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Medidas do BC e da Fazenda são divergentes

Enquanto manutenção do juro freia consumo, corte tributário estimula gasto das famílias

Por Sergio Gobetti
Atualização:

O mix de políticas fiscais e monetárias adotado pelo governo para enfrentar a crise é contraditório e caro aos cofres públicos. Enquanto o Banco Central manteve a taxa de juros inalterada para frear o consumo, o Ministério da Fazenda reduziu impostos para estimular o gasto das famílias. Uma decisão anula a outra, restando ao governo apenas o custo fiscal de ambos. A decisão do BC onera a dívida pública, que continuará sendo corrigida por uma das taxas mais elevadas do mundo, 13,75%. O custo das medidas da Fazenda está na perda de R$ 8,4 bilhões em receita, com as reduções de IRPF, IPI e IOF. Assim, a perspectiva é continuar gastando muito com juros e arrecadar menos com impostos, resultando em maior déficit nas contas públicas. A rigor, muitos países também decidiram incorrer em déficits para enfrentar a crise. Mas no Brasil esse caminho está sendo seguido sem que as autoridades tenham chegado a um acordo sobre uma questão crucial: o País precisa ou não estimular o consumo? A decisão do BC de manter a taxa de juros inalterada revela que a autoridade monetária não enxerga pela frente um problema de demanda e que, ao contrário, ainda vê riscos de inflação por causa da desvalorização do real - o dólar mais caro afeta os preços dos importados e, por tabela, o dos concorrentes domésticos. Em resposta aos críticos da política monetária, o presidente do BC, Henrique Meirelles, tem repetido que o tratamento à crise no Brasil não pode ser o mesmo que em países que estão em recessão. Entre o caso dos Estados Unidos, que baixou juros, e a Rússia, que os aumentou, Meirelles prefere ficar numa posição intermediária, de cautela, esperando para ver os desdobramentos da crise. "Se o juro não foi reduzido, é porque a demanda não está tão desaquecida como falam", avalia o economista Luiz Guilherme Schymura, professor da Fundação Getúlio Vargas. A equipe da Fazenda, apesar do otimismo do ministro Guido Mantega, teme que a crise de liquidez que atingiu as empresas se propague pela economia real e provoque uma queda abrupta da demanda. Hoje o consumo ainda não foi atingido severamente, mas essa situação estaria no horizonte próximo em caso de inércia governamental. Os assessores de Mantega acreditam também que, emitindo ao mercado um sinal de que a demanda será sustentada, os empresários não reduzirão tão drasticamente suas decisões de investimento. Inicialmente, essas decisões foram afetadas pela falta de crédito no sistema bancário, mas poderiam sofrer um segundo golpe em caso de o cenário apontar uma queda do consumo. A queda nos valores da arrecadação de novembro revela que a economia real já começou a ser atingida e que o País não se encontra mais no pique dos três primeiros trimestres do ano, mas não existe ainda no governo um consenso sobre os desdobramentos da crise. "Essa contradição é temporária, porque a partir do primeiro trimestre as preocupações com a inflação tendem a se dissipar", avalia o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Segundo ele, a queda no preço das commodities está compensando o efeito do câmbio sobre a inflação. Por isso, a prioridade é fazer uma ''desaceleração suave'' da economia. A pressão política para que o BC reduzisse a taxa de juros foi intensa antes da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), mas o presidente Lula preferiu liberar Meirelles e direcionar sua artilharia contra o juro final, ao consumidor e às empresas. No fundo, o que os porta-vozes do governo têm tentado dizer é que o juro relevante para a economia não é a Selic mas a taxa cobrada pelos bancos. Mas, se isso fosse uma verdade absoluta, não haveria razão para o BC manter a taxa de juros elevada, pois a Selic teria impacto apenas sobre a dívida pública, prejudicando apenas o governo.

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