Ricardo Paes de Barros: ‘Melhor seria levar o Bolsa Família atual a quem mais precisa’

Para um dos maiores especialistas na área, o auxílio emergencial e o Auxílio Brasil deveriam ser mais direcionados

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Por Idiana Tomazelli
Atualização:
4 min de leitura

O Brasil precisa de um programa focalizado para continuar dando assistência a quem perdeu o emprego na pandemia e não será contemplado pelo Auxílio Brasil, defende o economista Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Insper e um dos maiores especialistas em políticas sociais do País. 

Ao Estadão/Broadcast, ele afirma que esse programa seria bem menor que o atual auxílio emergencial e, para ser bem implementado, deveria ser amparado nas estruturas dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) locais. “Agora, provavelmente essas pessoas ficarão mais gratas ao CRAS do que à Presidência da República”, afirma. Paes de Barros também diz que há risco na aprovação açodada de uma mudança na estrutura do Bolsa Família. Confira os principais trechos da entrevista:

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Como o sr. avalia as justificativas do governo para criar o Auxílio Brasil, o programa substituto do Bolsa Família?

O parecer de mérito é mais uma descrição do que uma verdadeira justificativa. Falta preocupação com focalização, com organização da fila, o que eventualmente poderia levar até à redução no número de beneficiários sem mexer no volume de benefícios. Pode se dar mais para quem mais precisa. 

O sr. tem apontado vários aspectos do Auxílio Brasil que merecem aprimoramento. O governo quer implementar o programa em novembro. Dá para fazer essa discussão de maneira adequada em um mês?

Se fosse um mês de trabalho super intenso, muito bem coordenado, bem articulado, com uma mobilização nacional, talvez desse. Agora, ao passo que as coisas vão, evidentemente não dá. Vamos implementar uma mudança radical desse jeito com pouca discussão. Quando o Bolsa Família foi implementado, com o presidente Lula, ele começou a ser trabalhado desde o primeiro dia de governo, e demorou até mais um ano (a MP foi enviada em outubro de 2003, e a lei entrou em vigor em janeiro de 2004). E talvez fosse algo relativamente mais simples do que agora.

Ricardo Paes de Barros, pesquisador do Insper e um dos maiores especialistas em políticas sociais do País. Foto: Helvio Romero/Estadão

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Há temor de aprovar de supetão algo que se prove pior?

Não acho que a eventual melhoria da proposta justificaria (a aprovação rápida). Não há uma melhora fantástica. Deveria ser trabalhado com cuidado. O melhor seria fazer o Bolsa Família atual chegar às pessoas que mais precisam e garantir um pouco mais de dinheiro. O resto é muito cosmético. Os estímulos à prática de esporte, ao estudo de ciência e tecnologia incluem volumes de recursos pequenos. É quase uma coisa para inglês ver; 0,1% de jovens vão ser beneficiados. 

A proposta desses auxílios por mérito é um problema?

A ideia é interessante, mas deveria ser dado poder às escolas para fazer um programa que induza o esforço dos alunos. Tem que ser um incentivo, e não um prêmio, como foi proposto. O aluno que ganha uma olimpíada de matemática já iria vencê-la com ou sem o prêmio do programa. A escola pode usar isso para premiar o aluno que realmente fez um esforço fantástico, que estava muito mal e melhorou drasticamente. Ou o estudante que estava prestes a sair da escola e se convenceu a ficar. Esse é o exemplo que se quer estimular.

E como vê o auxílio-creche previsto no programa, destinado a famílias que não encontrarem vagas nas redes pública e privada?

Substituir o Brasil Carinhoso (programa de apoio financeiro aos municípios para custear creches com alunos beneficiados pelo Bolsa Família) pelo Auxílio Criança Cidadã atrapalha a política municipal de educação infantil. O ideal seria dar o recurso para o município e exigir a cobertura de famílias que estejam no Auxílio Brasil. A maneira que se propõe é um voo cego. E o número de famílias incluídas é muito pequeno. A contribuição disso para reduzir a pobreza vai ser mínima. 

Há defensores dentro do governo da prorrogação do auxílio emergencial. Qual a sua avaliação?

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Depende de como for feito. É claro que prorrogar o auxílio é uma coisa boa, numa situação em que ele é bem administrado. Agora, não poderia ser um auxílio emergencial que não use a estrutura do CRAS (Centros de Referência de Assistência Social, instituição que atua em bairros de maior vulnerabilidade social), que não seja bem focalizado e que seja mais uma vez um conjunto de recursos que não vai para quem mais precisa. Agora, provavelmente essas pessoas ficarão muito mais gratas ao CRAS do que à Presidência da República. Isso seria uma descentralização séria. A pessoa lá na ponta nem sabe que existe um programa federal e nem precisa saber porque ele está com fome. Hoje, todo mundo no Brasil sabe que existe um auxílio emergencial.

O que o sr. diz é que existe justificativa para prorrogar, mas não para os 25 milhões que são citados como o público que está no auxílio e não no Bolsa Família?

Sim. Seria para muito menos pessoas. Os salários no Brasil não caíram, e só tem 7 milhões de pessoas que estavam ocupadas e que deixaram de estar (após a pandemia). Não sei de onde se tiraram 25 milhões. É preciso de um programa para 7, 10 milhões de pessoas? Sim, é preciso. Muitos desses estão no Bolsa Família, teria de ver. Mas não com um programa cego (como o auxílio emergencial atual), que não sabe quem realmente precisa. Fazer um programa mais ou menos, sem trabalhar com os 270 mil agentes sociais que estão lá na ponta, não é a coisa mais inteligente. Agora, entre não fazer nada e fazer essa coisa pouco inteligente, eu talvez fique com essa coisa pouco inteligente. Não fazer nada é pior. A gente tem tudo para fazer de forma inteligente. 

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