Melhora na trajetória da dívida não pode abrir a porta para o gasto populista; leia análise

Resultado positivo na trajetória da dívida tem caráter mais pontual do que estrutural e patamares seguem acima daqueles observados antes da pandemia

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Por Guilherme Tinoco
2 min de leitura

Segundo os números divulgados pelo Banco Central, a dívida bruta caiu de 85,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em abril para 84,5% do PIB em maio, um movimento esperado e que se insere em um contexto mais amplo de queda da dívida ao longo de 2021. Em realidade, nos últimos três meses as projeções de dívida para o fim do ano foram significativamente revisadas para baixo, saindo de algo próximo a 90% para cerca de 85% do PIB, sendo que, para algumas casas mais otimistas, esse número já chega perto de 82%. 

A confirmar tais projeções, veremos uma redução expressiva em relação ao fechamento de 2020, quando ficou em 88,8% do PIB. 

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Dívida bruta caiu de 85,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em abril para 84,5% do PIB em maio. Foto: Estadão

A que se deve, então, essa melhora?

A dívida bruta depende fundamentalmente do custo de carregamento e do resultado primário do governo. Eventualmente, pode se beneficiar da monetização de alguns dos ativos da União, como os empréstimos ao BNDES. No denominador da relação, quanto maior o PIB nominal, menor é o valor da fração. 

Tendo esse esquema em mente, pode-se perceber o que vem fundamentando a redução nas projeções. Em relação ao resultado primário, uma arrecadação fortalecida melhorou em R$ 100 bilhões a projeção oficial do governo. Em relação aos ativos, solidificou-se a expectativa de devolução de R$ 100 bilhões de recursos do BNDES ao longo do ano. Já no que se refere ao custo de carregamento, apesar da elevação das estimativas para a Selic (a taxa básica de juros), os impactos são quantitativamente muito menores do que os fatores citados anteriormente. 

É no denominador da relação, contudo, onde tem-se os maiores efeitos. As estimativas para o PIB nominal subiram bastante, tanto por conta do PIB real, que pode crescer em torno de 5% no ano, quanto por conta da inflação do PIB, que deverá ser a maior desde 2003. A elevada inflação do PIB reflete a aceleração nos preços ao consumidor e outros preços da economia, como o das commodities. Esse movimento, vale dizer, é fundamental para explicar o já mencionado aumento na arrecadação.

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Verificando os efeitos descritos acima em conjunto, percebe-se que há vários fatores explicando a melhora fiscal: um pouco de sorte (preço de commodities em alta), um pouco de fatores positivos (maior crescimento real do PIB), um pouco de fatores negativos (maior inflação), a monetização de ativos (devoluções do BNDES) e resultados de política econômica, notadamente o teto de gasto, que ajuda a segurar a despesa em um cenário de aumento da receita.

Como resultado, há, portanto, uma bem-vinda melhora na trajetória de dívida, mas que tem caráter mais pontual do que estrutural. Também vale lembrar que os patamares seguem elevados e acima daqueles observados antes da pandemia. Assim, continuaremos demandando esforço para transformar déficits primários em superávits, tarefa que dependerá da retomada do crescimento sustentável do PIB. Também será necessário lidar com os problemas de curto prazo, especialmente a crise hídrica e o elevado desemprego. 

Em meio a tantas incertezas, portanto, é fundamental que a melhora nas projeções fiscais não abra a porta para o gasto populista, especialmente considerando o ano eleitoral que se aproxima. Para ficar de olho.

*Mestre em economia pela USP e especialista em contas públicas

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