
18 de março de 2020 | 22h53
A medida proposta pelo governo, que autoriza empresas a cortarem em até 50% a jornada de trabalho e o salário dos seus empregados, dividiu opiniões de quem acompanha o mercado de trabalho: se por um lado, é tida como uma reação importante, dado o agravamento da crise, economistas e entidades sindicais lembram que o governo pega carona em uma alternativa já prevista na legislação. A ação consta no plano anticoronavírus, lançado para tentar reduzir os efeitos da pandemia na economia brasileira.
"A proposta é pertinente para o momento atual. Há uma grande incerteza sobre o impacto econômico e o prolongamento dessa crise. Está se mostrando um quadro agravado, as pessoas ficarão em casa por tempo indeterminado. Num primeiro momento, os mais afetados serão os informais e os trabalhadores por conta própria", avalia o economista da LCA Cosmo Donato, especialista em mercado de trabalho.
Ele lembra, que a medida em que a crise se prolonga, há um agravamento das empresas que têm um custo fixo muito alto. "É um momento que vai exigir conciliação de todas as partes, entre empregador e trabalhador. Sem jogar tudo nas costas de só um dos lados, para que ambos consigam passar por esse período. Além disso, pode evitar que o empresário se antecipe e demita."
Para João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, a medida do governo não causa tanta preocupação para quem tem carteira assinada e conta com convenções coletivas dos sindicatos. “Não é a primeira vez que enfrentamos uma crise e temos que discutir diminuição da jornada de trabalho e fazer acordos. Esses trabalhadores estão protegidos pelas convenções coletivas. Nossa maior preocupação são os que não são registrados. Para esses, é preciso garantir uma renda mínima.”
O presidente da União Geral dos Trabalhadores e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah, por outro lado, lembra que a possibilidade de redução de jornada e de salário está prevista na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), desde que seja intermediada pelos sindicatos. Ele afirma que o governo até agora não propôs nada de novo para reduzir os efeitos da crise sobre emprego e renda.
"O governo precisa fazer o mesmo que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que eles tanto admiram, está fazendo: injetar recursos para manter os empregos. Aqui, eles só antecipam recursos que já são dos trabalhadores, como o FGTS, e dos aposentados. Vai ter uma explosão de casos, mas o trabalhador não é só um número, ele tem um salário médio muito baixo e ele não consegue sobreviver sem o salário."
O economista da consultoria IDados Bruno Ottoni concorda que a medida tira poder dos sindicatos, com o trabalhador negociando a redução diretamente com o empregador. "Não sei se faz sentido implementar esse tipo de medida agora. Ao que tudo indica o estado de calamidade pública está prestes a ser decretado. Com esse decreto, o governo vai poder exceder os limites estabelecidos pelo teto dos gastos e também os limites da lei de responsabilidade fiscal. Isso deve abrir espaço fiscal para o governo tentar ajudar essas empresas a não demitir."
Já o sociólogo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio avalia que a Medida Provisória tenta tirar os sindicatos como intermediadores para deixar os trabalhadores sem poder de negociação. "O Brasil já tinha um programa de proteção ao emprego, que pode ser reativado, e que faz uma redução de jornada maior do que a redução do salário."
Ele propõe que o governo aumente a renda proposta para os trabalhadores informais — anunciado como um voucher de R$ 200 — para meio salário mínimo, o que daria R$ 519,50, e ampliar esse recurso também para os trabalhadores formais. "Como estão propostas hoje, as medidas penalizam o trabalhador. A empresa tem vantagens, mas o trabalhador tem o salário reduzido."
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18 de março de 2020 | 19h46
BRASÍLIA - As empresas poderão reduzir em até 50% a jornada de trabalho e o salário dos seus empregados. A medida faz parte do programa antidesemprego, anunciada nesta quarta-feira, 18, pela área econômica. A ação consta no plano anticoronavírus, lançado pelo governo para evitar os efeitos da pandemia na economia brasileira.
O programa flexibiliza as regras trabalhistas para tentar evitar que, na crise, as empresas promovam demissões em massa, o que pode agravar o quadro de depressão da economia.
No caso da redução da jornada de trabalho, essa possibilidade será aberta com o corte de até 50% da jornada, e do salário, mediante acordo individual com os trabalhadores, informou o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo.
Segundo ele, a remuneração mínima continua sendo o salário mínimo, e será observado o princípio da "irredutibilidade" dos valores por hora recebidos pelos trabalhadores.
Uma Medida Provisória será enviada ao Congresso para que, durante o estado de crise, trabalhador e empregador, possam celebrar acordo individuais para reduzir o custo do trabalho. A MP tem vigência imediata, mas precisa ser aprovada por deputados e senadores em 120 dias para não perder a validade.
Outra novidade, de acordo com governo, é que também será permitida a suspensão do contrato de trabalho temporariamente, mas com condicionantes, ou seja, manutenção do pagamento de 50% do salário.
Além da redução de jornada, as empresas poderão antecipar férias individuais, decretar férias coletivas e usar o banco de horas para dispensar os trabalhadores do serviço. Também será permitido antecipar feriados não religiosos.
A suspensão do recolhimento FGTS, já anunciada, também faz parte do programa antidesemprego. A MP permite ainda ações para simplificar o teletrabalho e suspende a obrigatoriedade dos exames médicos e treinamento obrigatórios. A exceção é para o exame de admissão no emprego, que continua sendo obrigatório.
De acordo com a área econômica, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não será alterada. Ela, porém, não será aplicada temporariamente, durante a crise do coronavírus.
O secretário Especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, reconheceu que a redução da jornada de trabalho reduz a renda nesse momento, mas destacou que o mais importante é manter o emprego na "travessia" da crise.
Para o secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo, a flexibilização das regras garante agilidade e flexibilidade para empresas e trabalhadores.
"É preciso que se ofereça instrumentos para que empresas e empregados consigam superar esses momentos de turbulência, até chegamos ao momento pós-pandemia, e a economia volta a se estabilizar em níveis similares aos anteriores à crise. Nesse momento, interesses de empresa e de empregadores são convergentes: a preservação do emprego e da renda", disse Dalcolmo.
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