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'Melhora do câmbio depende de retomada firme da economia e do exterior', diz economista

Segundo Roberto Secemski, projeção de dólar cotado a R$ 3,90 no fim do ano pode ser alterada conforme o avanço da guerra comercial entre EUA e China e da discussão da questão fiscal no Brasil

Foto do author Thaís Barcellos
Por Thaís Barcellos (Broadcast)
Atualização:

A forte depreciação recente do câmbio tem como pano de fundo as incertezas globais, que devem continuar guiando o movimento do dólar no Brasil até a economia doméstica alcançar uma retomada mais consistente, avalia o economista do banco britânico Barclays para o Brasil, Roberto Secemski, em entrevista ao Estadão/Broadcast

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Segundo Secemski, o banco projeta, há seis meses, dólar a R$ 3,90 no fim do ano, pressionado pelo ambiente global. Mas reconhece que há risco de depreciação maior por causa da tensão entre Estados Unidos e China e, agora, com um eventual Brexit sem acordo com a União Europeia.

O economista ainda acrescenta que o cenário fiscal complicado no curto prazo, mesmo após a aprovação definitiva da reforma da Previdência, não contribui para a valorização do real.

Apesar disso, o movimento do câmbio não tem afetado a inflação, principalmente por causa da queda das commodities, diz Secemski. Por isso, o dólar mais alto não altera, por ora, a estimativa do Barclays de Selic, a taxa básica de juros, a 5,25% no fim do ano. Ele até reconhece o risco de queda mais forte, dado o ambiente de juros menores no mundo. Mas pondera que uma Selic mais baixa do que já é previsto pelo mercado também pode reforçar o movimento de busca de dólar pelas empresas que estão trocando dívida externa por local. 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

O economista do Barclays para o Brasil, Roberto Secemski. Foto: Barclays

Em agosto, o dólar subiu mais de 8% e o Banco Central voltou a vender dólar à vista depois de dez anos. Em setembro, a moeda continua acima de R$ 4,0. Esse é o novo patamar do câmbio?

Por ora, nossa projeção oficial permanece em R$ 3,90 para o fim do ano. Porém, com riscos de depreciação maior a depender dos próximos capítulos da guerra comercial entre Estados Unidos e China, porque o banco não vê isso sendo facilmente solucionado no curto prazo. Outro risco é qual seria o impacto no sentimento global dos mercados de um Brexit sem acordo. Isso não pega imediatamente o Brasil sozinho, mas pode ocasionar uma mudança no humor dos mercados globais. Então, dependendo de como isso se desenrolar, é outro elemento de risco para um câmbio mais fraco.

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A moeda brasileira tem flutuado conforme o humor global? São fatores externos que justificam a desvalorização do real recentemente?

Sim. Achamos também que uma melhora do câmbio depende de vermos o crescimento do País de fato acelerando. Uma variável que pode vir a fazer diferença é vermos que a economia está se recuperando de forma consistente. Isso eventualmente faria diferença na taxa de câmbio, mas infelizmente, por ora, não está acontecendo. A impressão é que muitos (investidores estrangeiros) não estão posicionados no Brasil e um gatilho para passar a tomar risco em posições locais seria a continuidade da agenda de reformas após a Previdência e sinais de crescimento consistente. No curto prazo, a questão fiscal é desafiadora. Sempre afirmamos que a reforma da Previdência era necessária, mas não suficiente. Já temos visto que não tem espaço para gastos discricionários no Orçamento do ano que vem, principalmente investimentos. Isso vai se manter. E sempre tivemos clareza disso, isso era parte do motivo do câmbio mais fraco do que o consenso, quando estava em R$ 3,70. A Previdência evita o precipício, mas não constrói a ponte no curto prazo, nesses próximos três ou quatro anos. Precisamos de muito mais reformas, que estão sendo discutidas, mas precisamos ver a evolução.

Como o sr. vê o debate em torno da flexibilização do teto de gastos para acomodar investimentos? Como isso seria visto pelos investidores estrangeiros?

Acho que não é o momento. Seria mal recebido. A alternativa que tem sido noticiada, de fazer pela PEC 438, pela regra de ouro, seria uma alternativa bem melhor do que mudar o teto de gastos - introduzir limitações, os gatilhos (nas contas públicas, previstos no teto), via regra de ouro. A PEC de teto de gastos do jeito que foi escrita não dispara gatilhos porque não deixa o Orçamento ficar em discordância com o teto. Vira um problema do ovo e da galinha. Você não consegue fazer um Orçamento que quebre o teto, porque senão é um crime de responsabilidade fiscal e, portanto, os gatilhos não são disparados, porque o teto não está furado na proposta de Orçamento. O teto de gastos tem de ter esses gatilhos disparados em algum momento e a melhor forma de discutir isso é com os gatilhos sendo incorporadas à regra de ouro, que já vem sendo violada e continuará sendo pelos próximos anos, o que garantiria a observância aos gatilhos.

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O sr. avalia que a mudança de estratégia de atuação do BC no câmbio foi acertada?

Vai depender do tamanho total a ser vendido (de dólar à vista). De fato, está acontecendo troca de endividamento externo por local, então, as empresas têm demandado mais dólares para fazer frente a amortizações e pré-pagamento de dívida externa. O que é bom, porque acaba reduzindo o passivo externo, mas não sabemos ainda quanto vai ser. Começou com US$ 3,8 bilhões, aumentou para US$ 11,6 bilhões, que está sendo feito neste mês. Vemos que são instrumentos diferentes, a situação parece justificar a mudança na estratégia, mas acho que tem de ser feito com cuidado com relação ao tamanho total da venda.

