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Menos Previdência, mais investimento

O Brasil se tornou um Estado de bem-estar precoce, mas, investindo pouco, se esqueceu do crescimento econômico

Por Raul Velloso
Atualização:

Enquanto me preparava para a sessão inaugural do primeiro Fórum Nacional sem seu fundador, o ex-ministro Reis Velloso – por muitos anos titular da pasta do Planejamento nos anos 60 e 70, falecido há pouco e intimamente ligado à busca de soluções para os problemas nacionais –, perguntei-me o que deveria abordar na singela homenagem à sua figura na 31.ª edição desse evento nos dias 9 e 10 de maio (veja em www.inae.org.br), que herdei com muito orgulho. Pensei em talvez referir aos principais impactos financeiros da carta constitucional que marcou a passagem para a redemocratização do País, tema recorrente em nossas conversas.

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Poucos talvez saibam, mas a Constituição de 1988 mandou o governo redefinir as prioridades orçamentárias, descentralizar recursos e estabelecer um regime jurídico único de contratação e gestão do corpo de servidores públicos, com estabilidade no emprego e aposentadoria integral precoce, acabando, grosso modo, com a aplicação da CLT nos governos.

Tendo dedicado bastante tempo a organizar os números básicos dessa história, sintetizo alguns logo a seguir. Antes, a descentralização de recursos de fato ocorreu, a de atribuições tem se dado de forma caótica e a evolução do gasto de pessoal foi um desastre.

Quanto ao mais, prefiro destacar o que ocorreu com os gastos da União, alvo principal das mudanças. As novas prioridades estabelecidas foram Assistência Social e Previdência. Por causa disso, o peso dos gastos com Assistência no total passaram, em três décadas (entre 1987 e 2018), de 3,1% para 19,3% do total, aumentando não menos do que 6,2 vezes. Chocante.

No caso da Previdência, o aumento, no mesmo período, foi de 19,2% para 43,6%, representando um incremento de 2,3 vezes. Assim, Assistência e Previdência passaram de 22,3% para 62,9%, algo inacreditável...

Passando aos itens perdedores, o destaque é para o item investimento, que praticamente desapareceu, ao desabar de 16,0% para 2,8% do total. Ou seja, o Brasil se tornou um Estado de bem-estar precoce, não necessariamente beneficiando as parcelas efetivamente mais pobres da população, mas se esqueceu do crescimento econômico ao chutar o investimento para o alto.

Investir muito era o elemento-chave da estratégia de desenvolvimento que Velloso, como ministro do Planejamento autêntico por cerca de 12 anos, formulou. Graças a ela, o estoque de infraestrutura do País cresceria em linha com a média mundial, tendo alcançado a marca de 58% do PIB no início dos anos 80, tendo partido de 40% em 1970, e vinha caminhando na direção da marca que passou a representar, segundo especialistas, o estoque ideal ou de referência (70%). Só que, de lá para cá, essa razão apenas caiu, tendo chegado ao ponto mínimo de 32% por volta de 2014, quando estourou a maior recessão de nossa história. (Os dados são de Cláudio Frischtak e João Mourão.) Na verdade, hoje precisamos nos organizar para esse estoque dobrar em relação ao PIB, caso contrário, continuaremos durante muito tempo patinando e longe da marca ideal.

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Não é por outro motivo que, intimamente ligado à infraestrutura, o crescimento da produtividade média da mão de obra brasileira caiu da média de 3,6% ao ano em 1951-1980 para 0,2% em 1981-2017, levando à queda da taxa média de crescimento do PIB per capita, de 3,9% para 0,7%, entre esses mesmos subperíodos.

Ultimamente, Velloso reclamava muito de eu não denunciar a extinção dos impostos únicos sobre combustíveis e lubrificantes, cuja receita era vinculada a investimentos públicos, a seu ver um erro crasso dos constituintes de 1988. Ele estava certo. Foi negociado com Estados e municípios que a base de incidência desse imposto fosse transferida para receber incidência do atual ICMS, sem qualquer direcionamento setorial. Conforme ele repetia para mim, sem direcionamento o dinheiro acabaria indo, como de fato foi, para “pessoal ativo” e, posteriormente, para “aposentadorias”, item este que se tornou o grande vilão da crise financeira estadual de hoje.

*CONSULTOR ECONÔMICO

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