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Mato Grosso quer pedágio em terra indígena

Para conseguir asfaltar estrada que cruza reserva, Estado promete reverter parte da tarifa para fundo a ser gerido pelos índios

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - As discussões sobre a pavimentação de uma estrada federal que passa no meio de uma terra indígena de Mato Grosso deixaram de ser pautadas apenas pelos impactos que essa obra pode trazer ao modo de vida e aos hábitos dos índios xavantes que habitam a região. A mesa de discussão agora inclui dinheiro vivo.

Para tentar liberar o asfalto no trecho da BR-158 que corta a reserva indígena Marãiwatsédé, onde hoje vivem cerca de mil índios xavantes, na região de Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, o governo de Mato Grosso decidiu propor o pagamento de uma taxa aos índios, a partir da instalação de um pedágio na rodovia. 

 

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A proposta é que uma concessionária assuma a gestão da estrada, com o compromisso de repassar aos indígenas uma parte do valor arrecadado com o pedágio, que iria para um fundo administrado pelos próprios índios.

A sugestão foi apresentada em uma reunião realizada no mês passado com a presença de representantes do governo do Estado, lideranças indígenas, membros do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). 

O defensor da proposta é o vice-governador e atual secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Carlos Fávaro, conhecido na região pelos anos em que ficou à frente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja).

“O objetivo dessa ideia é provocar um debate. E os índios apoiam a proposta. Está na hora de tratarmos desse tema sem demagogia, sem hipocrisia. Não temos mais que dar espelhinho para índio. O que precisamos oferecer é dignidade, uma proposta que leve acesso à saúde, a uma faculdade, para que ele tenha direitos como qualquer cidadão”, diz Fávaro.

No entanto, a iniciativa não tem amparo legal. Pela Lei Federal 6.001, de 1.973, não é permitido colocar pedágio dentro de reserva indígena. Tampouco há legislação que regule a criação de um fundo atrelado à cobrança de taxas para que veículos circulem pelas terras indígenas. Para o vice-governador de Mato Grosso, porém, o projeto é viável e tem capacidade de se tornar referência para outros empreendimentos – estradas, usinas, mineração – que tenham impacto direto nas terras dos índios. 

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A Funai, porta-voz dos povos indígenas, não quis comentar o assunto, sob o argumento de que “só se manifesta nos autos”.

Única rota para escoar safra da região. Ignorada pelo governo federal em seus pacotes de concessão rodoviária, a BR-158 é hoje a única rota de escoamento de grãos da região nordeste de Mato Grosso, área de maior crescimento do agronegócio no Estado. Apesar da relevância logística, a estrada aberta há mais de 30 anos ainda está em leito natural, repleta de atoleiros e pontes de ferro apodrecidas. Regularmente, registram-se casos de quedas de caminhões de carga e mortes de motoristas.

Dentro da reserva Marãiwatsédé (que na língua xavante significa mato fechado ou mata perigosa), o trecho da rodovia tem 114 quilômetros de extensão. Os índios obtiveram a declaração de sua terra em 1993, mas a área de 165 mil hectares só foi homologada pela União em 1998, tendo sido completamente invadida por não índios nos anos 1990. 

Após anos de brigas judiciais, os xavantes conseguiram retornar à região em 2012. Os não índios tiveram de sair e a cidade que havia ali foi derrubada. O tráfego pela estrada, porém, nunca parou. Atualmente, 7 milhões de toneladas por ano, colhidas em mais de 1,5 milhão de hectares,passam pelas terras dos xavantes.

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Em 2014, o governo chegou a analisar a possibilidade de fazer um contorno na estrada, passando por fora da reserva. Mas o traçado bateu em cima de um cemitério indígena e foi abandonado.

O governo de Mato Grosso fez as contas sobre o impacto financeiro de um segundo contorno. A viagem aumentaria em 70 quilômetros. A pavimentação do trecho da reserva, avaliada em R$ 250 milhões, saltaria para R$ 528 milhões. O custo do frete, segundo o governo estadual, cresceria cerca de R$ 170 milhões por ano. E os gastos anuais com manutenção do trecho seriam R$ 8 milhões maiores que aquele previsto para o traçado que hoje corta a reserva indígena.

“Em dez anos, esses valores chegariam a mais de R$ 2 bilhões. Então, está na hora de sermos pragmáticos e falarmos de desenvolvimento para o índio e o não índio. Desviar a pavimentação é isolar os índios desse desenvolvimento. Sob o pretexto de preservá-los, estamos acabando com eles, ao abandoná-los”, diz Carlos Fávaro, vice-governador do Estado e responsável pela pasta de Meio Ambiente.

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O governo do Estado está de olho no andamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que altera regras de demarcação de terras, ao retirar essa atribuição do governo, repassando-a para o Congresso Nacional. O Executivo estadual defende um aperfeiçoamento da proposta. O governo da ex-presidente Dilma Rousseff considerava a PEC inconstitucional. O atual ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, também se manifestou contra a mudança. 

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