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Melhora do mercado ainda não chegou ao consumidor

Por Agencia Estado
Atualização:

Apesar de todos os sinais recentes de melhora no mercado financeiro, ainda falta um pouco para que a recuperação possa ser sentida no bolso do brasileiro. Nas últimas semanas, dia após dia algum indicador financeiro do Brasil registra o melhor nível desde antes da crise do ano passado. Há até números batendo sucessivos recordes históricos, como a cotação dos títulos brasileiros mais negociados no mercado mundial, os C-Bonds. Mas os juros continuam altos e a economia ainda não melhorou no dia-a-dia das pessoas por dois fatores, segundo economistas: a inflação não caiu tanto quanto o esperado pelo Banco Central e o País não recuperou o crédito de médio e longo prazo. "O Brasil é como um paciente que sofria de uma doença crônica e já está melhor", diz o diretor de pesquisa para a América Latina da consultoria norte-americana Ideaglobal, Ricardo Amorim. "Mas ainda não está na hora de sair do hospital. E, se o doente quiser sair antes da hora, poderá ter uma recaída." Para o economista-chefe do BBV Baco, Octavio de Barros, "o pulo do gato para a chegada de um ciclo virtuoso será o ingresso de capitais de médio e longo prazo". O alongamento do crédito, que está apenas começando, dará uma grande margem de manobra para a política econômica, afirma o economista. "O dinheiro que está voltando para o Brasil por enquanto ainda é aquele que fugiu e percebeu que se assustou de graça", diz o diretor de instituições financeiras do Unibanco, Carlos Catraio. "Ele volta primeiramente em empréstimos de curto prazo ou para o financiamento de atividades que não sejam de alto risco, como o crédito comercial. Esses são os primeiros indicadores de que estamos rumando para um ciclo virtuoso. Mas os prazos têm de se alongar e os recursos têm de vir não só para o comércio." Para que o crédito externo continue se consolidando, diz Catraio, "as reformas têm de caminhar". Enquanto as reformas não andarem no Congresso, "basta acontecer alguma coisa negativa" para que o otimismo se reverta. Segundo Amorim, o risco é a não aprovação ou a diluição das reformas na passagem pelo Legislativo. "Acho, por exemplo, que o governo não deveria ceder na taxação dos inativos", diz. "Não existe sistema previdenciário no mundo no qual um trabalhador se aposenta com uma renda maior do que a que tinha na ativa", como é o caso do funcionalismo público brasileiro. "É um incentivo para as pessoas se aposentarem o mais rápido possível, em vez de continuarem trabalhando", afirma. Para que a recuperação financeira do Brasil apareça na economia real, os juros básicos precisam começar a cair. Para tanto, até a última reunião do Comitê de Política Monetária do BC, a queda da inflação ainda não havia sido suficiente, segundo disseram os diretores do BC na ata do encontro em que decidiram manter a taxa básica em 26,5%. Desde então, alguns índices de inflação continuaram caindo, mas "a preocupação com a inércia inflacionária não está de todo dissipada", diz Barros. Para Amorim, a persistência da inflação é causada, em parte, por uma perda de credibilidade do BC. "O BC aceitou, no passado, uma inflação muito acima da meta, até para não causar uma grande recessão", diz. "A meta subiu para 8,5%, mas as expectativas de inflação ainda estão 50% maiores que o alvo definido pelo BC." Segundo Amorim, por causa dessa perda de credibilidade, o BC tem de ser mais cauteloso que nunca para reduzir os juros. Para ele, se agir cedo demais, o BC arrisca alimentar essa descrença do mercado em relação ao seu comprometimento com a meta de inflação. "Por isso, acho que ele não deve reduzir os juros agora", diz. "Então, ainda vai demorar alguns meses para a melhora da economia aparecer no dia-a-dia das pessoas." Há quem acredite, no entanto, que a inflação e os juros possam trazer surpresas positivas no curto prazo. "Tudo indica que a queda da inflação está ocorrendo sim", diz o diretor-superintendente do banco Fibra, João Aires Rabello. "E ainda acredito que poderemos ter uma surpresa." Segundo Rabello, pode haver uma queda nos juros em breve porque a atividade industrial está muito reprimida em setores como o de medicamentos, moveleiro e de construção civil. "A atividade industrial está uma lástima. Se a demanda está mais baixa", há um limite para os aumentos de preços, diz. Para o economista do BBV, no último trimestre deste ano começarão a ficar mais evidentes os sinais de uma retomada econômica que fará de 2004 um ano parecido com 2000, quando o Brasil viveu um ciclo virtuoso. "E com a vantagem de que o País hoje está muito mais preparado por causa do ajuste fiscal e do balanço de pagamentos." Por outro lado, argumenta Catraio, hoje em dia a aversão ao risco no mundo é bem maior do que há três anos. Além dos atentados de 11 de setembro e seus efeitos sobre a economia global, os escândalos corporativos como o da Enron fizeram com que mesmo empresas multinacionais tenham de pagar mais para obter crédito, diz. "Muitas pessoas bancaram no passado e perderam dinheiro, mesmo nos mercados desenvolvidos", diz. "O mundo está pior, mais pessimista e mordido."

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