Após a surpresa positiva com o PIB do segundo trimestre, os dados de atividade julho têm se mostrado mistos, com a produção industrial decepcionando, mas o varejo melhor do que o esperado. Como fica a projeção para o PIB?

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A produção industrial tem sido afetada por fatores próprios de sua dinâmica, como a crise da Argentina, com as exportações mais fracas. E, como a situação está se deteriorando lá, esse peso sobre a produção industrial tende a permanecer, embora estejamos começando a ver a volta da indústria extrativa, com a retomada do funcionamento das minas da Vale. Não é na mesma magnitude, porque a indústria extrativa mineral responde por mais ou menos 10% da produção industrial, mas talvez ajude a compensar a deterioração adicional da Argentina. A produção industrial sozinha poderia sugerir alguma cautela, dado o começo ruim para o terceiro trimestre, mas era necessário ver indicadores mais abrangentes de atividade, até pelo peso maior das demais atividades no PIB, como comércio e serviços em geral. Nesse sentido, a surpresa de alta do varejo ajuda a contrabalançar algumas das preocupações com a indústria, oferecendo suporte à nossa opinião de que o consumo continuará oferecendo algum suporte ao PIB, como tem sido nos últimos 10 trimestres. Uma melhora mais significativa de consumo após a liberação dos saques do FGTS depende da queda mais relevante da taxa de desemprego. Por ora, mantemos a previsão de crescimento de 0,30% do PIB no terceiro trimestre. Para o ano, temos 1%, que estava acima do consenso, que era 0,8%, e agora pelo Focus está se aproximando do 0,9%. O FGTS vai ajudar, mas vem tarde no ano. Talvez o efeito maior fique para 2020.

Qual é a expectativa para o PIB de 2020?

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Por ora, projeto 2,1% de crescimento do PIB para o ano que vem, o que considera a atividade ganhando força depois do fim do impulso do FGTS. Vemos uma queda mais visível na taxa de desemprego que favoreça o suporte ao consumo. O consumo privado, bem ou mal, é a única variável que tem dado apoio ao PIB há dez trimestres. Mas, para ver um impulso maior, precisamos ver a taxa de desemprego declinando e que isso permita um aumento da massa salarial. Além disso, na parte de crédito, a Selic está para atingir recordes de baixa. Isso também pode ajudar no ano que vem.

Qual o risco de uma desaceleração global mais forte afetar o crescimento brasileiro?

Não projetamos recessão, um número negativo para o crescimento global. Nos Estados Unidos, a projeção é de desaceleração do PIB de 2,9% em 2018 para 2,2% este ano e para 1,6% em 2020. Na China, a estimativa é de 6,0% este ano e 5,5% no ano que vem, depois do avanço de 6,6% em 2018. Olhando só as economias avançadas, a projeção é de passar de 1,6% este ano para 1,0% no ano que vem, depois de 2,2% em 2018. O PIB da zona do euro deve passar de 1,9% em 2018 para 1,2% em 2019 e 0,60% em 2020. Vemos uma desaceleração em escala global e isso pode eventualmente atingir o Brasil, dependendo de como o processo acontecer. Se a confirmação de dados mais fracos se der com uma aversão ao risco maior em relação aos emergentes, o que inclui o Brasil, isso pode afetar pelo canal financeiro. Na economia real, de fato as exportações vão potencialmente sofrer um pouco no ano que vem, nesse ambiente de crescimento menor dos três principais importadores brasileiros: China, EUA e Argentina. Existe esse risco, sim, que levamos em conta nas projeções, mas se houver uma surpresa, possivelmente seria para pior.

O movimento de queda global de juros pode estancar o processo de desaceleração global?

Existe essa preocupação do quão permanente ou não será essa baixa dos juros. Se há como isso evitar o processo (de desaceleração global). Muitos têm argumentado que precisaria mais do que somente política monetária, precisaria de um auxílio fiscal, principalmente na Europa, vindo pela Alemanha, para dar um suporte maior ao crescimento. O risco de as taxas globais ficarem mais baixas por mais tempo é um risco para meu cenário de Selic. Minha projeção atual é o ciclo terminando com a Selic em 5,25%, com uma queda de 0,50 ponto porcentual na semana que vem e 0,25 ponto em outubro. A persistência do quadro externo dessa forma introduz um risco de baixa para essa visão. Se o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) continuar com a redução da taxa por várias reuniões, seria mais um elemento de risco de baixa para a taxa Selic. 

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A desvalorização recente do real não pode deixar o BC mais cauteloso?

No Barclays sempre tivemos a perspectiva de um real depreciado neste ano por causa do ambiente externo. Nossa projeção hoje, como era há seis meses, é de R$ 3,90 para o dólar no fim do ano. Temos visto essa deterioração, mas não observamos o repasse disso para a inflação. A queda dos preços de commodities em geral, principalmente de energia, têm permitido que os preços domésticos absorvam a taxa de câmbio mais fraca, sem necessariamente causar inflação maior. 

No último Copom, o BC trabalhava com o câmbio a R$ 3,75, bem abaixo do nível atual. O BC deve discorrer sobre esse risco no comunicado desta semana?

Uma sinalização de que a Selic poderia ser menor do que o mercado prevê hoje pode ter algum impacto no câmbio, seja por questão do carrego menor, seja porque pode dar sustentação ao movimento de troca de dívida externa por local, como o BC comentou. Se o juro doméstico continuar caindo, isso pode dar mais incentivo para as empresas continuarem a demandar dólar para pré-pagar compromissos externos, o que acaba afetando o câmbio.