos mercados, de que a culpa de todos os males dos Estados é da grande maioria dos atuais governadores, eméritos gastadores e descumpridores de promessas de ajuste. Daí, pau neles.

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Só que o peso dos gastos efetivamente discricionários no total da União é mínimo (cerca de 5,6% ou R$ 64 bilhões em 2015). Todos os demais são obrigatórios por conta de alguma lei que prevê sua realização. Muitas outras alterações legais terão de ser aprovadas para o Orçamento ficar realmente flexível e poder responder melhor a uma regra como a da PEC do Teto. Ao lado disso, sem ajuda da União, esticar-se-á a crise de alguns Estados ao limite do razoável, deixando o governo Temer com uma batata hiperquente nas mãos.

Seja porque reformas como a da Previdência são muito difíceis de aprovar, porque outras mudanças estruturais precisam ocorrer e porque o problema dos Estados é muito mais complicado do que as ideias vendidas pela Fazenda permitem inferir (veja um diagnóstico detalhado sobre o assunto no meu blog ou em www.inae.org.br), é hora de descer a escada do marketing puro e partir para ações mais corajosas e efetivas, capazes de equacionar a atual crise econômica brasileira.

*É consultor econômico

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